O que o Ceará aprendeu com a dengue após 7 epidemias da doença

Em 37 anos, Estado teve mais de 700 mil casos e criou diretrizes para lidar com cenários de transmissão

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Legenda: Busca ativa de criadouros é uma das principais estratégias de combate ao mosquito Aedes aegypti
Foto: Fabiane de Paula

O início de 2024 vem sendo marcado por um surto de dengue na região Centro-Sul do Brasil, com milhares de casos e registros de óbitos. No entanto, o Ceará não vivencia atualmente um alerta para a doença, introduzida no Estado na década de 1980 e que já provocou sete grandes epidemias - já que pode causar quatro manifestações diferentes em cada pessoa. 

Segundo a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), há casos de dengue notificados no Ceará desde 1986, quando foi isolado o sorotipo Denv-1. Desde então, foram confirmados mais de 766 mil casos e, de 1994 a 2023, 700 óbitos. Nos últimos 37 anos, a dengue se tornou endêmica (recorrente), com epidemias nos anos de 1987, 1994, 2001, 2008, 2011, 2012 e 2015.

A Pasta detalha que se destacam as epidemias de 1994, pela confirmação dos primeiros casos e óbitos por dengue hemorrágica; a de 2008, com maior número de casos graves; e a de 2011, pelo maior número de casos confirmados. Porém, há 8 anos, o Estado não enfrenta uma contaminação generalizada.

No ano passado, por exemplo, foram confirmados 14.151 casos, com maior incidência no primeiro semestre - período que coincide com a quadra chuvosa no Estado. Conforme a Sesa, o diagrama de controle mostra que a taxa de incidência “em nenhuma semana alcançou o número máximo esperado, refletindo um cenário de baixa transmissão da doença”. Os testes de detecção viral determinaram sobretudo o sorotipo 1.

Até o momento, em 2024, foram contabilizadas 129 confirmações, número cerca de 89% menor do que o do mesmo período do ano passado, segundo Antonio Lima Neto, o Tanta, secretário Executivo de Vigilância em Saúde da Sesa. Para ele, o cenário do Ceará é mais tranquilo em relação ao país pelo longo histórico de convivência com a doença.

O Centro-Sul do país começou a experimentar muito recentemente, como Paraná e Santa Catarina, Estados que nem sequer tinham o mosquito. Houve uma expansão importante provavelmente associada ao aquecimento global e outros fenômenos, e a infestação aumentou no país quase todo. É uma situação de mudança de padrão da doença muito em função da expansão do vetor motivada por fatores climáticos e ambientais.
Antonio Lima Neto
Epidemiologista

Porém, no Ceará, uma fração importante da população já teve contato com o sorotipo 2, hoje responsável pelo surto no Brasil. “Em tese, é uma população que está naturalmente imunizada, é um perfil de suscetibilidade menor”, explica o secretário. “Isso explica um pouco o Nordeste ter sido poupado nos últimos anos de grandes epidemias, porque é uma região tradicionalmente negligenciada. Em anos anteriores, o Nordeste enfrentava enormes epidemias, às vezes solitariamente”.

Contudo, Tanta ressalta que o Ceará ainda tem população que não teve contato com nenhum sorotipo e, portanto, está vulnerável. O gestor não descarta ser questão de tempo, uma vez que “tem pessoas que tiveram contato com o vírus e circulam pelo país inteiro. A magnitude da transmissão vai depender do perfil da população”.

Ivo Castelo Branco, médico infectologista e coordenador do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Ceará (UFC), também pondera que a doença tem um comportamento cíclico. “De três a cinco anos, existe um pico; depois cai três, quatro anos, e sobe novamente. Nós estamos na fase da baixa. No entanto, a gente não pode dizer que vai ter menos casos porque ainda não começaram as nossas chuvas”.

“Estamos tendo uma circulação de dengue 1 e 2. No ano passado, foi praticamente dengue 1. Há uns 10 anos, a dengue 1 vem proliferando, então esgotamos os suscetíveis”, lembra o especialista. Por outro lado, Tanta completa: se o sorotipo circulante fosse o 3, o Ceará poderia viver uma epidemia rapidamente porque “ele não circulou com a mesma intensidade da dengue 2”.

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Aprendizado com a dengue

Nos últimos 37 anos, o Ceará viveu quatro momentos de introdução de sorotipos da dengue:

  • Denv-1: 1986
  • Denv-2: 1994
  • Denv-3: 2002
  • Denv-4: 2011

Cada situação impôs reformulações do sistema de saúde para lidar com os pacientes e criar alternativas de combate. Segundo o secretário Tanta, os principais ganhos foram:

  • Assistência: os profissionais ganharam experiência e conseguem conduzir mais adequadamente os protocolos de dengue;
  • Educação: após sucessivas campanhas, a população já sabe reconhecer potenciais criadouros do mosquito, principalmente depósitos maiores, dada a cultura de acumular água em reservatórios;
  • Participação popular: as próprias pessoas aprenderam a não acumular água em recipientes ao ar livre e a realizar busca ativa em residências e quintais. 

Contudo, o combate exige reformulações constantes porque “o mosquito tem uma capacidade enorme de adaptação” e “ele só sabe viver perto de pessoas”. Além disso, o crescimento da dengue é um fenômeno de escala global, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Nunca vamos poder deixar de controlar o mosquito. Existem várias intervenções, como a busca ativa em casa e a eliminação de criadouros, até a expansão de programas de controle vetorial mais inteligentes”, pondera Tanta. O uso de fumacê, porém, só é avaliado em situações de surto.

Segundo a Sesa, as visitas domiciliares realizadas pelos Agentes de Controle de Endemias “são essenciais para ações de controle do vetor e educação em saúde para a população”. São preconizados seis ciclos de visitas por ano, com cobertura de 80% de visita domiciliar, priorizando-se as áreas com maiores riscos epidemiológicos. Segundo Tanta, a maioria dos municípios cearenses registrou menos de 1% de infestação no mês de janeiro.

8
óbitos por dengue foram registrados em 2023. Foi o menor registro desde 2007. A circulação simultânea de vários sorotipos aumenta o risco da ocorrência de casos graves de dengue.

Ceará não recebeu vacina

Em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde passou a oferecer a primeira vacina contra a dengue no Sistema Único de Saúde (SUS). Para este ano, estão previstas cerca de 5 milhões de doses. No entanto, o Ceará não está entre os Estados beneficiados.

Conforme o Ministério, a escolha levou em conta municípios de grande porte com alta transmissão nos últimos 10 anos; dentro deles, foram determinadas as regiões de saúde com predominância do sorotipo Denv-2 e maior número de casos no monitoramento de 2023/2024.

Com isso, 521 cidades de 16 estados e o Distrito Federal têm municípios que preenchem os requisitos para o início da vacinação a partir de fevereiro de 2024. 

Serão vacinadas as crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos, faixa etária que concentra maior número de hospitalizações por dengue. O esquema vacinal será composto por duas doses, com intervalo de três meses entre elas.

Principais sintomas da dengue

Em alguns casos, pessoas infectadas pela dengue não apresentam sintomas. Quando eles se manifestam, duram cerca de 3 a 5 dias, e incluem:

  • Febre (39°C a 40°C) de início repentino
  • Dor no corpo e articulações
  • Dor atrás dos olhos
  • Mal-estar
  • Falta de apetite
  • Dor de cabeça
  • Manchas vermelhas no corpo

Todas as faixas etárias são suscetíveis à doença, porém indivíduos com condições preexistentes com as mulheres grávidas, lactentes, crianças (até 2 anos) e pessoas maiores de 65 anos têm maiores riscos de desenvolver complicações pela doença.

O tratamento é baseado principalmente no repouso e na ingestão de líquidos. O paciente não deve se automedicar e procurar imediatamente o serviço de urgência em caso de sangramentos ou surgimento de pelo menos um sinal de alarme.

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