Desmatamento da Mata Atlântica cresce quase 70% no Ceará nos dois últimos anos, aponta estudo

Apesar do expressivo aumento percentual, o Estado permanece no “nível zero” de desflorestamento

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(Atualizado às 09:22)
Legenda: Mata Atlântica na Apa da Serra de Baturité, em Palmácia
Foto: Cid Barbosa

A data 27 de maio celebra o dia nacional da Mata Atlântica. Mas, na atual conjuntura, há razões para comemorar? Especialistas apontam avanços no Ceará, mas externam preocupação com a crescente no desmatamento e alertam para necessidade do fortalecimento de políticas públicas.  

Na tarde desta quarta-feira (26), foi divulgado o Atlas da Mata Atlântica, levantamento realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O estudo mostra que, no Ceará, houve aumento de quase 70% no desmatamento entre 2019-2020 ante ao biênio anterior. 

Além do Ceará, outros nove dos 17 estados que compreendem o bioma também tiveram aumento no desflorestamento: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Goiás, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, São Paulo e Espírito Santo. Sendo estes quatro últimos com crescimento superior aos 100%.   

O levantamento revela um cenário preocupante que ameaça diretamente uma das florestas mais ricas em diversidade de espécies do mundo. 

Aumento progressivo 

Este crescimento no desmatamento verificado nos dois anos anteriores no Ceará é um movimento linear iniciado em 2016. De lá para cá, o desflorestamento da Mata Atlântica só subiu, passando de 5 hectares para 42. 

  • 2014-2015: 3 ha 
  • 2015-2016: 9 ha 
  • 2016-2017: 5 ha 
  • 2017-2018: 7 ha 
  • 2018-2019: 25 ha  
  • 2019-2020: 42 ha (crescimento de 68%)  

Apesar do expressivo aumento percentual, o Estado permanece no “nível zero” de desmatamento. Segundo o relatório da SOS Mata Atlântica, o nível zero é “quando os desflorestamentos ficam em torno de um quilômetro quadrado ou 100 hectares (ha)”.  

Em números absolutos (42 hectares) a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) considera o desmatamento “pequeno diante da extensão territorial que a Mata Atlântica ocupa no Ceará”. No Estado este bioma ocupa uma área total de 1.873 km². 

Diante disso, o titular da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), Artur Bruno, considera que há razões para celebrar este dia 27 de maio. “O Estado tem apresentado cenário favorável à manutenção do Bioma e de seus ecossistemas associados”, avaliou. 

A pasta também ressaltou que, dentre esses 42 hectares, há áreas de desflorestamento permitido. “O estudo não distingue desmatamento ilegal daquele que é regulamentado. Por isso é necessária uma leitura mais abrangente desse estudo”, avaliou a Secretaria. 

Preocupação 

A bióloga e diretora de participação política do Instituto Verdeluz, Liana Queiroz, externa preocupação com o levantamento e analisa que “os dados do Ceará estão em sintonia com o cenário nacional, com aumento em vários estados”.  

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Ela faz ainda um paralelo com o que classifica ser um “afrouxamento do governo Federal” no que diz respeito às políticas públicas e fiscalização e, a soma desses fatores, ainda segundo ela, “acaba passando uma mensagem negativa” que culmina no aumento do desmatamento.  

Investimento para reverter o quadro  

A especialista pontua que para quebrar esta linha progressiva no aumento do desmatamento da Mata Atlântica no Ceará, é preciso investir em educação ambiental e em tecnologias de detecção de desmatamento para que ocorra a redução destes números. 

“Aumentar o número de Unidades de Conservação de Proteção Integral e fortalecer a integração da comunidade com remuneração inclusive das populações que preservem suas áreas verdes” são outras estratégias apontadas pela bióloga para preservar este bioma que conta com uma biodiversidade única e “além de abrigar inúmeras espécies endêmicas”. 

Artur Bruno revela que a meta para este biênio 2019-2020 era manter o “nível zero” de desmatamento, o que aconteceu, e destaca o projeto existente da Sema em “reflorestar cerca de 200 hectares em regiões que abrangem o Domínio da Mata Atlântica, como Grande Fortaleza, Litoral Norte, Litoral Oeste/Vale do Curu, Maciço de Baturité, Serra da Ibiapaba, entre outras”. 

Cenário oculto 

Ainda que o Estado tenha tido a manutenção do “nível zero” de desmatamento, Queiroz ressalta que o levantamento feito por meio de imagens de satélite e tecnologias na área da informação, do sensoriamento remoto e do geoprocessamento, contabiliza apenas áreas desmatadas maiores que 3 hectares. "Sabemos que ainda há muito desmatamento de pequenas áreas, que não foram detectados". 

É preciso coibir esse tipo desmatamento e ao menos tempo fazer um trabalho de educação ambiental de base, fomentar a integração da população com áreas verdes, promovendo o turismo ecológico de base comunitária e a agroecologia.
Liana Queiroz
Bióloga

Diante desta constatação, a representante do Instituto Verdeluz mostra a necessidade urgente de manutenção e fortalecimento das políticas públicas. 

"Nós do Verdeluz entendemos que o fortalecimento de políticas públicas como o próprio estabelecimento do comitê da Mata Atlântica traz avanços de gestão que podem refletir na redução do desmatamento. Além disso, o fortalecimento de Unidades de Conservação, tanto de áreas costeiras (que apresentam ecossistemas associados à Mata Atlântica,  tais como restingas e manguezais), como aquelas que estão nas serras úmidas do Ceará, que são enclaves da Mata Atlântica, são fundamentais para a proteção do bioma", avalia.  

Esse avanço, na concepção de Artur Bruno, tem sido gerido e articulado pelo Estado, cujo objetivo é conferir novas ações de proteção ao bioma. O secretário destaca que a Sema estabeleceu metas até o ano de 2023 que visam, além de recuperar áreas de unidades de conservação que estão inseridas no Domínio da Mata Atlântica (DMA), intensificar a fiscalização e criar Unidades de Conservação. 

"Vamos atuar nos reflorestamentos, bem como gerir e criar Unidades de Conservação que se distribuem por todo o Ceará abrangendo Serras Úmidas, Zona Costeira. Estamos também auxiliando ações na região da Chapada, locais estes que resguardam a riqueza de biodiversidade e recursos naturais". 

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Artur Bruno destacou ainda a criação do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Siema), que, conforme avalia, também pode ajudar a coibir desmatamentos em pequenas áreas citados por Liana Queiroz. 

"Pela [nova] Lei, o BPMA ganhará novos poderes. Hoje, ele somente acompanha as ações de fiscalização dando suporte de segurança aos órgãos. Integrado ao SIEMA, o BPMA terá também funções administrativas, tendo poderes para, por exemplo, multar e embargar, o que aumentará sensivelmente a capacidade de fiscalização ambiental do Estado", destaca Bruno. 

Para se ter uma ideia, a Semace possui 30 fiscais. O BPMA, por sua vez, tem um efetivo de 270 homens. Este modelo já foi adotado com sucesso em apenas dois outros estados: São Paulo e Santa Catarina.
Artur Bruno
Secretário de Meio Ambiente do Estado do Ceará

Com a nova Lei, a Sema passará a ser um órgão central também com poderes executivos, podendo fiscalizar e fazer autuações.  

Além da fiscalização, o secretário destacou reflorestamentos já executados em Unidades de Conservação (UCs) e adjacências, "como o Parque Estadual (PE) do Cocó, Parque Estadual Botânico do Ceará, APA da Bica do Ipu, APA da Serra de Baturité, entre outras, que configuram mecanismos de proteção ao DMA". O objetivo do reflorestamento, feito com plantio de mudas nativas, é expandir a área do bioma no Ceará. 

Legenda: Chapada do Araripe, no Sul do Estado, é um dos locais que possui o bioma
Foto: Divulgação

Mata Atlântica está em 67 municípios do Ceará   

A Mata Atlântica ocupa uma área total de 1.873 km² e está localizada em dez regiões do Ceará. Ela ocupa total ou parcialmente 67 municípios dos 184 municípios cearenses. Veja a regiões cearenses que possuem o bioma: 

  • Chapada do Araripe; 
  • Litoral; 
  • Chapada da Ibiapaba;
  • Serra da Aratanha;
  • Serra de Baturité;
  • Serra do Machado; 
  • Serra das Matas; 
  • Serra de Maranguape; 
  • Serra da Meruoca; 
  • Serra de Uruburetama 

Em todo o País, a Mata Atlântica abrange área de cerca de 15% do total do território brasileiro, o que inclui 17 Estados (Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe). 

Ao longo dos últimos anos o processo de desmatamento foi paulatinamente reduzindo esta área. Conforme o último levantamento do SOS Mata Atlântica, restam somente 12,4% da floresta que existia originalmente. 

Desmatamento no Brasil  

Em comparação ao biênio anterior, os anos de 2019-2020 tiveram menor desmatamento no acumulado de todos os 17 estados. Foram desflorestados 13.053 hectares (130 quilômetros quadrados) da Mata Atlântica, ante a 14.375 hectares em 2017-2018 – o que representa redução de 9%. 

Contudo, este número de 2019-2020 representa crescimento de 14% em relação a 2017-2018, quando 11.399 hectares foram desmatados – o menor valor da série histórica. Já a análise separada dos estados revela que São Paulo e Espírito Santo tiveram aumento superior a 405% na área desmatada.  

Espiro Santo passou de 13 hectares para 75 – abaixo da linha de corte dos 100 hectares – e o estado de São Paulo saltou de 43 hectares – até então classificado no “nível zero” de desmatamento – para 213 hectares desflorestados. 

 Em números absolutos, a maior área desmatada entre 2019-2020 foi no estado de Minas Gerais (4.071 ha). Já o menor, foi em Goiás (7 hectares). Este último estado há dois biênios (2017-2018) apresentara desmatamento de 289 hectares – redução de 97% em comparação aos anos 2019-2020. 

“Mesmo que tenhamos uma diminuição de 9% do desmatamento em relação a 2018-2019, ali o aumento havia sido de 30%, então não podemos falar em tendência de queda”, explica Luís Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica.

Além disso, no que se refere à Mata Atlântica, 13 mil hectares é muito, porque se trata de uma área onde qualquer perda impacta imensamente a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, como regulação do clima e disponibilidade e qualidade da água.
Luís Fernando Guedes Pinto
Diretor de Conhecimento da Fundação SOS Mata Atlântica

 

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