Premiado documentário ‘Salão de Baile’ destaca brasilidade e complexidades da cena ballroom
Com estreia em 5 de dezembro, "Salão de Baile" apresenta olhar "de dentro" da cultura ballroom a partir da cena da arte no Rio de Janeiro
Ballroom é “um múltiplo de coisas”: um “mundo paralelo”, um espaço de acolhimento, a chance de escolher a própria família, uma expressão afrodiaspórica, uma estrutura de regras e hiearquias complexas, “um hospital, uma igreja, um quilombo, um manifesto, uma contracultura, uma revolução, uma revolta”.
Todas as expressões elencadas, que ajudam a tatear um norte possível para entender o que é e como se constitui a cultura ballroom no Brasil, são direta ou indiretamente ditas em/por “Salão de Baile”, premiado documentário dirigido por Juru e Vitã que chega aos cinemas do País em 5 de dezembro.
Veja também
Ball como linha narrativa
Pulsante retrato desse “outro mundo”, o filme explora as características formadoras dessa cena no estado do Rio de Janeiro a partir da realização de um baile — produzido especialmente para as gravações da obra — com a presença de algumas das principais houses da capital e região metropolitana.
O evento funciona como uma espécie de linha narrativa a partir da qual o filme se desenvolve, ajudando a estruturá-lo como algo entre uma primeira “porta de entrada” de acesso às especificidades da cena e, também, um espaço de reflexão importante para quem já imerge na cultura.
Ao mesmo tempo em que apresenta o microcosmo de um baile de maneira efusiva a partir da sucessão de performances, disputas e desfiles, o documentário também reserva sequências mais contextualizadoras que surgem ligadas a cada momento da ritualística do
evento.
“Ballroom is education, bitch”
Assim, o que foi visto anteriormente — sejam os movimentos da disputa na categoria “face” ou o “corte” de uma pessoa participante no meio de uma apresentação competitiva — é evidenciado, contextualizado e elaborado por integrantes da cultura ballroom em outras cenas.
Não há necessariamente o didatismo de um “passo a passo de uma ball para leigos”, mas o documentário lança mão de entrevistas com figuras emblemáticas da cena, encontros e reuniões entre integrantes das houses e, até, segmentos que emulam e retorcem, pelo viés da performatividade, a convenção formal da “contextualização histórica” em documentários.
Numa chave bem-humorada, então, surgem figuras como a drag queen pioneira Crystal LaBeija e a cantora Madonna sendo representadas por integrantes da cena ballroom fluminense.
Partilham-se, dessa forma, informações sobre o início do ballroom nos EUA dos anos 1960, as transformações e aberturas do movimento, as posteriores apropriações midiáticas de elementos e os processos de inserção e adaptação da cultura no Brasil.
“Lembrando que ballroom is education, bitch!”
Complexidades do ballroom em evidência
Na costura entre as sequências do evento e as de contexto, “Salão de Baile” traz para a própria forma o espírito da cultura das balls, com estrutura narrativa e trabalho de montagem pulsantes e vibrantes como as performances evidenciadas no filme.
A proposta de um baile produzido especialmente para as filmagens que funciona como microcosmo geral da cultura ballroom ganha camadas mais aprofundadas e simbólicas quando o próprio evento é atravessado por complexidades de raça, gênero e classe no País e, até, contradições da própria cena.
Durante as gravações, um momento de briga entre duas participantes do baile expõe fraturas existentes naquele contexto e que ecoam, também, questões mais gerais. Ao invés de se eximir, “Salão de Baile” se abre de maneira honesta e interessada para observar as facetas mais delicadas do ballroom.
Dos elementos de competitividade e hierarquização dos bailes às problemáticas envolvendo entendimentos diversos e contrastantes sobre gênero dentro da própria comunidade, o filme não se furta em mostrar e refletir sobre questões espinhosas — e o faz não em chave conciliatória, de “panos quentes”, mas evidenciando o que há de complexo ali.
“Em conjunto com a comunidade ballroom”
A forma com que “Salão de Baile” lida com e aborda o ballroom vem daquela que é uma das principais bandeiras do filme enquanto obra: a participação de integrantes do movimento ballroom do Rio de Janeiro não somente à frente das câmeras, mas na produção.
Além da dupla diretora — Juru, cineasta cearense, e Vitã —, as equipes de direção, direção de arte e produção são total ou parcialmente formadas por pessoas envolvidas com a cultura. Mais do que “sobre a cena ballroom”, Vitã sustenta que “Salão de Baile” é um filme “em conjunto com a comunidade ballroom”.
Confira o trailer de “Salão de Baile”:
Outra reafirmação desse pertencimento que excede o filme em si está na circulação prévia do longa. Pré-estreias em cidades como Fortaleza, Campinas, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre têm contado com apresentações de houses e presença de figuras das cenas locais nos debates e mediações.
Afinal, apesar do recorte específico do cenário fluminense, pioneiro na construção de uma cultura ballroom brasileira, “Salão de Baile” vibra questões, demandas e conquistas comuns não só às demais cenas pelo País, mas até a outros contextos de culturas dissidentes.
Salão de Baile
- Quando: estreia nos cinemas em 5 de dezembro
- Onde: em Fortaleza, sessões no Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema)
- Quanto: R$ 16, com preço promocional a R$ 10 às terças (valores de inteira)
- Mais informações: @cinemadodragao e @thisisballroom_doc