Trabalho: igualdade ainda é desafio

Apesar da gradativa redução nas diferenças, os negros continuam sujeitos a ocupações mais precarizadas

Escrito por Redação ,
Legenda: Em cada 100 mulheres acima de 10 anos de idade, apenas 48 estão no mercado
Foto: fotos: alex costa

Menor participação no mercado de trabalho, salários inferiores, menos oportunidade de crescimento na função, dificuldade para atingir cargos de chefia, ocupação de postos de trabalho sem proteção trabalhista. Exemplos de discriminação que, segundo o analista de mercado de trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), Erle Mesquita, atingem raça, gênero, religião, classe social e pessoas com deficiências, disseminando a desigualdade e perpetuando o abismo histórico dentro e fora das empresas.

Na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) a taxa de participação feminina no mercado de trabalho caiu mais de dois pontos percentuais, entre 2009 e 2013, passando de 50,6% para 48,5%, indicando que a mulher está perdendo cada vez mais espaço. "Significa que em cada 100 mulheres acima de 10 anos de idade, apenas 48 estão no mercado da RMF, em ocupações formais ou informais", explica o analista do IDT, órgão autor do Boletim Especial Mulher 2014.

A mais recente edição do estudo, divulgado em março desse ano, revela que mesmo investindo mais na profissionalização, elas representam 54% da população desempregada e só 48% da população ocupada na RMF.

Segundo o documento, entre 2012 e 2013 o número de trabalhadoras ocupadas na Capital cearense e região metropolitana caiu de 747 mil para 742 mil pessoas. No mesmo período, o contingente de desempregadas na RMF reduziu de 89 mil para 79 mil pessoas, impactando diretamente na taxa de desemprego da mulher, que caiu de 10,7% para 9,6% no mesmo período. "A taxa de desemprego das mulheres vem caindo porque elas deixaram de fazer tanta pressão para entrar no mercado".

Em contrapartida, o tempo necessário para a mulher ingressar no mercado de trabalho da RMF aumentou. "Enquanto os homens gastam em média 24 semanas para voltar ao mercado, elas demoram 30 semanas para se reinserirem", calcula.

Para Erle Mesquita, a redução da participação da mulher resulta da redução do ritmo de crescimento da economia. "Quando o mercado de trabalho começa a dar sinais de desaquecimento, segmentos mais vulneráveis, como mulheres, negros e pessoas com deficiência são os primeiros descartados", afirma.

Os negros também engrossam as estatísticas da desigualdade no mercado de trabalho. "Apesar da redução nas diferenças nos últimos anos, eles continuam sujeitos a ocupações mais precarizadas, sem proteção trabalhista, como o emprego sem carteira, autônomo e doméstico", informa.

Segundo o último Boletim Especial População Negra, do IDT, em 2012, três em cada quatro desempregados na RMF eram negros (76,9%).

Conforme o levantamento, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho afeta mais fortemente as mulheres negras, com taxa de desemprego total de 10,9%, superando os índices relativos às não negras (10,1%), aos homens negros (7,5%) e não negros (7,3%). Mas a disparidade tem reduzido, segundo a pesquisa. Entre 2009 e 2012 a diferença entre as taxas de desemprego de negros e não negros caiu do patamar de 1,9 para 0,3 ponto percentual (pp). Em 2009 a taxa de desemprego da população negra na RMF era 12% e a taxa dos não negros estava em 10,1%. Já em 2012 os dois índices recuaram para 9% (negros) e 8,7% (não negros). Erle Mesquita atribui a redução da diferença ao crescimento do emprego formal. Segundo ele, "a discriminação no mercado de trabalho também chega ao setor público". "No serviço público a porta de entrada é a mesma, mas ao longo da trajetória, as promoções e os cargos de chefia acabam indo mais para os homens não negros".

Entre as pessoas deficientes não é diferente. De acordo com o procurador chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) no Ceará, Antonio de Oliveira Lima, "a maioria dos procedimentos ativos (no MPT) sobre discriminação no mercado de trabalho se refere a pessoas com deficiência". Segundo ele, há mais de cem ações judiciais e inquéritos civis referentes ao tema em tramitação e mais de 40 Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) aplicados à empresas pelo Ministério Público no Estado.

Para a agente de recrutamento e seleção do Sine-IDT, Edna Souza, os desafios e a limitação impostos pela vida serviram para motivá-la

Superando a limitação física

Mulher, com mais de 40 anos de idade e três filhos para sustentar. Um perfil de candidato que quotidianamente encontra dificuldade para inserção no mercado de trabalho. E quando, além de possuir esses três fatores associados - alvo de discriminação por alguns empregadores, a pessoa ainda tem deficiência física?

Para a agente de recrutamento e seleção do Sine-IDT, Edna Maria Pereira de Oliveira Souza, os desafios e a limitação impostos pela vida serviram para motivá-la ainda mais a conquistar seu espaço no campo profissional. Aos 42 anos, ela se divide entre os afazeres de dona de casa, a jornada diária de oito horas de trabalho e os estudos.

Mas Edna Maria não se queixa e diz que sua vida hoje é muito melhor. "Faz quatro anos que trabalho no Sine-IDT. Quando eu entrei já estava com 38 anos. Antes disso, fui muito discriminada por outras empresas. Passava em todas as etapas do processo seletivo, mas quando chegava a última fase, que eles olhavam meu andar diferente devido à deficiência que tenho numa perna, eu era eliminada", conta.

Em 2010, quando concorria a vaga de recepcionista numa empresa do ramo alimentício, ela lembra ter vivido sua experiência mais marcante ao ser discriminada por uma profissional de RH. "Eu fui me apresentar para o emprego. Então ela me perguntou se eu ia assumir a função de auxiliar de limpeza e, quando falei que fui aprovada para o cargo de recepcionista, ela informou que a vaga foi cancelada. Eu respondi que era melhor ela assumir que não queria me contratar e sai. Não que eu desmereça o trabalho de auxiliar de limpeza, mas porque eu tinha experiência e estava habilitada para o posto", afirma.

Seleção

Para a profissional, graduada em Recursos Humanos, a seleção pública para o Sine-IDT veio em boa hora. "Se eu não tivesse conquistado a estabilidade profissional que tenho hoje, já estaria enfrentando outro tipo de preconceito, pela idade", diz.

A alegria, determinação e força de trabalho de Edna Maria a impelem a alçar voos mais altos. Todos os dias, depois do trabalho, ela segue para sala de aula. O objetivo é se preparar para prestar exames para o concurso público federal do INSS. "Tudo que conquistei foi com muito esforço. Como nasci no sertão, precisei trabalhar em casa de família quando jovem só para estudar em Fortaleza. Não recebia salário. Trabalhava em troca da alimentação, de um local para dormir e de um horário vago para estudar. Valeu a pena. Faria tudo de novo", completa. (AC)

Para a profissional, graduada em Recursos Humanos, a seleção pública para o Sine-IDT veio em boa hora. "Se eu não tivesse conquistado a estabilidade profissional que tenho hoje, já estaria enfrentando outro tipo de preconceito, pela idade", diz.

A alegria, determinação e força de trabalho de Edna Maria a impelem a alçar voos mais altos. Todos os dias, depois do trabalho, ela segue para sala de aula. O objetivo é se preparar para prestar exames para o concurso público federal do INSS. "Tudo que conquistei foi com muito esforço. Como nasci no sertão, precisei trabalhar em casa de família quando jovem só para estudar em Fortaleza. Não recebia salário. Trabalhava em troca da alimentação, de um local para dormir e de um horário vago para estudar. Valeu a pena. Faria tudo de novo", completa. (AC)

Superando a limitação física

Mulher, com mais de 40 anos de idade e três filhos para sustentar. Um perfil de candidato que quotidianamente encontra dificuldade para inserção no mercado de trabalho. E quando, além de possuir esses três fatores associados - alvo de discriminação por alguns empregadores, a pessoa ainda tem deficiência física?

Para a agente de recrutamento e seleção do Sine-IDT, Edna Maria Pereira de Oliveira Souza, os desafios e a limitação impostos pela vida serviram para motivá-la ainda mais a conquistar seu espaço no campo profissional. Aos 42 anos, ela se divide entre os afazeres de dona de casa, a jornada diária de oito horas de trabalho e os estudos.

Mas Edna Maria não se queixa e diz que sua vida hoje é muito melhor. "Faz quatro anos que trabalho no Sine-IDT. Quando eu entrei já estava com 38 anos. Antes disso, fui muito discriminada por outras empresas. Passava em todas as etapas do processo seletivo, mas quando chegava a última fase, que eles olhavam meu andar diferente devido à deficiência que tenho numa perna, eu era eliminada", conta.

Em 2010, quando concorria a vaga de recepcionista numa empresa do ramo alimentício, ela lembra ter vivido sua experiência mais marcante ao ser discriminada por uma profissional de RH. "Eu fui me apresentar para o emprego. Então ela me perguntou se eu ia assumir a função de auxiliar de limpeza e, quando falei que fui aprovada para o cargo de recepcionista, ela informou que a vaga foi cancelada. Eu respondi que era melhor ela assumir que não queria me contratar e sai. Não que eu desmereça o trabalho de auxiliar de limpeza, mas porque eu tinha experiência e estava habilitada para o posto", afirma.

Inserção mais difícil para jovem e mulher

Conciliar trabalho e estudo se tornou impossível para a estudante do ensino médio, Hélen Marques, de 18 anos. Pensando em ingressar logo cedo no mercado de trabalho, em outubro do ano passado ela passou a trabalhar numa rede multinacional de fast food, que oito meses depois exigiu que ela optasse entre o colégio e o emprego. "Não tive dúvida: disse que prefiro me dedicar aos estudos", diz.

O resultado foi a rescisão do emprego. A estudante passou trinta dias em casa cumprindo aviso prévio e ao retornar recebeu as contas. Essa semana, ela deu entrada "sem arrependimentos" no seguro desemprego. "Foi meu primeiro emprego. A experiência valeu. Aprendi muito, mas eles exploram muito os funcionários", diz. Com uma jornada de trabalho extensa e estressante, bem além do que foi acordado no contrato de trabalho, e remuneração abaixo do esperado, a empresa foi aos poucos despertando a estudante do sonho para a realidade.

"No início eles disseram que eu iria trabalhar das 12 às 19 horas e que me pagariam R$ 3,19 por hora trabalhada, além de hora extra. Mas depois eles começaram a exigir que eu ficasse até as 22 horas", relata.

Tantas horas trabalhadas, porém, não são bem retratadas no contracheque. Indignada ela mostrou o documento em que o valor líquido especificado é de pouco mais de R$ 400,00. Para a estudante, a vantagem maior da experiência foi ter descoberto sua aptidão. "Vou cursar faculdade de Nutrição. Trabalhando lá, vi os absurdos que os clientes comiam e isso me inspirou a escolher essa profissão", afirma.

Vida real

Para a auxiliar de produção, Antônia Rodrigues Barbosa, de 30 anos, a mulher enfrenta mais desafios no mercado de trabalho do que os homens em qualquer faixa de idade. "Quando a gente está mais velha, eles demitem e botam gente mais nova. Quem tem filhos pequenos e precisa faltar ao emprego, eles também substituem. Na hora de concorrer a vaga, sempre perguntam se a gente tem filhos, qual a idade deles e até se temos com quem deixa-los para trabalhar. Eu entendo isso como uma forma de discriminação", afirma.

Com dois filhos em idade escolar, Antônio trabalhou mais de dois anos numa indústria de confecção e foi demitida no mês passado sob a alegação de corte de pessoal por contenção de despesas. "Eles nunca dizem que é para botar gente mais jovem, que não tenha filhos ou se vão nos substituir por um trabalhador do sexo masculino. Mas quem trabalha sabe", diz. (AC)

Aparência e idade contam também

"Beleza não se põe à mesa". Retratando a sabedoria popular, o provérbio indica que a aparência não é um valor tão primordial em relação ao alimento, essencial à sobrevivência. No campo do trabalho, significa dizer que nem sempre um profissional bonito é o mais eficiente. Mas quem está no mercado sabe que quando o cargo exige contato direto com o público, a aparência acaba sendo um critério de peso na escolha do candidato.

Há três anos na fila do desemprego, José Cleuton Viana Apolônio, de 31 anos, afirma não acreditar que sua condição esteja relacionada à discriminação no mercado de trabalho. Muito acima do peso e de cor negra, ele afirma, porém, que muitas vezes perdeu a vaga em detrimento de outros candidatos não negros e com menos peso que ele. "Passo nos testes, mas na hora da entrevista eles mandam ir para casa e aguardar o resultado da seleção. Só que nunca me chamam. Sempre trabalhei como porteiro, tenho experiência comprovada, mas as vezes a vaga fica com quem nunca trabalhou na função", desabafa. Para se manter, Cleuton já prestou serviço como zelador, mas voltou a ficar desocupado. "Disseram que encerrou o contrato com a terceirizada e não tinham outro lugar". (AC)

Ângela cavalcante
Repórter

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