Ceará tem menor número de mortes por dengue desde 2007; Brasil bate recorde de óbitos pela doença

Enquanto a dengue tem chegado a algumas localidades pela primeira vez, o Ceará passa por período “inter-epidêmico”. Especialista alerta para provável aumento de infecções após anos “mais calmos”

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Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e de outras arboviroses
Legenda: Ao longo dos últimos 37 anos, desde que dengue foi registrada no Ceará, em 1986, o Estado passou por sete epidemias: em 1987, 1994, 2001, 2008, 2011, 2012 e 2015
Foto: Witsawat.S / Shutterstock

Enquanto o Brasil chegou ao fim de 2023 com o recorde de mortes por dengue pelo segundo ano consecutivo, o Ceará registrou o menor número de óbitos causados pela doença nos últimos 16 anos. Das 1.079 mortes confirmadas pela doença em todo o País, oito ocorreram no Estado — e uma segue em investigação. Esse cenário pode ser explicado pela ocorrência de um período “inter-epidêmico” no Ceará ao mesmo tempo em que a dengue chegou a locais que não haviam enfrentado problemas com a doença anteriormente.

O número de vítimas da dengue no Ceará neste ano é o menor desde 2007, quando teve início a série histórica divulgada pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) no boletim epidemiológico mais recente, publicado no início de dezembro. O Painel de Monitoramento das Arboviroses, do Ministério da Saúde (MS), que foi atualizado na última quarta-feira (27), também aponta 8 óbitos confirmados no Estado e 1 em investigação.

Os dados nacionais dizem respeito ao cenário de 2023, até o último dia 27, e ultrapassaram os registros de todo o ano de 2022, quando houve 1.053 óbitos. Até então, esse tinha sido o maior número de mortes no período de um ano completo, segundo a série histórica do Ministério da Saúde. Em seguida aparecem os anos de 2015, quando ocorreram 986 óbitos, e 2019, com 840 mortes.

DENGUE NO CEARÁ

A dengue intercala epidemias — em que um dos quatro sorotipos do vírus causador da doença (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) é predominante — com períodos de 3 a 5 anos em que ocorre menor número de casos. Quando um sorotipo que não circulava há algum tempo volta a ser introduzido na localidade, um grande número de pessoas pode ser infectado, ocasionando outro surto.

A distribuição dessas epidemias, porém, varia entre as regiões brasileiras e tudo aponta que o Ceará está em um desses períodos “inter-epidêmicos”. A explicação é de Robério Leite, professor adjunto de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e representante regional da Sociedade Brasileira de Imunizações no Estado.

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O clima e as medidas de controle de multiplicação do mosquito transmissor, o Aedes aegypti, também podem ajudar a explicar o nosso cenário recente no Ceará, segundo o professor. “Temos que estar atentos constantemente, pois sabemos que, após um período mais calmo, vão-se criando as condições para a ocorrência de uma nova grande situação epidêmica”, alerta.

O registro de infecções pelos sorotipos DENV-3 e DENV-4 em outros estados do País deve acender um alerta para o Ceará. A reintrodução de um deles pode levar a “epidemias importantes com casos graves e óbitos”, destaca a presidente da Sociedade Cearense de Infectologia e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Lisandra Serra Damasceno.

“A população está bastante suscetível por não haver contato com estes sorotipos há bastante tempo e por grande parte da população já ter tido infecção prévia para os sorotipos 1 ou 2, o que representa um fator de risco para casos graves”, explica Damasceno.

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Existem registros de casos de dengue no Ceará há quase quatro décadas, desde que o sorotipo DENV-1 foi isolado em 1986. Ao longo desses 37 anos, o Estado passou por sete epidemias: em 1987, 1994, 2001, 2008, 2011, 2012 e 2015. Desde a última ocorrência, a doença segue endêmica no Estado. Na série histórica disponível no boletim epidemiológico da Sesa, que inclui os anos de 2007 a 2023, os maiores números de mortes pela doença foram registrados em 2013 (70), 2015 (67) e 2011 (66).

O CENÁRIO DA DENGUE NO BRASIL

Robério Leite afirma que o alto número de mortes no Brasil tem sido uma tendência observada a cada década desde a reintrodução da dengue no País no início da década de 1980. “Os números de casos aumentaram muito a cada ano e, consequentemente, os casos graves e óbitos também. Ao longo desse período, foram introduzidos os quatro tipos conhecidos do vírus da dengue, o que torna a dinâmica de expansão e de controle da doença um tremendo desafio.”

Conforme explica o professor, tudo indica que a dengue se expandiu “definitivamente”, e esse fenômeno é mundial — provavelmente ligado ao aquecimento global e à adaptação do Aedes aegypti. No Brasil, ao longo dos últimos dois anos, a região Sul teve destaque no número de casos. “Algo nunca visto anteriormente. Ninguém imaginava um cenário de dengue em Santa Catarina, nem no Rio Grande do Sul”, aponta o docente. As regiões Centro-oeste e Sudeste — sobretudo Minas Gerais — também têm apresentado um grande número de casos.

Quando a dengue atinge populações sem histórico da doença, a identificação precoce dos casos pode ser dificultada e o manejo clínico pelos profissionais de saúde pode ser afetado, segundo o professor. Além disso, ele aponta que houve mudança no perfil dos óbitos, que têm ocorrido em indivíduos mais idosos e com comodidades. “(Isso) também representa, de certa forma, uma novidade quando comparado com momentos anteriores”, afirma o professor.

Lisandra Serra Damasceno também cita o relaxamento das ações para mitigar a proliferação do Aedes aegypti, o diagnóstico tardio da doença, a demora da população para buscar assistência médica e a susceptibilidade após a pandemia de Covid-19 como possíveis fatores para o alto número de mortes.

MEDIDAS PARA CONTROLAR A DENGUE

No início de dezembro, o Ministério da Saúde anunciou a destinação de R$ 256 milhões a estados e municípios para fortalecer o enfrentamento a arboviroses como dengue, zika e chikungunya. Para o Ceará, o montante é de R$ 1,2 milhão. Também foi informada a instalação da Sala Nacional de Arboviroses (SNA) para preparar o País para uma eventual alta de casos dessas doenças nos próximos meses.

“Nós estamos fazendo uma projeção de que, com a entrada do sorotipo 3 da dengue, nós tenhamos um aumento de casos significativo. Temos mais de 15 anos sem a circulação desse vírus aqui no Brasil, então (há) muitas pessoas que podem se infectar e que podem desenvolver a doença”, explicou Ethel Maciel, secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente.

Outra novidade em relação às ações de combate e prevenção da dengue foi a incorporação da vacina contra a doença, a Qdenga, ao Sistema Único de Saúde (SUS), no dia 21 de dezembro. Inicialmente, o imunizante não será utilizado em larga escala devido à capacidade restrita de fornecimento de doses pela fabricante, a japonesa Takeda Pharma. Dessa forma, a vacinação terá foco em público e regiões prioritárias.

Para Robério Leite, a incorporação da vacina ao sistema público é “extremamente relevante” para o controle da doença, uma vez que apenas a adoção de medidas de controle do mosquito não tem sido suficiente. Porém, o professor destaca que elas continuam sendo essenciais, inclusive porque o Aedes aegypti também transmite chikungunya, zika e febre amarela.

A vacina é essencial para que a população adquira imunidade antes de se infectar pelo vírus. Assim, conseguiremos reduzir substancialmente hospitalizações e mortes por Dengue. Nunca é demais insistir, será preciso que as pessoas se vacinem e que todos estejam comprometidos com uma altitude cidadã de redução dos focos do mosquito, muitas vezes dentro da nossa própria casa.
ROBÉRIO LEITE
PROFESSOR ADJUNTO DE PEDIATRIA DA UFC E REPRESENTANTE REGIONAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE IMUNIZAÇÕES NO CEARÁ

“As estratégias de enfrentamento da doença, que já são bem consolidadas em nosso Estado, precisam sempre estar presentes, principalmente em períodos mais chuvosos”, reforça a presidente da Sociedade Cearense de Infectologia.

Para eliminar os criadouros do mosquito, o Ministério da Saúde indica:

  • Manter a caixa d’água fechada
  • Receber bem os agentes e saúde e de endemias
  • Amarrar bem os sacos de lixo
  • Colocar areia nos vasos de planta
  • Guardar pneus em locais cobertos
  • Limpar as calhas de casa
  • Não acumular sucata e entulho
  • Esvaziar garrafas PET, potes e vasos

SINTOMAS DA DENGUE E SINAIS DE ALARME

Segundo o Ministério da Saúde, os principais sintomas da dengue são: febre alta (acima de 38°C), dor no corpo e nas articulações, dor atrás dos olhos, mal-estar, falta de apetite, dor de cabeça e manchas vermelhas no corpo.

A infecção por dengue pode ocorrer sem sintomas ou pode se manifestar em quadro leve, sinais de alarme e de gravidade. Normalmente, o primeiro sintoma é a febre alta (acima de 38°C) com início abrupto, com duração de 2 a 7 dias, acompanhada de dor de cabeça, dores no corpo e nas articulações. Além disso, há sensação de fraqueza, prostração, dor atrás dos olhos e manchas vermelhas na pele. Também podem ocorrer erupções e coceira na pele.

Ainda conforme o Ministério, os sinais de alarme sinalizam o extravasamento de plasma e/ou hemorragias que podem levar o paciente a choque grave e óbito. A forma grave da dengue inclui dor abdominal intensa e contínua, náuseas, vômitos persistentes e sangramento de mucosas. Quando estão presentes, os sinais de alarme ocorrem entre o 3° e o 7° dia do início de sintomas, quando começa a fase crítica da doença.

Gestantes, crianças e idosos têm mais riscos de desenvolver complicações pela dengue. Os riscos aumentam quando o indivíduo tem alguma doença crônica, como asma brônquica, diabetes mellitus, anemia falciforme, hipertensão, além de infecções prévias por outros sorotipos do vírus que causa a doença.

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