A reviravolta no caso da recusa de uma passageira em trocar de assento no avião

Ágil em condenar, o 'tribunal da internet' munido de informações falsas disseminadas por grandes canais de comunicação tomou partido na briga

Escrito por
Maria Camila Moura verso@svm.com.br
Legenda: A reviravolta no caso da recusa de uma passageira em trocar de assento no avião
Foto: Reprodução/TV Globo

Jennifer Castro já não é mais uma pessoa anônima, ganhou status de (sub)celebridade e mais de dois milhões e trezentos mil seguidores (até o momento desta escrita) após, à sua revelia, aparecer em um vídeo que viralizou há poucos dias.

No vídeo, Jennifer é filmada por uma mulher, que não aparece, e é alvo de frases ofensivas deferidas por essa pessoa que a filma. Isso, supostamente, por não ter trocado de assento com uma criança que queria ir sentada à janela do avião.

A mulher que filma ressalta a insensibilidade de Jennifer e chega a dizer “Tô gravando a sua cara, porque você não tem empatia com as pessoas. Isso é repugnante, no século XXI, a pessoa não ter empatia com uma criança. Se fosse com um adulto, tudo bem, agora com uma criança é demais”. Apesar da situação vexatória, da filmagem não autorizada e das ofensas, Jennifer permanece impassível, calada, o que parece ter agradado a muitos internautas.

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Rapidamente, o vídeo viralizou nas redes sociais e foi reproduzido por grandes canais de comunicação. Entretanto, os compartilhamentos do vídeo, em sua maioria, continham informações adicionais, supostamente para contextualizar aquela cena: diziam que a situação havia sido gravada por uma mãe inconformada por Jennifer não ter cedido o assento ao seu filho.

Alguns meios de comunicação divulgaram o vídeo ressaltando uma suposta reviravolta do caso: em tese, a mãe teria compartilhado a gravação que ela havia feito buscando apoio, entretanto, ao invés de apoio, teria recebido críticas dos internautas.

Como consequência, inúmeros xingamentos foram proferidos contra esta mãe e até mesmo contra a própria criança, adjetivada por muitos como ‘birrenta’. Também foram abundantes os aplausos acalorados à Jennifer, tendo sido considerada por alguns internautas como a nova rainha do bom senso e exemplo a ser seguido por não ter perdido a calma diante da situação. O apoio público fez a conta da rede social de Jennifer saltar de 700 seguidores para mais de 2 milhões e 300 mil seguidores (até o momento presente).

No entanto, uma reportagem que deu voz às principais envolvidas na situação, assim como a uma testemunha, trouxe uma nova reviravolta ao caso e tornou este episódio emblemático, por ser bastante representativo da lógica que rege nossa sociedade e o mundo imerso nas redes sociais.

Na verdade, segundo as pessoas envolvidas no caso, a filmagem foi realizada por uma terceira pessoa e não pela mãe da criança. Ao que consta, quando Jennifer chegou ao seu assento, a criança o estava ocupando por querer sentar-se ao lado da avó. Jennifer foi questionada se ela poderia trocar de lugar com a criança e, diante da sua recusa, a mãe, compreendendo que Jennifer estava em seu direito, retirou seu filho de 4 anos e o colocou ao seu lado, sentado em uma janela.

Entretanto, quando foi anunciado o aviso de apertar os cintos, a criança disse que queria voltar ao que ela entendia como seu lugar, ou seja, o lugar de Jennifer. Em sua lógica infantil, aquele lugar lhe pertencia por ter chegado primeiro que Jennifer. A mãe tentou explicar, mas a criança, como é próprio de crianças de sua idade, ficou inconformada e não soube lidar com suas emoções e sua mãe tentou acalmar-lhe.

Enquanto isso, um ‘burburinho’ se formou no avião e uma outra passageira, Eluciana Cardoso, pediu, então, à Jennifer para que ela trocasse de lugar com o garoto. Diante da sua recusa e da falta de justificava para tal, Eluciana afirma que perdeu o controle, sentiu taquicardia e começou a filmar a situação e a deferir aquelas palavras ofensivas contra Jennifer.

Eluciana enviou, então, o vídeo para sua filha, Mari, que sequer estava no avião, e ela acabou publicando o vídeo em sua rede social. Mari alega que nunca imaginou que este vídeo poderia viralizar, afinal, sua conta possuía no máximo 200 visualizações. Mari relata, ainda, que tentou editar o rosto de Jennifer, colocando um emoji para cobrir sua face, entretanto, somente oito horas depois se deu conta que havia publicado o vídeo na integra, sem preservar a identidade de Jennifer. No entanto, já era tarde, o vídeo já havia viralizado e as informações falsas (de que a mãe da criança havia feito a filmagem) já estavam sendo disseminadas.

Há anos comenta-se que vivemos em uma sociedade de Fake News, na qual informações falsas são facilmente disseminadas como verdades absolutas e repassadas de modo irrefletido e acrítico. Neste episódio, não apenas internautas ingênuos ou mal-informados compartilharam informações falsas sobre o caso, mas até mesmo respaldados veículos de comunicação contribuíram para a disseminação de notícias falsas, evidenciando que estamos em uma era de compartilhamento irrefletido – independente se os fatos disseminados são meias-verdades ou mentiras.

Também não é de hoje que se fala sobre o ‘tribunal da internet’, ágil em condenar. Aline, a mãe da criança, recebeu milhares de ofensas ainda que não tenha feito nada condenável. Apesar de ter sido alvo de ofensas nos últimos dias, de ter sido classificada como uma ‘mãe ridícula’ e ter escutado que ‘é por isso que os filhos viram marginais’, Aline pediu desculpas publicamente por Jennifer ter sido exposta por causa da ‘birra’ de seu filho. Segundo Aline, seu filho completou quatro anos, “o que não justifica ele fazer birra’. Ela relata que não fez a filmagem pois estava tentando conter a ‘birra ridícula’ de seu filho.

O pronunciamento da mãe, Aline, denuncia como as mães são vistas em nossa sociedade. Mães costumeiramente carregam culpas, se desculpam e se justificam ainda que não tenham feito nada de errado.

Ademais, classificar o comportamento típico de uma criança de 4 anos como ‘birra injustificada’ ou ‘ridícula’ aponta como nossa sociedade desconhece o universo infantil. A inflexibilidade cognitiva é cara às crianças, assim como a dificuldade de seu manejo emocional. Não foi uma birra ridícula injustificável, foi a expressão genuína de uma criança, adequada para a sua idade.

Após o tribunal da internet ter visto que tudo se iniciou não com uma postagem de Aline, mas de Mari, novamente, o mesmo tribunal a condenou. Mari afirma que não acha justo ser tão massacrada por um ‘erro de iniciante’ (não ter acertado encobrir o rosto de Jennifer).

Jennifer, que inegavelmente passou por uma situação vexatória, passou a status de subcelebridade com milhões de seguidores, já firmou parceria com algumas empresas, fez publicidade para uma das maiores empresas do Brasil. Entretanto, até ontem, ainda não havia tido tempo de dizer que a mãe não era a responsável pela filmagem.

Certamente, a briga continuará na justiça. Não sei se nos interessa tanto o desfecho judicial, mas, talvez, seja frutífero nos questionarmos que papel ocupamos nessa história: somos aqueles que compartilham informações de modo acrítico e irrefletido? Aqueles que compõe o tribunal da internet e por um mero recorte elegem seus novos ídolos ou aqueles que devem ir à fogueira? Aqueles que continuam em busca de um culpado? Aqueles que irão chamar de “birrenta” uma criança que age conforme o esperado para a sua idade? Parece que todos nós somos autores desta situação vexatória.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora