'Invasão chinesa' preocupa setor calçadista e pode colocar em risco empregos no Ceará; entenda

Compra de artefatos da indústria calçadista internacional pode prejudicar produção nacional do produto e afetar empregos

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Legenda: Empregabilidade cearense no setor de calçados chega a quase 70 mil postos de trabalho formais
Foto: Fabiane de Paula

O setor calçadista cearense recuperou o fôlego na geração de empregos em 2024. É o que indicam dados da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados) com base em registros do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Apesar disso, a alta produção de produtos na Ásia, principalmente na China, preocupa o setor, que teme pelo impacto nas exportações do Estado.

A Abicalçados, inclusive, chama de "invasão chinesa" o crescimento das importações pelo Brasil do produto asiático, principalmente, a partir de um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China. Segundo a associação, o acordo aumentaria a "invasão" de calçados asiáticos nas lojas brasileiras. 

Ceará é o segundo maior empregador do Brasil 

De acordo com dados da Abicalçados aos quais o Diário do Nordeste teve acesso, nos oito primeiros meses de 2024 foram gerados 3 mil empregos na indústria calçadista do Ceará, leve alta, de 0,7%, na comparação com o mesmo período do ano passado. Somente em agosto, 1,5 mil novos postos de trabalho foram criados no Estado.

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O segmento de calçados é o segundo que mais emprega em todo o Ceará, atrás apenas da indústria da construção civil. Em agosto de 2024, o saldo de postos de trabalho no Estado no setor era de 68,3 mil empregos. 

Nos dados divulgados pela Abicalçados, o Ceará representa o segundo maior mercado de empregos no setor calçadista do Brasil, atrás do Rio Grande do Sul. Já na geração de postos de trabalho, o Estado também ficou na segunda posição, com São Paulo na liderança, gerando 4 mil empregos entre janeiro e agosto deste ano na área.

Ainda segundo a associação, o cenário nacional trouxe "saldo positivo" na geração de empregos. O Brasil encerrou agosto com a criação de 12,4 mil postos de trabalho, fechando o oitavo mês do ano com 293 mil trabalhadores na indústria calçadista. Apesar do volume, o número representa queda de 2,5% na comparação com igual período de 2023.

Asiáticos participam com destaque do mercado brasileiro e incomodam indústria local

De acordo com o Comex Stat, plataforma do Ministério da Indústria, Comércio e Relações Exteriores, entre janeiro e agosto de 2024, foram importados US$ 324,17 milhões (cerca de R$ 1,77 bilhão na cotação atual) em calçados. Os países dos quais o Brasil mais compra o produto são Vietnã (44%), Indonésia (19%) e China (14,2%).

O maior importador de calçados do País é Minas Gerais, responsável por 49% de todas as compras internacionais do item. O Ceará tem uma participação mais tímida, de cerca de 2%. Segundo o Comex Stat, o Estado adquiriu, nos oito primeiros meses deste ano, US$ 6,37 milhões (aproximadamente R$ 35 milhões).

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Legenda: Setor calçadista é o segundo que mais emprega na indústria do Ceará, atrás apenas da construção civil
Foto: Fabiane de Paula

Para efeitos comparativos, o Brasil exporta mais do que o dobro em valor agregado de calçados: US$ 717,47 milhões (R$ 3,92 bilhões). Estados Unidos, com 21%, e Argentina, com 19%, são os principais compradores da indústria calçadista nacional.

O Ceará, por sua vez, aparece com destaque no cenário exportador brasileiro. O Estado é o segundo que mais exporta calçados no País, mas teve queda de 27,6% na comparação com igual período do ano passado. Entre janeiro e agosto deste ano, foram US$ 135 milhões (R$ 737,6 milhões) comercializados com o exterior, participando de 19% do mercado nacional.

Concorrência asiática pressiona o setor

O setor calçadista no Brasil produziu mais de 500 milhões de pares de calçados até agosto de 2024, alta de 4% em relação a 2023, situação comemorada pelo presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira.

“O mercado interno brasileiro, ancorado no crescimento das rendas das famílias, vem dando boa resposta para a indústria de calçados”, expõe.

Esses resultados, no entanto, estão sob ameaça e podem, em médio e longo prazo, prejudicar a empregabilidade do setor. Isso porque a China, um dos principais exportadores de calçados no Brasil, vem "avançando no mercado brasileiro", como explica o presidente-executivo da entidade

"Com a prática de dumping — quando a empresa exporta produtos com valor abaixo do preço de mercado —, esses calçados entram no Brasil com valores subfaturados e provocam uma concorrência desleal com as produtoras brasileiras", diz.

Para proteger o mercado interno, Haroldo Ferreira esclarece que vigoram uma série de medidas para evitar a concorrência do produto importado, seja com taxas de importação ou com tarifas antidumping, prorrogadas até 2027 pelo governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL), em 2022. 

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Legenda: Geração de empregos no setor calçadista cearense voltou a recuperar fôlego
Foto: Fabiane de Paula

Seria uma tragédia a China poder enviar seus produtos para o Brasil sem taxa de importação e sem tarifa antidumping — hoje em US$ 10,22 por par. A indústria calçadista brasileira não só pararia de empregar, por falta de pedidos, mas correria sério risco de seguir existindo.
Haroldo Ferreira
Presidente-executivo da Abicalçados

O mercado chinês atualmente representa 14,2% das importações de calçados no Brasil. Quando é analisado o recorte asiático, esse número salta para mais de 80%, conforme dados do Comex Stat.

Preocupação importante

Mesmo com a balança comercial favorável ao mercado brasileiro, o economista Wandemberg Almeida alerta para a "entrada predatória do calçado chinês" no setor calçadista cearense.

"Isso traz uma forte dor de cabeça para os investidores. Sabemos que o preço médio de um par de um calçado é R$ 15, cerca de US$ 3. É um preço muito baixo, que acaba mexendo com a competição e com o nosso mercado", defende.

A gente vê essa crescente nas exportações do mercado chinês, concorrência mais difícil de ser enfrentada, e começamos a enxergar uma cadeia que vem sendo claramente atingida, porque o preço praticado para a exportação é diferente do que é praticado no mercado interno, e isso acaba provocando uma concorrência desleal com a indústria brasileira. 
Wandemberg Almeida
Economista

Para o economista, é preciso garantir o bom funcionamento do setor calçadista cearense pela importância em cadeia da atividade econômica, responsável por uma alta empregabilidade na indústria e por elevadas cifras de exportação.

"A importância do setor de calçados é tão grande que a gente começa a verificar tanto na parte de comércio exterior, como também no comércio interno, trazendo novas oportunidades, fechando novos negócios e tendo uma grande interação com outros setores, que acabam se beneficiando. Podemos chamar esse efeito de transbordamento, onde esse setor, dada sua importância e relevância, começa a trazer contribuições para setores vizinhos", classifica. 

Importação não é problema, diz Secretaria do Trabalho

Apesar da preocupação do setor local com as importações, a Secretaria do Trabalho do Estado do Ceará (SET) aponta que a geração de empregos mostra fôlego no setor.

É o que explica Renan Ridley, secretário em exercício da pasta. Ele destaca a inauguração desta segunda-feira (30) da segunda fábrica da Grendene no Crato, na região do Cariri cearense, que gerou 1 mil novos empregos formais. A empresa calçadista investiu R$ 30 milhões na nova unidade.

Fábrica Grendene Crato
Legenda: Grendene inaugurou nesta segunda-feira (30) expansão de fábrica no Crato
Foto: Tiago Stille/Governo do Ceará

O Ceará tem crescido muito, principalmente no setor calçadista. Essa semana foi inaugurada a ampliação da fábrica da Grendene no Crato. São mais de 1 mil empregos na região do Cariri. É um setor que tem impactado positivamente na geração de empregos no Estado. Quase 70 mil pessoas trabalham dentro da fabricação do setor calçadista.
Renan Ridley
Secretário do Trabalho do Ceará em exercício

Para o titular em exercício da pasta, como a indústria cearense, em especial a calçadista, continua com bons resultados econômicos evidenciados pelo Produto Interno Bruto (PIB) do Estado, "a tendência é de que a gente continue gerando mais empregos" no segmento.

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