Lei da Anistia precisa ser revista para reparar danos da Ditadura, defende jurista

Hélio Leitão lança livro onde propões parâmetros para políticas públicas que possibilitem a reparação de violações aos direitos humanos ocorridas no Regime Militar

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(Atualizado às 19:24, em 17 de Novembro de 2022)
Legenda: A Lei da Anistia "desconsiderou" os crimes políticos cometidos desde setembro de 1961 e agosto d 1979, e permitiu o retorno ao País de muitos que precisaram se exilar durante a Ditadura Militar
Foto: Arquivo MEC

Em vigor desde agosto de 1979, a Lei da Anistia "desconsiderou" os crimes políticos cometidos desde setembro de 1961 e permitiu o retorno ao País de muitos que precisaram se exilar durante a Ditadura Militar. Contudo, 43 anos depois, as ações para reparar os danos causados no regime de exceção ainda estão muito aquém do ideal e a norma precisa ser revisada.

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É o que defende o advogado Hélio Leitão. Ex-presidente da OAB Ceará e ex-secretário de Justiça do Estado, o jurista lança nesta quinta-feira (17) o livro "Crianças e adolescentes vítimas da ditadura - Reparação dos danos à luz dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos". Na obra, o autor propõe parâmetros para a formulação e execução de políticas públicas que possibilitem a reparação de violações aos direitos humanos ocorridas entre 1964 e 1985 no Brasil. 

Fruto da tese de doutorado na Universidade de Fortaleza (Unifor), o trabalho de Leitão apresenta suas proposições sob a perspectiva dos princípios dos direitos humanos reconhecidos internacionalmente e os ideais de justiça transicional. 

As conclusões do autor sobre a necessidade de reparação de danos a crianças e adolescentes que sofream violências, rapto e apropriação na Ditadura são abordadas em outro texto desta coluna.

Hélio Leitão
Legenda: Hélio Leitão é advogado, professor e conselheiro federal da OAB
Foto: Arquivo pessoal

Violações aos Direitos Humanos 

Em seus 21 anos de ditadura, o País foi marcado por uma série de violações aos Direitos Humanos. Conforme a Secretaria Especial da Presidência da República ligada ao tema, “calcula-se que pelo menos 50 mil pessoas foram presas somente nos primeiros meses de 1964; cerca de 20 mil brasileiros foram submetidos a torturas”, como consta no Plano Nacional de Direitos Humanos n° 3

Com a redemocratização, iniciativas que surgiram para tentar conhecer a real dimensão dessas irregularidades apuraram um saldo de pelo menos 434 mortos ou desaparecidos e mais de 36 mil vítimas de violações de direitos humanos reconhecidas e reparadas moral ou economicamente pelo Estado brasileiro. 

De 2002 a 2018 quase 78 mil requerimentos de reparação foram apresentados à Comissão de Anistia por civis e militares vítimas de decisões de exceção dos governos do regime civil-militar brasileiro. Atualmente, mais de 12 mil pessoas aguardam uma decisão do órgão governamental"
Hélio Leitão
Autor, advogado e conselheiro federal da OAB

Essas iniciativas visam a reparação dos danos causados por um regime autoritário durante o período de restauração democrática se chamam justiça transicional. Para o advogado, contudo, esse processo não se deu satisfatoriamente no Brasil. 

"Nós não passamos por um processo justo, transicional. Nós não passamos por processo de desintoxicação das instituições, não passamos por um processo de responsabilização daqueles que cometeram crimes em nome da ditadura", destaca. 

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Comissão Nacional da Verdade foi “deficiente” 

A maior das medidas destinas a essa transição foi a Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada em 2011 com o propósito de apurar essas violações "com vistas à recuperação da memória histórica e promoção da reconciliação nacional", explica o autor na introdução do seu livro.  

O trabalho da CNV, contudo, foi "deficiente", segundo ele. "Foi sem dúvida a mais importante iniciativa do Estado brasileiro nesse sentido. Mas ela deixou muito a desejar. Ela levantou o véu dos crimes da ditadura, mas ela não aprofundou, até porque faltaram meios, esses trabalhos investigativos", avalia. 

Atualmente integrando o Conselho Federal da OAB, Hélio Leitão foi presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da entidade durante sua pesquisa. Segundo ele, o propósito do trabalho é "manter acesa a chama do debate, a chama da de que o processo justransicional brasileiro continue, que haja um aprofundamento", explica. "Eu faço isso baseado nas experiências internacionais e no Direito Internacional dos Direitos Humanos", acrescenta. 

Comissão Nacional da Verdade
Legenda: O relatório da Comissão Nacional da Verdade foi oficialmente entregue em evento no Conselho Federal da OAB, em Brasília, em que participaram familiares, autoridades e membros da CNV
Foto: Isabella Reis/ASCOM-CNV

Lei de Anistia “é um produto bem brasileiro” 

O objetivo de Hélio Leitão com seu livro inclui a discussão sobre a necessidade de revisão da Lei de Anistia. "Ela é uma jabuticaba, um produto bem brasileiro. É uma lei de autoanistia, por uma interpretação que os tribunais brasileiros deram. Tribunal federal, inclusive", critica. 

A norma de 1979 concede “anistia a todos quantos (...) cometeram crimes políticos ou conexo com estes”. O problema, aponta o advogado, está na interpretação do que são esses crimes “conexos”. 

O entendimento de que são anistiados aqueles que resistiram ao regime militar, como também aqueles que atuaram torturaram, sequestraram, mataram em nome do regime. É uma interpretação bizarra do que seriam crimes conexos”
Hélio Leitão
Autor, advogado e conselheiro federal da OAB

Leitão alerta que o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem consolidado o entendimento "de que as leis de autoanistia são inválidas", incluindo diversas decisões da Corte Interamericana de Direitos Humano (CIDH), o Tribunal de São José da Costa Rica. 

O Brasil, inclusive, tem duas condenações na CIDH (os casos Gomes Lund – Guerrilha do Araguaia e Vladimir Herzog), considerando que a Lei da Anistia é incompatível com a “Convenção Americana de Direitos Humanos”. Essas decisões trazem recomendações ao País, como a revisão dessa legislação. 

Além disso, o Conselho Federal da OAB a ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 153. O relator do processo, contudo, o então ministro Eros Grau ratificou que ninguém será punido pelos crimes por causa dessa lei. “Ele próprio um anistiado político”, lamentou o conselheiro federal da AOB. 

“E o Conselho Federal entrou com os Embargos de Declaração, um recurso que até hoje não foi julgado. Desde 2010 até hoje não foi julgado”, lamenta.  

Para Hélio Leitão, a revisão da lei é necessária para a reparação de injustiças, que tem um “caráter pedagógico”. “Então, eu ouso propor algumas ideias para a formulação de políticas públicas”, conclui. 

Mais informações 

O livro “Crianças e adolescentes vítimas da ditadura - Reparação dos danos à luz dos precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, de Hélio Leitão, será lançado nesta quinta-feira (17), às 19h, no auditório da OAB-CE (Avenida Washington Soares, 800 – Guararapes). 

O evento contará com a presença de José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça (2011-2016) e ex-advogado-geral da União (2016). 

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