Mais de 5 mil crianças não foram matriculadas por falta de vagas

Nos últimos cinco anos, a demanda não atendida nas creches de Fortaleza teve um salto de 192%, mesmo com o crescimento da oferta do número de vagas. Ministério Público pede a criação de mais 7 mil para atender à população

Escrito por Renato Bezerra , renato.bezerra@diariodonordeste.com.br

Embora o número de vagas ofertadas na Educação Infantil de Fortaleza esteja em crescimento nos últimos anos, o déficit de matrículas segue em proporção ainda maior. Levantamento do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-CE) - com base no cadastro do Registro Único da rede municipal - aponta que, até o momento, 5.692 crianças de um a três anos de idade permanecem sem vaga garantida para o ano de 2019.

Nos últimos cinco anos, a demanda não atendida teve um salto de 192%, ao passo que o número de vagas cresceu 50,4%. Em 2014, a rede matriculou 14.329 crianças no Infantil I, II e III, e outras 2.643 ficaram sem esse acesso. Em 2018, por sua vez, o número de matrículas chegou a 21.564, mas em agosto do mesmo ano, 7.725 crianças ainda não haviam sido atendidas.

A incerteza quanto à garantia da primeira etapa da educação ronda, neste ano, a dona de casa Tatiane Almeida, 27. Mãe de um menino de 11 meses, ela afirma ter feito a inscrição do filho na creche que atende ao Parque Santa Maria, onde moram, ainda em 2018, recebendo a negativa no mês passado. "Ele e todas as crianças de um ano foram prejudicadas porque a sala apropriada para essa faixa etária não ia abrir. Foi uma surpresa para mim".

A solução, segundo conta, é aguardar a construção e entrega de uma nova creche no bairro, prevista somente para agosto, o que significa, para ela, ficar sem trabalhar nesse período. "Não tenho com quem deixar ele e por isso só quem trabalha é meu esposo. Mesmo em agosto eu não posso procurar emprego porque ele ainda terá um período de adaptação", relata.

A demanda reprimida de 2019 deve aumentar ainda mais ao longo do ano, aponta a assessora técnica do Cedeca-CE, Marina Araújo. Segundo destaca, o problema é um dos reflexos da precarização de investimentos na Educação Infantil do Município. "O que a gente vem analisando é que o orçamento público de Fortaleza não prioriza ações que têm como objetivo a construção, ampliação e reforma de centros de Educação Infantil".

Segundo cita, a Ação Orçamentária 1133, que trata da construção, reforma e ampliação dos centros educacionais, apresentou baixa execução nos últimos anos, não chegando nem a 60% do total previsto. Dados do Portal da Transparência de Fortaleza referentes a 2017, por exemplo, apontam que dos mais de R$ 45 milhões previstos para o período, cerca de R$ 23 milhões foram executados, ou seja, 51,6% do total.

"Mas quando a gente vai analisar a ação que diz respeito à publicidade governamental, ela tem uma execução muito superior, chegando a 97%. A Prefeitura não pode argumentar não possuir dinheiro. A arrecadação aumentou nos últimos anos, ela tem uma situação fiscal positiva dentre os municípios do Brasil", afirma Marina Araújo.

Esse conflito alocativo, na avaliação da assessora técnica do Cedeca, reflete principalmente nas periferias, de onde saem as maiores queixas sobre a precarização das unidades. "O Cedeca tem casos atendidos no Parque Santa Maria, no Lagamar e a gente pode afirmar que essa repercussão da demanda reprimida e a falta de manutenção e reformas são muito verídicas", fala.

Ação

O cenário fez com que o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), por intermédio da promotora de Justiça de Defesa da Educação, Elisabeth Almeida, protocolasse, na tarde de ontem, Ação Civil Pública contra a Prefeitura de Fortaleza, solicitando a ampliação da oferta em 7.725 novas vagas em tempo integral. O cálculo teve como base o Registro Único de 2018 - sistema no qual os pais cadastram as crianças para a obtenção da vaga.

O secretário adjunto de Educação de Fortaleza, Jefferson Maia, aponta a rede municipal dentre as que mais cresce no País, resultando diretamente no aumento da procura e, como consequência, a impossibilidade de atender toda a demanda de imediato. Segundo destaca, o Registro Único chegou a ter 12 mil nomes registrados no fim do ano passado, sendo atendidas 6 mil crianças até o momento.

"Desde 2014 a gente vem divulgando, estimulando a população a procurar a Prefeitura para fazer o Registro Único, e, com o aumento da Rede e da oferta, aumentou a qualidade e assim a população se sentiu mais estimulada. Estamos hoje com mais de 50 mil matrículas realizadas, só de 2017 pra 2018 aumentamos mais de 5 mil matrículas, mas isso gera um aumento da credibilidade da população, que continua nos procurando", afirma.

Em 2019, a rede cumprirá a meta de 6 mil novas vagas criadas, segundo ressalta o gestor, atendendo a meta estabelecida no início de 2017, que teve como base o Registro Único da época. Segundo acrescenta, mais 26 Centros de Educação Infantil (CEIs) estão previstos para a cidade até 2020, ampliando em mais 5 mil o número de vagas.

Ainda segundo o secretário adjunto, os custos com insumos, folha de pagamento e construção de novos equipamentos superou R$ 160 milhões em 2018. "Isso faz de Fortaleza a capital com maior investimento na Educação Infantil. E em 2019 a perspectiva é repetir o investimento, haja vista que a gente continua entregando novos centros. A Prefeitura usa de todos os seus esforços financeiros pra investir em equipamentos construídos do zero para atender exclusivamente a Educação Infantil". Sobre a ação do Ministério Público, Jefferson Maia afirma que a Prefeitura não foi notificada até o momento.

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