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Decisão de Dino sobre emendas parlamentares gera dúvidas e insatisfação entre deputados do Ceará

Congresso aprovou e Lula sancionou regras para dar mais transparências às emendas, mas ministro do STF estabeleceu condições ainda mais rígidas para autorizar repasse de recursos

Escrito por
Deputados cearenses
Legenda: Parlamentares cearenses demonstraram incômodo com a decisão do ministro Flávio Dino, mas exaltaram transparência gerada pelas novas regras
Foto: Reprodução / Twitter (Imagem de arquivo)

A autorização concedida pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), para a retomada do pagamento das emendas parlamentares gerou incômodo aos parlamentares brasileiros. A principal queixa é sobre a inclusão de regras mais rígidas pelo magistrado. Deputados cearenses ouvidos pelo PontoPoder apontaram “lacunas” deixadas pelo ministro e demonstraram preocupação com a “burocracia” para o pagamentos dos recursos.

A decisão de Dino ocorreu duas semanas após o Congresso aprovar e o presidente Lula (PT) sancionar a lei que procurou corrigir problemas anteriormente apontados pelo STF nas indicações e pagamentos das emendas. Insatisfeito com a nova legislação, o ministro acrescentou condições para que a verba seja disponibilizada a partir de agora.

“É de clareza solar que jamais houve tamanho desarranjo institucional com tanto dinheiro público, em tão poucos anos. Com efeito, somadas as emendas parlamentares entre 2019 e 2024, chegamos ao montante pago de R$ 186,3 bilhões de reais”
Flávio Dino
Ministro do STF

Dino determinou que as emendas de comissão e os recursos remanescentes das antigas emendas de relator precisam ter os autores identificados no Portal da Transparência. Já nas transferências especiais, as chamadas “Emendas Pix”, será exigido um plano de trabalho com objeto e prazo de aplicação dos recursos.

Dino ainda estabeleceu como teto de crescimento das emendas impositivas as despesas discricionárias do Executivo, o limite de crescimento do arcabouço fiscal ou a variação da receita corrente líquida (RCL). Ao final de cada ano, serão calculados os três índices, o menor deles será usado como teto.

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Vice-líder do Governo na Câmara, o deputado federal Mauro Filho (PDT) aponta três pontos “mais relevantes que precisam ser esclarecidos” na decisão.

“Nós, do PLP (Projeto de Lei Complementar), decidimos que o montante das emendas tinha que crescer no limite do arcabouço fiscal, é o que está na Lei Complementar, não fica solto. O ministro diz que é para se basear no crescimento das despesas discricionárias. Temos que saber se é a lei que manda ou ele (Dino) quem manda”, pontuou.

“O segundo ponto é que, nos repasses de emendas para a saúde, além do plano de trabalho e da identificação do destinatário, será preciso aprovar na bipartite e tripartite. Isso é uma enorme burocracia, sobretudo a tripartite, é uma burocracia muito grande e não está previsto na lei”
Mauro Filho (PDT)
Deputado federal e vice-líder do Governo Lula

“O terceiro ponto é a questão da identificação individual do parlamentar que indicar as emendas de comissão, porque a lei cria a figura do líder que encaminha as emendas. Eu, pessoalmente, sou a favor, mas há uma grande maioria que defende que o acordo feito com o Supremo sobre isso precisa ser cumprido”, concluiu.

Veja as novas regras impostas por Dino: 

Emendas de bancada

  • Proposta sancionada por Lula: recursos devem ser aplicados em obras estruturantes do respectivo estado e não podem ser rateados entre os parlamentares.
  • Decisão de Dino: acrescenta que o parlamentar que indicou o recurso seja identificado. A Controladoria-Geral da União fará uma auditoria da destinação em outubro de 2025.

Emendas de comissão

  • Proposta sancionada por Lula: recursos só podem ser indicados por líderes partidários e precisam identificar o “objeto”.
  • Decisão de Dino: flexibiliza para que qualquer parlamentar possa indicar, contudo, impõe que o haja a “devida identificação” do autor. Ele acrescenta que essas emendas serão destinadas a “projetos de interesse nacional ou regional, definidos de comum acordo entre Legislativo e Executivo”.

Emendas para saúde

  • Proposta sancionada por Lula: metade dos recursos das emendas de comissão devem ir para a saúde sob orientação do Ministério da Saúde.
  • Decisão de Dino: independentemente da modalidade, qualquer emenda pode ir para a saúde. A destinação fica condicionada ao atendimento de orientações e critérios técnicos indicados pelo gestor federal do Sistema Único de Saúde (SUS) e fixados pelas Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite.

Emendas Pix

  • Proposta sancionada por Lula: logo após o pagamento, um plano de trabalho deve ser apresentado e sua aplicação será fiscalizada pelo TCU.
  • Decisão de Dino: passam a ser impositivas, observada a necessidade de identificação antecipada do objeto, a concessão de prioridade para obras inacabadas e a prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União (TCU). Ainda sobre a fiscalização, ele menciona um possível auxílio dos tribunais estaduais, PF e CGU.

Aumento das emendas

  • Proposta sancionada por Lula: proíbe imposição de restrição que não seja aplicável às despesas discricionárias do Poder Executivo.
  • Decisão de Dino: valor das emendas não pode crescer mais do que as despesas discricionárias do Executivo, do que o limite do arcabouço fiscal ou do que a variação da receita corrente líquida.

O deputado cearense Idilvan Alencar (PDT) exaltou as mudanças nas regras de destinação orçamentária. “Eu sou a favor da transparência da destinação e da aplicação do recurso público. Se é público, precisa ter a maior transparência possível. Essa sempre foi a minha posição”, disse.

Contudo, a lista de parlamentares com incerteza sobre a decisão é longa no Congresso. O deputado federal José Airton (PT), por exemplo, reconhece o “aspecto positivo” das medidas para dar mais transparência, mas faz ponderações. “É uma conquista importante. Nosso receio é que as emendas venham a atrasar pela burocracia, já que os projetos que serão analisados previamente para liberação desses recursos”, argumentou em entrevista ao PontoPoder.

“E há também uma preocupação porque o ministro fez muitas ressalvas para a liberação dos recursos, com isso terá mais dificuldades para descentralizar a aplicação (...) Depois, ainda será preciso esclarecer os pontos que não têm muita clareza dessas ressalvas que ele está impondo. Por isso, talvez, vá ser necessário aperfeiçoar uma nova legislação para ficar mais claro”
José Airton Cirilo (PT)
Deputado federal

Elogios e ressalvas semelhantes foram feitas pelo pedetista Eduardo Bismarck. “Acho que é importante que algumas emendas já liberadas neste ano sejam pagas pelo Governo, até porque os prefeitos estão sem receber desde o defeso eleitoral (em julho), então eles precisam da liberação de pagamento o mais rápido possível”, disse.

“Temos ainda uma preocupação com pontos que não estão claros e o Congresso está se debruçando para interpretar melhor. A Comissão de Orçamento se reuniu (na tarde de terça-feira). E há uma preocupação também institucional, da interferência do judiciário sobre as prerrogativas do Congresso”
Eduardo Bismarck (PDT)
Deputado federal

Decisão no STF

A decisão de Dino foi submetida para análise pelo  plenário virtual do STF ainda no fim da tarde de segunda-feira (2). Nas primeiras horas de votação, a maioria dos ministros se manifestou pela manutenção da decisão.

Em dezembro de 2022, o STF entendeu que as emendas chamadas de RP8 (Emendas de comissões permanentes do Congresso) e RP9 (Emendas de Relator-Geral do Orçamento da União) eram inconstitucionais. Após a decisão, o Congresso Nacional aprovou uma resolução que mudou as regras de distribuição de recursos por emendas de relator para cumprir a determinação da Corte.

No entanto, o Psol, partido que entrou com a ação contra as emendas, apontou que a decisão continuava em descumprimento. Após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, relatora original do caso, Flávio Dino assumiu a condução do caso.

Em agosto deste ano, Dino determinou a suspensão das emendas e decidiu que os repasses devem seguir critérios de rastreabilidade. O ministro também determinou que a Controladoria-Geral da União (CGU) auditasse os repasses dos parlamentares por meio das emendas do orçamento secreto. 

Ao longo dos últimos meses, integrantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário realizaram encontros para tentar um acordo sobre o tema. 

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