Ceará lidera o ranking do desmatamento de áreas de restinga

Estado também possui a 3ª maior área de manguezais do NE. Especialistas alertam que a extinção das regras que protegem o bioma, suspensa ontem por meio de liminar, podem colocar o ecossistema em risco se for efetivada

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(Atualizado às 08:26, em 30 de Setembro de 2020)
mangues
Legenda: O Ceará tem 22 municípios com a presença de manguezais, segundo pesquisa inédita realizada no Ceará. O ecossistema é considerado berçário de espécies marinhas
Foto: Antonio Rodrigues

O Ceará é o Estado com maior índice de desflorestamento em áreas de restinga do País - vegetação de Mata Atlântica no litoral, segundo o Atlas dos Remanescentes de Florestais da Mata Atlântica deste ano. O Estado desmatou 804 hectares entre 2018 e 2019 (do total de 59.481 ha). Em 2013, o desflorestamento foi de 494 ha e, em 2016, saltou para 788 ha, colocando o Estado no topo do ranking. Por outro lado, o Ceará é o terceiro do Nordeste em área de manguezais - são 15.189 ha, atrás, apenas, da Bahia (73.157 ha) e Sergipe (24.591 ha).

Os dados mostram a importância e necessidade de preservação dos ecossistemas costeiros.

Nesta semana, um novo posicionamento do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) acendeu o alerta entre especialistas. Segundo eles, os manguezais e restingas poderão ser diretamente impactados por mudanças no regramento em vigor. A decisão, anunciada no dia 28, chegou a revogar as medidas de proteção às áreas de restinga e manguezais, assim como dos entornos de reservatórios de água e do licenciamento ambiental para projetos de irrigação. Também retirava pontos da lei que proibiam a queima de resíduos agrotóxicos e de lixo tóxico em fornos para a produção de cimento.

Ontem (29), à noite, porém, uma decisão judicial anulou liminarmente a medida do Conama. A Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu a 135ª reunião do Conselho. A liminar, da 23ª Vara Federal Criminal, foi deferida em ação popular. A juíza Maria Amelia Almeida Senos de Carvalho citou "evidente risco de danos irrecuperáveis ao meio ambiente".

Como a decisão não é definitiva, a preocupação com o que o Conama definiu continua. A especialista em gestão ambiental e articuladora do Ecomuseu Natural do Mangue, Fabiana Pinho, ressalta que os impactos seriam enormes e poderiam ocasionar uma especulação nestas áreas, que guardam importantes atrativos turísticos. A lei ainda em vigor, mesmo que por força de liminar, protege a extensão dos manguezais e as faixas de restinga, tornando-as Áreas de Preservação Permanente.

arte mangue

Manguezais

Conforme a especialista, "todos os organismos vivos presentes em um determinado ecossistema formam uma comunidade biota. Dentro dessa comunidade, os indivíduos estabelecem relações que garantem a manutenção do ecossistema. Essas relações podem ser chamadas de relações ecológicas ou interações ecológicas. Podem apresentar caráter benéfico para os participantes dessa relação ou caráter prejudicial para ambos ou pelo menos um dos envolvidos", explica.

Segundo ela, os manguezais são os mais impactados com a medida. Os ecossistemas são considerados berçários da vida marinha. "O manguezal, entre tantos outros serviços ecossistêmicos, faz a proteção da linha de costa contra avanço do mar e a provisão de alimentos para as comunidades locais", explica. Estima-se que de 70% a 80% dos animais marinhos com importância econômica utilizam o manguezal pelo menos uma vez na vida.

Segundo uma pesquisa inédita que está sendo realizada por Pinho, um total de 22 municípios cearenses têm a presença dos ecossistemas. A redução da perda de áreas de mangues contribuem, assim, na retirada do carbono da atmosfera. "Havendo impacto na vegetação, no ecossistema como um todo, toda a fauna marinha fica comprometida", pondera a pesquisadora.

Conama

Em 2019, o Governo Federal determinou que o Conama fosse reduzido. Anteriormente, o colegiado contava com 96 conselheiros, entre membros de entidades públicas e de ONGs, e passou a apenas 23, incluindo o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na presidência.

O secretário do Meio Ambiente do Ceará, Artur Bruno, pondera, que é preciso fortalecer os instrumentos locais. "O principal desafio é garantir o crescimento econômico em harmonia com a proteção dos recursos naturais e culturais. Para tanto, o Governo (do Estado) vem elaborando, ao longo do tempo, instrumentos técnicos - legais norteadores à implementação da Política Ambiental no Ceará", informa.

Conforme Bruno, o Ceará segue em processo de elaboração do Zoneamento Ecológico-Econômico da Zona Costeira (ZEEC), "um dos instrumentos da Política Nacional e Estadual, que tem por objetivo o ordenamento para o uso e ocupação das áreas litorâneas". "Ao longo dos 573 km de costa cearense encontram-se 15 Unidades de Conservação estaduais, que ocupam uma área de 32.456 hectares, protegendo esses ecossistemas", informa o secretário.

Afirma, ainda, que o Estado conta com "procedimentos de Licenciamento, Monitoramento e Fiscalização realizados pelos órgãos competentes", que "continuam assegurando a proteção das Áreas de Preservação Permanente", por meio da aplicabilidade de dispositivos legais.

"É fundamental fortalecer o Sistema Estadual do Meio Ambiente, por meio da descentralização da Gestão Ambiental, implementar os Planos de Manejo das Unidades de Conservação; fortalecer a fiscalização e o monitoramento ambiental da Zona Costeira; ampliar as áreas protegidas em Unidades de Conservação; elaborar os Planos Municipais de Conservação da Mata Atlântica; estimular a gestão socioparticipativa das comunidades tradicionais e nativas", destaca.

O Diário do Nordeste tentou contato com o Ministério do Meio Ambiente sobre a decisão do Conama e a liminar que a suspendeu, mas não houve retorno.