Vinda de indústrias pode ser incentivada no Ceará
Engenheiro acredita que governo deve buscar parcerias para instalar empreendimentos de grande porte no Estado
A industrialização do Ceará, com a instalação de fábricas de transformação no território cearense, deverá receber um forte incentivo por meio da expansão do Canal do Panamá. É o que afirma o presidente do Conselho de Administração da LOGZ Logística Brasil S/A, o engenheiro naval Nelson Luís Carlini. De acordo com ele, a janela de oportunidades deve mobilizar o governo estadual a buscar parcerias com investidores asiáticos para indústrias de grande porte.
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Carlini, que já foi presidente da CMA CGM - terceira maior companhia de navegação do mundo -, e da Docenave, braço de navegação da Vale do Rio Doce, aponta que a expansão do Canal do Panamá contribuirá para "uma redução gigantesca" nos preços de frete dos produtos vindos do Extremo Oriente ao Brasil.
"Como o canal vai permitir que navios maiores façam a travessia, eles poderão chegar ao Caribe com frete bem menor. De lá, é possível fazer o transporte de produtos diretamente ao Ceará, por exemplo, por meio de navios menores", prevê.
Como funciona hoje
Hoje, os produtos asiáticos chegam ao Brasil, em geral, passando pelo Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, atracando no Porto de Santos, em São Paulo. De lá, são distribuídos para os outros estados, como o Ceará. Segundo o engenheiro, esse novo cenário, com os itens podendo chegar diretamente do Caribe ao território cearense, trará uma redução considerável no frete, o que justificará a instalação de indústrias de transformação no Estado.
"Gente, por exemplo, que faz transformação de brinquedos, produtos eletrônicos, entre outros, podem trazer os componentes da China e montá-los aqui com foco no mercado nordestino, que está em crescimento, com a elevação da renda da população", cita.
Uma outra grande oportunidade apontada por Carlini é uma indústria que já há alguns anos vem sendo prospectada pelo governo estadual: uma montadora. "O governo do Ceará pode buscar algum investidor internacional, que se junte com uma empresa asiática que forneça os componentes, e crie um sistema logístico que favoreça a instalação da indústria", considera.
Chance de uma montadora
Nos últimos anos, na gestão do ex-governador do Estado Cid Ferreira Gomes, o governo empreendeu várias viagens à Ásia para prospectar com investidores a instalação de uma indústria automobilística no Ceará. O anseio foi se fortalecendo com o início da construção da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), quando se projetou a concretização de um polo metal-mecânico no Estado.
As chances para a indústria com o Canal do Panamá, acredita Carlini, estão voltadas para a produção de produtos de consumo médio durável. "Mas é preciso que, para isso, seja garantido um regime fiscal mais favorável, que justifique os investimentos", pondera.
NE pode ser corredor logístico
O Norte ou Nordeste do Brasil poderá se tornar um importante corredor logístico brasileiro com a abertura do Canal do Panamá. Isto porque a atual produção de grãos, que é exportada pelos terminais portuários do Sudeste à Ásia, utilizando a rota do Cabo da Boa Esperança, no sul da África, poderá ser alterada para este novo caminho, que agora permitirá o trânsito de embarcações maiores. Contudo, para que isso ocorra, uma série de investimentos precisam ser realizados até que algum porto possa desempenhar esse papel.
De acordo com o presidente do Porto de Itapoá, em Santa Catarina, e ex-oficial da Marinha Mercante, Patrício Júnior, o canal de Panamá poderá facilitar a navegação dos grandes navios de grãos caso o governo brasileiro resolva invistir em novas opções hidroviárias ou ferroviárias no sentido Centro-Norte ou Centro-Nordeste.
"Se os investimentos em hidrovias e ferrovias se concretizarem, grande parte do transporte de grãos que hoje é escoada por rodovias para terminais do Sudeste e do Sul seria transferido para novas hidrovias até os Porto do Norte e mesmo Nordeste, como Belém, Trombetas e Vila do Conde (PA), Itaqui (MA), Pecém (CE) e Suape (PE)", analisa.
O Canal do Panamá detém uma participação de 14% no transporte marítimo internacional de grãos. Uma parcela significativa deste comércio é movimentada entre os EUA (origem) e a Ásia (destino). A mudança de rota pelo canal, de acordo com o presidente do Conselho de Administração da LOGZ Logística Brasil S/A, Nelson Luis Carlini, geraria um ganho de três ou quatro dias no tempo de navegação entre o Brasil e o Extremo Oriente. "Não é à toa que os rios Tapajós, Madeira e Amazonas já estão recebendo o efeito da abertura do canal pelas linhas de navegação", conta.
Credenciamento
A instalação da ferrovia Nova Transnordestina, que ligará a produção de grãos do Piauí aos portos de Suape e Pecém, é avaliada por Carlini como um empreendimento que pode contribuir para que um destes portos se credencie a fazer esse escoamento pelo canal.
De acordo com ele, contudo, a mudança da rota, além de depender dos investimentos em infraestrutura, também terá que levar em consideração os custos para se cruzar o canal, que ainda não estão definidos.
Acesso aos asiáticos
Estudo realizado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) sobre o canal e os efeitos na expansão dos portos do Brasil analisa essa oportunidade de escoamento dos grãos pelo Norte ou Nordeste e apresenta uma avaliação que vai ao encontro do posicionamento dos dois executivos citados.
"Caso o Brasil desenvolva infraestrutura de transporte e logística eficiente que permita exportar sua produção agrícola pelos portos do Norte e Nordeste, o Canal poderia se tornar uma rota atrativa e viável para acessar mercados asiáticos, desde que os custos de passagem corroborem para ganhos de escala, tanto pelo aumento da capacidade de carga dos navios quanto por políticas de taxas mais baratas", aponta o estudo.
Maior fatia no comércio exterior
Com um volume de exportações de R$ 1,5 bilhão, alcançado em 2014, o Ceará tem ainda uma participação ínfima no comércio exterior brasileiro, representando apenas 0,6% do valor total obtido pelo País com as vendas a outras nações. Para o superintendente do Centro Internacional de Negócios (CIN), da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Eduardo Bezerra, a ampliação do Canal do Panamá pode representar uma mudança de patamar, se as oportunidades forem aproveitadas.
De acordo com o superintendente, o Ceará tem hoje grande dificuldade de chegar a alguns destinos, que poderão ser destravados com a expansão do canal. "Atualmente, para o Estado chegar ao Pacífico, é uma rota muito longa. Contudo, com o canal, ela vai se tornar mais curta e mais barata. O Ceará poderá ter acesso a mercados hoje proibitivos", vislumbra. De acordo com ele, vários produtos da pauta de exportações cearense poderiam ter suas exportações incrementadas, como biscoitos e, mais futuramente, itens do setor metal-mecânico, entre outros.
Atração de investidores
Ele considera que o Canal do Panamá, além de abrir oportunidades para o empresariado local e do Nordeste como um todo - que poderia concentrar suas exportações pelo Pecém, utilizando-o como um hub port -, é também um fator de atratividade para investidores internacionais ao Ceará. "Qualquer indústria que tem perto de si a oportunidade de entregar seu produto a qualquer outro ponto do mundo está sendo beneficiada. Se o Pecém se tornar um hub port, isto será um grande atrativo de novos investimentos, com a chegada de novas indústrias interessadas nessas condições logísticas", acredita. Para isso, ele reforça a necessidade de o Porto do Pecém ser dotado de mais serviços, e a região ao entorno de mais infraestrutura, para que o terminal se qualifique como concentrador de cargas.
Interesse já existe
Este cenário que está para se montar com a expansão do canal já desperta interesse de investidores asiáticos no Estado. Uma empresa de Cingapura, por exemplo, vem estudando a possibilidade de se instalar no Porto do Pecém, onde montaria uma estrutura de serviços, como reparo de embarcações e sistema de abastecimento.
A Agência de Desenvolvimento Econômico do Ceará (Adece) informa que também está atuando para atrair empreendimentos que possam se instalar na retroárea do porto. "Já existem algumas empresas sendo implantadas no Porto do Pecém nessa área, dando exatamente a retaguarda que o local precisa para um grande volume de cargas", adianta o presidente da agência, Ferruccio Feitosa.
Sérgio de Sousa
Repórter