Técnicas do Insa ajudam a reverter as voçorocas
Escrito por
Redação
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Com projetos em conta e bastante exequíveis, a instituição auxilia o sertanejo a conviver com o Semiárido
Campina Grande (PB) A forma mais severa de degradação do solo, a voçoroca, característica marcante de um ambiente desertificado, vem sendo estudada por pesquisadores do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Técnicas que usam os próprios elementos da Caatinga estão sendo empregadas com sucesso. Até o fim do ano, um manual será elaborado e distribuído aos produtores. A instituição tem outros trabalhos que visam à manutenção do bioma dentro da ideia de convivência com o Semiárido.
Zé Pretinho resolveu apostar no cultivo da palma forrageira Fotos: Cid Barbosa
É numa área de 40 hectares, próxima à sede do Insa que está sendo desenvolvido o projeto chamado Controle e Recuperação de Áreas Degradadas. O engenheiro agrônomo Walter Alves de Vasconcelos esclarece que as técnicas variam de acordo com cada situação.
"Podemos utilizar, por exemplo, canais de difusão compostos, chamados também de mata-burro, cujo objetivo é amortecer a descida das águas. Isso se aplica normalmente às estradas. Em síntese, colocamos duas toras de madeira separadas por pedras", explica Walter.
Para cercar uma voçoroca, impedindo que ela se alastre, é necessário conjugar diversos instrumentos. Dentre eles, o chamado preenchimento de faxina. Galhos e vegetação rasteira que se encontram no solo são colocados dentro do vão central do enorme buraco. Outra possibilidade é um dique de contenção feito de madeira. Ele amortece a queda d´ água. Para impedir que ocorra erosão nas bordas, aumentando mais ainda seu tamanho, é feita uma barreira de contenção a partir de pneus velhos.
Engenheiro Walter Alves de Vasconcelos garante que o manual que o Insa lançará até o fim deste ano auxiliará os agricultores no combate à degradação do solo
Para completar, uma régua feita apenas com uma estaca de madeira também retirada da faxina feita na própria Caatinga, de um metro, é usada para mensurar a cada mês se houve a recuperação do solo. "Vale salientar que tudo foi pensado em função dos pequenos e médios agricultores. De nada adiantaria criarmos técnicas de elevado custo, sem condição de ser usada por causa do alto investimento. O nosso objetivo é aproveitarmos os próprios elementos presentes na Caatinga", conta Walter.
Conforme o engenheiro agrônomo do Insa, além desses elementos, os pneus velhos que ficariam sem função, apenas poluindo o meio ambiente, estão sendo reciclados para essa finalidade. "É claro que os agricultores que tiverem mais condição financeira podem adquirir outro tipo de material para obter o mesmo resultado", prossegue Walter.
Recuperar uma voçoroca requer paciência. "Não se faz da noite para o dia. Na verdade, as técnicas barram o processo erosivo. Com o tempo, a área vai ganhando solo. A recuperação completa, dependendo do nível de degradação, pode demorar 50 anos ou mais", conclui.
Palma forrageira
A cerca de 30 quilômetros de distância da sede do Insa em Campina Grande, no município de Caturité, encontra-se um dos 26 campos de pesquisa para o cultivo de palma forrageira.
De acordo com o pesquisador Daniel Duarte Pereira, idealizador do projeto, o objetivo é plantar em cada campo de um hectare 20 mil unidades das três variedades que estão sendo usadas: palma orelha de elefante, baiana e doce ou miúda. Pelo processo de gotejamento, cada planta recebe somente dois litros de água a cada oito dias, livrando o solo do excesso de irrigação e racionalizando o uso da água.
"Levei nome de doido quando decidi aderir à ideia do professor. Hoje, meu gado vive bem nutrido e meus vizinhos passaram a me copiar", conta o agricultor José Pedro dos Santos, o Zé Pretinho, como é conhecido.
"Trabalhava aqui com a palma gigante. Só que a cochonilha comeu tudo. Agora, com os três tipos, a praga nem aparece", afirma Zé. O professor Daniel Duarte frisa que a cultura que se tem no Nordeste é de se plantara palma e esquecê-la, como se fosse uma espécie de subproduto. "Ela é tão importante como outras culturas e deve ser cultivada como tal", defende.
Pelo projeto que tem duração de dois anos, as colheitas deveriam acontecer a cada quatro meses. O êxito é tamanho que a primeira deve ocorrer nos próximos dias, com apenas três meses após a plantação. Segundo os cálculos de Duarte, cada campo produzirá anualmente 300 mil raquetes de palma. Os 26 campos juntos totalizarão 7 milhões e 800 mil; em dois anos, 15 milhões e 600 mil.
Para evitar a monocultura, Zé Pretinho vai utilizar o espaço entre as palmas de 1,5 metro para o plantio de feijão. O agricultor investiu R$ 13 mil para adquirir o kit de irrigação e 6 mil folhas de palma. Sua propriedade de seis hectares, adquirida por R$ 10 mil, está tão valorizada que ele já recusou uma proposta para vendê-la por R$ 50 mil.
"Mesmo que consiga a colheita somente a cada quatro meses, conforme o planejado, vendendo 100 mil raquetes a R$ 0,50, terei R$ 50 mil limpos. No ano, isso representa R$ 150 mil. Qual cultura me dá essa quantia aqui no meio da Caatinga", indaga, orgulhoso, Zé Pretinho.
Instituição pesquisa áreas desertificadas
"As alternativas de baixo custo para tornar a convivência com o Semiárido possível e viável existem. Resta saber se interessam aos governantes"
"Quando o Insa nasceu, o sol brilhou. O sertão, ao recebê-lo, enverdeceu. Todo o nosso Semiárido festejou quando o novo Instituto apareceu. De tão boa, a semente germinou. No lugar colossal onde nasceu". O texto do poeta nordestino Oliveira de Panelas resume a importância da Instituição para o povo que reside na faixa de terra semiárida.
Cid Barbosa e Fernando Maia visitaram as instalações do Insa
O trabalho desenvolvido no Instituto Nacional do Semiárido (Insa) não deixa de ser um alento para aqueles que lidam com as dificuldades do bioma Caatinga. O projeto de reversão das voçorocas, que vai virar cartilha até o fim do ano, pode significar um freio no processo de desertificação que atinge parte do Semiárido.
O tema, aliás, está sendo estudado segundo o coordenador de pesquisa do órgão, Audrin Martin Perez. Conforme ele, embora o problema da desertificação venha sendo discutido desde a década de 70 do século passado, a maioria das pesquisas não têm sido pontuais.
Audrin nos disse que a desertificação é um processo que ocorre com o tempo. Para o Insa, a ausência sistemática de estudos tem impossibilitado uma base científica para abordar a questão. A partir dessa observação, a Instituição vem mobilizando seus pesquisadores para montar essa base científica através de um sistema de monitoramento com unidades observacionais para alimentar esse sistema de forma permanente e instantânea. Os estudos estão apenas sendo iniciados por um dos chamados núcleos de desertificação, o de Seridó (RN).
A Unidade Piloto de Reúso de Água, iniciada há seis meses, é outra experiência bastante interessante que podemos testemunhar. Aproveitando os resíduos gerados no próprio prédio do Insa, cerca de 4 mil litros de esgoto por dia, que passam por uma estação simplificada de tratamento, uma área até então degradada está sendo utilizada para o plantio de espécies florestais nativas da Caatinga com potencial madeireiro.
O engenheiro agrícola Salomão de Sousa Medeiros, pesquisador de recursos hídricos, nos garantiu que o sistema é barato e pode servir de modelo para comunidades rurais que já têm a estação de tratamento e não utilizam esse potencial. Se levarmos em conta que são 22 milhões e meio de habitantes no Semiárido consumindo cerca de 150 litros de água por dia, o reaproveitamento dos resíduos gerados daria para irrigar cerca de 300 mil hectares sem a necessidade de buscar água de outras fontes. A água residuária ainda tem uma vantagem: contém nitrogênio, fósforo e potássio, que funcionam como adubo.
FERNANDO MAIA
REPÓRTER
Campina Grande (PB) A forma mais severa de degradação do solo, a voçoroca, característica marcante de um ambiente desertificado, vem sendo estudada por pesquisadores do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Técnicas que usam os próprios elementos da Caatinga estão sendo empregadas com sucesso. Até o fim do ano, um manual será elaborado e distribuído aos produtores. A instituição tem outros trabalhos que visam à manutenção do bioma dentro da ideia de convivência com o Semiárido.
Zé Pretinho resolveu apostar no cultivo da palma forrageira Fotos: Cid Barbosa
É numa área de 40 hectares, próxima à sede do Insa que está sendo desenvolvido o projeto chamado Controle e Recuperação de Áreas Degradadas. O engenheiro agrônomo Walter Alves de Vasconcelos esclarece que as técnicas variam de acordo com cada situação.
"Podemos utilizar, por exemplo, canais de difusão compostos, chamados também de mata-burro, cujo objetivo é amortecer a descida das águas. Isso se aplica normalmente às estradas. Em síntese, colocamos duas toras de madeira separadas por pedras", explica Walter.
Para cercar uma voçoroca, impedindo que ela se alastre, é necessário conjugar diversos instrumentos. Dentre eles, o chamado preenchimento de faxina. Galhos e vegetação rasteira que se encontram no solo são colocados dentro do vão central do enorme buraco. Outra possibilidade é um dique de contenção feito de madeira. Ele amortece a queda d´ água. Para impedir que ocorra erosão nas bordas, aumentando mais ainda seu tamanho, é feita uma barreira de contenção a partir de pneus velhos.
Engenheiro Walter Alves de Vasconcelos garante que o manual que o Insa lançará até o fim deste ano auxiliará os agricultores no combate à degradação do solo
Para completar, uma régua feita apenas com uma estaca de madeira também retirada da faxina feita na própria Caatinga, de um metro, é usada para mensurar a cada mês se houve a recuperação do solo. "Vale salientar que tudo foi pensado em função dos pequenos e médios agricultores. De nada adiantaria criarmos técnicas de elevado custo, sem condição de ser usada por causa do alto investimento. O nosso objetivo é aproveitarmos os próprios elementos presentes na Caatinga", conta Walter.
Conforme o engenheiro agrônomo do Insa, além desses elementos, os pneus velhos que ficariam sem função, apenas poluindo o meio ambiente, estão sendo reciclados para essa finalidade. "É claro que os agricultores que tiverem mais condição financeira podem adquirir outro tipo de material para obter o mesmo resultado", prossegue Walter.
Recuperar uma voçoroca requer paciência. "Não se faz da noite para o dia. Na verdade, as técnicas barram o processo erosivo. Com o tempo, a área vai ganhando solo. A recuperação completa, dependendo do nível de degradação, pode demorar 50 anos ou mais", conclui.
Palma forrageira
A cerca de 30 quilômetros de distância da sede do Insa em Campina Grande, no município de Caturité, encontra-se um dos 26 campos de pesquisa para o cultivo de palma forrageira.
De acordo com o pesquisador Daniel Duarte Pereira, idealizador do projeto, o objetivo é plantar em cada campo de um hectare 20 mil unidades das três variedades que estão sendo usadas: palma orelha de elefante, baiana e doce ou miúda. Pelo processo de gotejamento, cada planta recebe somente dois litros de água a cada oito dias, livrando o solo do excesso de irrigação e racionalizando o uso da água.
"Levei nome de doido quando decidi aderir à ideia do professor. Hoje, meu gado vive bem nutrido e meus vizinhos passaram a me copiar", conta o agricultor José Pedro dos Santos, o Zé Pretinho, como é conhecido.
"Trabalhava aqui com a palma gigante. Só que a cochonilha comeu tudo. Agora, com os três tipos, a praga nem aparece", afirma Zé. O professor Daniel Duarte frisa que a cultura que se tem no Nordeste é de se plantara palma e esquecê-la, como se fosse uma espécie de subproduto. "Ela é tão importante como outras culturas e deve ser cultivada como tal", defende.
Pelo projeto que tem duração de dois anos, as colheitas deveriam acontecer a cada quatro meses. O êxito é tamanho que a primeira deve ocorrer nos próximos dias, com apenas três meses após a plantação. Segundo os cálculos de Duarte, cada campo produzirá anualmente 300 mil raquetes de palma. Os 26 campos juntos totalizarão 7 milhões e 800 mil; em dois anos, 15 milhões e 600 mil.
Para evitar a monocultura, Zé Pretinho vai utilizar o espaço entre as palmas de 1,5 metro para o plantio de feijão. O agricultor investiu R$ 13 mil para adquirir o kit de irrigação e 6 mil folhas de palma. Sua propriedade de seis hectares, adquirida por R$ 10 mil, está tão valorizada que ele já recusou uma proposta para vendê-la por R$ 50 mil.
"Mesmo que consiga a colheita somente a cada quatro meses, conforme o planejado, vendendo 100 mil raquetes a R$ 0,50, terei R$ 50 mil limpos. No ano, isso representa R$ 150 mil. Qual cultura me dá essa quantia aqui no meio da Caatinga", indaga, orgulhoso, Zé Pretinho.
Instituição pesquisa áreas desertificadas
"As alternativas de baixo custo para tornar a convivência com o Semiárido possível e viável existem. Resta saber se interessam aos governantes"
"Quando o Insa nasceu, o sol brilhou. O sertão, ao recebê-lo, enverdeceu. Todo o nosso Semiárido festejou quando o novo Instituto apareceu. De tão boa, a semente germinou. No lugar colossal onde nasceu". O texto do poeta nordestino Oliveira de Panelas resume a importância da Instituição para o povo que reside na faixa de terra semiárida.
Cid Barbosa e Fernando Maia visitaram as instalações do Insa
O trabalho desenvolvido no Instituto Nacional do Semiárido (Insa) não deixa de ser um alento para aqueles que lidam com as dificuldades do bioma Caatinga. O projeto de reversão das voçorocas, que vai virar cartilha até o fim do ano, pode significar um freio no processo de desertificação que atinge parte do Semiárido.
O tema, aliás, está sendo estudado segundo o coordenador de pesquisa do órgão, Audrin Martin Perez. Conforme ele, embora o problema da desertificação venha sendo discutido desde a década de 70 do século passado, a maioria das pesquisas não têm sido pontuais.
Audrin nos disse que a desertificação é um processo que ocorre com o tempo. Para o Insa, a ausência sistemática de estudos tem impossibilitado uma base científica para abordar a questão. A partir dessa observação, a Instituição vem mobilizando seus pesquisadores para montar essa base científica através de um sistema de monitoramento com unidades observacionais para alimentar esse sistema de forma permanente e instantânea. Os estudos estão apenas sendo iniciados por um dos chamados núcleos de desertificação, o de Seridó (RN).
A Unidade Piloto de Reúso de Água, iniciada há seis meses, é outra experiência bastante interessante que podemos testemunhar. Aproveitando os resíduos gerados no próprio prédio do Insa, cerca de 4 mil litros de esgoto por dia, que passam por uma estação simplificada de tratamento, uma área até então degradada está sendo utilizada para o plantio de espécies florestais nativas da Caatinga com potencial madeireiro.
O engenheiro agrícola Salomão de Sousa Medeiros, pesquisador de recursos hídricos, nos garantiu que o sistema é barato e pode servir de modelo para comunidades rurais que já têm a estação de tratamento e não utilizam esse potencial. Se levarmos em conta que são 22 milhões e meio de habitantes no Semiárido consumindo cerca de 150 litros de água por dia, o reaproveitamento dos resíduos gerados daria para irrigar cerca de 300 mil hectares sem a necessidade de buscar água de outras fontes. A água residuária ainda tem uma vantagem: contém nitrogênio, fósforo e potássio, que funcionam como adubo.
FERNANDO MAIA
REPÓRTER