Dançar forró aos domingos ajuda casal a superar o vício em álcool

Alegria e sociabilidade da dança transformou a vida de Roberta Gonçalves e Jorge Nascimento para sempre.

Escrito por
Diego Barbosa diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Para Roberta e Jorge, dançar forró virou espécie de terapia e cura para todo o mal.
Foto: Ismael Soares.

À primeira vista, parece apenas um casal de estampa florida bailando no salão. Se você chegar perto e puxar prosa, verá que é bem mais que isso. Roberta Gonçalves e Jorge Nascimento tornaram-se exemplo desde que superaram o vício em álcool impulsionados pelo prazer de dançar numa casa de forró cearense. Sim, o que parecia impossível, aconteceu – e da melhor forma.

A casa de forró em questão é o Sítio da Vovó Joia, localizado em Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza. Com funcionamento somente aos domingos, virou a segunda morada do casal, que renasceu devido à dança e a um jeito muito próprio de encarar o forró. Para eles, estar num espaço que valoriza a cultura e a amizade é espécie de terapia.

“Passo a semana trabalhando, e lá, aos domingos, tiro meu estresse de tudo. Coloquei o vício que tinha em álcool no vício em forró e no Sítio da Vovó Joia”, brinca Jorge. Só em passear pela própria história, o empresário enche os olhos de lágrimas. Gosta de saber que hoje é totalmente diferente de quando começou a extrapolar na bebida, há cinco anos.

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Tudo aconteceu durante a pandemia de Covid-19. Roberta e Jorge levavam uma vida comum ao lado das filhas, dos amigos e do ofício que empreendem. O isolamento compulsório, contudo, pareceu ativar algo capaz de fazê-los ir além da simples bebidinha aos fins de semana. Começaram a entornar garrafas e mais garrafas de cerveja, sem medida e controle.

Quando viram, o hábito se tornou diário. Não paravam de ingerir bebida alcoólica, de segunda a segunda. Embora tivessem passado por cirurgia bariátrica – cuja recomendação é evitar o álcool – era inviável suspender o costume. Chegavam a cair de bêbados, discutir, dar vexame. A vida se resumiu a passar vergonha, perder o chão, a dignidade.

Na imagem, um casal de dançarinos em primeiro plano em um local de eventos aberto e coberto, com piso de concreto e teto de telhas cerâmicas. A mulher usa um chapéu fedora branco, uma blusa preta e um short colorido estampado. O homem veste um boné branco, uma camisa floral colorida e shorts cáqui. Eles estão de mãos dadas enquanto dançam. Várias outras pessoas estão dançando ao fundo.
Legenda: Casal chega ao Sítio da Vovó Joia cedo, e só vai embora quando tudo termina.
Foto: Ismael Soares.

Não eram mais os mesmos. “Antes, quando eu chegava nos lugares, começava a beber, e, se atingisse o limite, não queria mais. Tomava uma aguinha, e seguia em frente. Chegou um ponto em que eu não conseguia mais fazer isso. Bebia até cair, e Jorge da mesma forma. Então começou a se agravar”, lembra Roberta, com pesar.

Jorge também detalha: “Fui uma pessoa que deixei a desejar para as nossas duas filhas, para a Roberta, para a minha família – pessoas que ficaram tristes por mim. Minha barba cresceu, comecei a não me cuidar mais. Às vezes, pensei até em ficar na rua, como se dissesse, ‘deixa eu viver assim’. O álcool estava me dominando”.

Na imagem, foto de close-up de um casal sorridente em um ambiente interno, provavelmente um restaurante ou bar, com iluminação suave. A mulher tem cabelos escuros e veste uma blusa xadrez de ombros nus em tons de azul marinho, branco e vermelho. O homem está ao lado dela, vestindo uma camisa polo escura com listras horizontais e um relógio de pulso dourado. Ambos seguram e brindam com pequenos copos de vidro contendo uma bebida âmbar. O fundo está desfocado com luzes noturnas e reflexos de vidro.
Legenda: Vício em álcool iniciou na vida de Roberta e Jorge durante pandemia de Covid-19.
Foto: Arquivo pessoal.

Felizmente, em algum instante a ficha caiu. Ela precisava cair. Para Roberta, foi quando percebeu que estava perdendo tudo – a beleza, o amor, o respeito – devido ao vício infeliz. Ela deu o primeiro passo para sair da dependência, e chamou Jorge para ir junto. “Se você também quer mudar sua vida, vem comigo; se não, não dá mais”.

Ele ainda resistiu ao convite por um tempo. O tempo de um pesadelo. Numa noite, veio à mente cena triste e desesperadora: todo mundo ao redor havia morrido. Foi pavoroso, muito cruel, mas o fez mudar de comportamento ao acordar e perceber que ainda estavam todos ali. “Desde esse dia, decidi que ia parar de beber. E tenho conseguido”.

Na imagem, três pessoas sorrindo posam juntas em um ambiente de festa ou dança coberto. No centro, uma mulher mais velha sorri, vestindo um vibrante vestido vermelho com babados e um pequeno chapéu vermelho com uma fita. À esquerda, um homem com um boné branco e uma camisa floral colorida segura a mão dela. À direita, uma mulher com um chapéu fedora branco, blusa preta e shorts estampados coloridos segura a outra mão da mulher do centro. Eles estão em um piso de concreto com pessoas e pilares amarelos no fundo.
Legenda: Casal ficou amigo de Vovó Joia ao frequentar, todo domingo, o sítio que ela mantém.
Foto: Arquivo pessoal.

Na sequência deste dia, o casal lembra de se encarar e ir atrás das próprias vontades, desejos outrora enterrados devido ao alcoolismo. Um deles era justamente conhecer aquela casa que passava durante os intervalos dos programas. Parecia um lugar legal, de gente feliz. Era o Sítio da Vovó Joia. O resto, agora você sabe, é história. E daquelas boas de serem contadas.

Até o amor entre os dois mudou. “Temos 27 anos de casados, mas parece que, depois desses cinco anos em que parei de beber, a gente se conheceu de novo. Como se fosse namoro de adolescente, sabe? Uma paixão enorme. O álcool me tirou a vergonha, mas, quando eu o deixei, virei outra pessoa. Uma que eu não sabia ter força para ser”, compartilha Jorge. 

Na imagem, um grupo de seis pessoas posa para uma foto em um evento com tema rústico ou 'country'. Da esquerda para a direita: uma jovem de chapéu e saia de couro vinho; um homem de chapéu, camisa xadrez, jeans e botas, segurando um violão; uma mulher de vestido longo preto e gargantilha; um homem de camisa preta de manga curta; uma mulher de chapéu preto, jaqueta de couro preta e shorts; e um jovem de camisa polo verde oliva e calça escura. O cenário atrás deles é decorado com um letreiro de luzes, tecidos florais, um arranjo de balões em tons de cobre e um carrinho de madeira de roda grande.
Legenda: O casal com as duas filhas e os genros: reconstrução.
Foto: Arquivo pessoal.

“Dizer que é fácil, não é. Mas hoje não tenho mais nenhuma vontade de tomar álcool. Criei um receio tão grande de bebida, que não quero mais isso na minha vida – e falo com todo o meu coração e liberdade. Quem quiser beber ao meu lado, pode ficar à vontade, mas eu não sinto mais nada. Sou livre, graças a Deus”, celebra Roberta.  

Agora eles querem permanecer sempre ao lado das filhas, Cássia Luísa e Ana Júlia, e partilhar um viver que desconhece motivo para não estar junto – do café da manhã ao sono da noite, passando pelo expediente de trabalho. Renovar votos e memórias com eles mesmos porque o que a vida oferece neste instante, após o coração bater sem medo, é felicidade.

Na imagem, foto de close-up lateral de um casal dançando de rosto um para o outro em um local interno com teto de telhas cerâmicas. A mulher tem cabelo escuro liso e comprido, veste um chapéu fedora branco com uma faixa preta, brincos de argola dourados e uma blusa preta. O homem usa um boné branco, uma camisa floral colorida (tons de rosa, azul e branco), e exibe tatuagens e pulseiras douradas em seu braço. Ele também usa um relógio de pulso grande e dourado. Eles estão segurando as mãos acima da cabeça.
Legenda: Acreditar na leveza e na superação segue como uma das metas do casal.
Foto: Ismael Soares.

E se ainda há algum sonho para realizar nessa jornada, é Jorge quem responde: “Meu sonho era viver o que vivo hoje”.

Então, quando você vir um casal de estampa floral bailando no salão, saiba que há duas almas pulsando, em resposta aos desafios de todo dia. Apesar de tudo, crer na esperança, na leveza, na superação. Que dias melhores chegam, e virão.


Esta é a história de amor de Roberta Gonçalves e Jorge Nascimento e a superação deles do alcoolismo por meio do forró. Envie a sua também para diego.barbosa@svm.com.br. Qualquer que seja a história e o amor.