Aliado na 'cura' do corpo e mente, saiba como o mar pode ajudar na saúde mental da população

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, especialistas analisam como as vivências no litoral podem contribuir para o aumento da qualidade de vida

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(Atualizado às 08:02)
Pessoas sentadas em cadeira de praia, na areia, vendo o mar. Ao fundo, vários outros banhistas e atletas de kite surf.
Legenda: O ambiente do litoral desperta uma série de percepções sensoriais capazes de tranquilizar
Foto: Thiago Gadelha

Olhar para a imensidão azul, sentir os pés na areia e o vento no rosto… Entrar no mar tem benefícios diretos para a saúde mental com a redução dos hormônios do estresse e a criação de vínculos sociais. No Ceará, as possibilidades de experienciar essa vivência se estendem por 573 km da água salgada em constante movimento.

Neste 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, o Diário do Nordeste apresenta alguns dos benefícios mentais do litoral. A data foi criada em 1992 pela Federação Mundial da Saúde Mental para sensibilizar organizações, governos e indivíduos para o cuidado com esse aspecto da vida.

A relação com o mar, quem diria, é formada ainda antes de conhecermos o mundo, como explica Alessandra Xavier, doutora em Psicologia Clínica e colunista do Diário do Nordeste.

“O contato do corpo com a água remonta a relações muito primitivas de conforto e calma, como quando estamos envoltos em líquido amniótico no ventre da mãe”, detalha. Por isso, o potencial de acalmar.

Os especialistas ouvidos pela reportagem apontam que os benefícios do contato com o mar são:

  • Relaxamento
  • Diminuição de estresse
  • Redução da ansiedade
  • Alívio de sintomas depressivos
  • Pausa para pensar
  • Ritmo mais lento
  • Atenção às percepções sensoriais

Entrar no ambiente do litoral, então, também desperta uma série de percepções sensoriais capazes de tranquilizar. A textura da areia, a cor azul do mar e do céu e o som das ondas criam um cenário de paz.

O psicólogo clínico e coordenador do curso de Psicologia da Estácio, Vicente Melo, considera esse contexto como uma das explicações para a melhora do bem-estar.

“O mar pode ser visto como atividade de redução de estresse. Existem estudos que apontam que ele pode reduzir sintomas depressivos pela cor e pelo som do mar. Ajuda a reiniciar, limpar a nossa mente e a meditar”, aponta.

Pessoa praticando natação no mar. Em primeiro plano está um homem nadando e ao fundo aparece parte dos prédios da orla de Fortaleza
Legenda: Perto do mar é possível se reconectar com o sensorial e o intelectual de forma integrada, avalia a doutora em Psicologia Clínica Alessandra Xavier
Foto: Natinho Rodrigues

“Perto do mar, é possível se reconectar com o sensorial e o intelectual de forma integrada, experimentar a terra, a água, as cores do céu, exercitar-se, testar as fronteiras do corpo no embate com as ondas e perceber as fronteiras de si”, acrescenta a Alessandra.

Benefícios para a rotina

“Pausa”. A palavra resume o proveito de estar no mar para a arquiteta Beatriz Cortez, de 26 anos, que tem compromisso com a prática de surf três vezes por semana e que viu a relação com o ambiente ser transformada nos últimos cinco anos.

“Eu vejo o mar como algo que desafia os meus limites, mas também como esse lugar acolhedor. Tem essa dubiedade interessante: é como uma mãe que faz você aprender e que também acalenta”, reflete.

O esporte veio para firmar na agenda os momentos dedicados à imersão no mar. Para Beatriz, inclusive, a conexão com esse ambiente formou muito antes.

Mulher de costas, segurando uma prancha de surf, indo em direção ao mar
Legenda: Para Beatriz Cortez, o contato com a praia logo cedo faz diferença para ter um dia mais leve e com a cabeça mais quieta
Foto: Bruno Santiago / Acervo pessoal

“Eu sei que existem outros espaços de lazer, como o Parque do Cocó, mas na água a gente fica mais desconectado do celular e eu sinto uma coisa energética, de realmente sair mais leve, de fazer a mente parar e sair um pouco da rotina”, completa.

Por colocar o surf no meu cotidiano, eu acabo indo para o mar mais vezes ao longo da semana, eu sinto o vento batendo no rosto, todo esse contexto do mar, um espaço mais silencioso.
Beatriz Cortez
Arquiteta e praticante de surf

Entre os resultados positivos, a arquiteta considera que o contato com a praia logo cedo faz diferença para ter um dia mais leve e com cabeça mais quieta. O corpo tem mais energia. “É olhar para os mesmos problemas com a mente tranquila”, completa.

Essa rotina coincide com o início do acompanhamento psicológico para a jovem – algo indispensável. “Foi com minha psicóloga que eu comecei a entender que essa questão terapêutica me fazia bem e as consequências de não se priorizar. Uma coisa complementa a outra”, conclui.

Mulher surfando
Legenda: Beatriz Cortez a pratica surf três vezes por semana e viu a relação com o mar ser transformada nos últimos cinco anos
Foto: Bruno Santiago / Acervo pessoal

O psicólogo Vicente Melo frisa a necessidade desse acompanhamento, que não deve acontecer apenas em momentos de medo extremo, sofrimento ou baixa autoestima. Afinal, terapia é “potencializador da vida saudável”, como define.

“Se tivermos esse encontro da semana um momento para refletir sobre as demandas, vai auxiliar nesse processo de bem-estar, também vai ser uma possibilidade de entender o que é bacana para si”, completa.

Além disso, há o aspecto dos encontros. “A pandemia nos afastou muito, mas hoje estamos nos aproximando das pessoas nos esportes, por exemplo, é muito positivo.”

Cura do corpo e da mente

José Maria Lopes, de 65 anos, está há dois anos na Casa de Cuidados do Ceará, em Fortaleza, em cuidados paliativos por causa do câncer de próstata. O período árduo deságua em parte no mar. “Faz bem demais, tira toda tristeza, anima o dia”, resume.

O paciente foi atendido pela iniciativa “Da Casa ao Mar” que leva paciente em longo tempo de internação para a Praia de Iracema para uma experiência fora do ambiente hospitalar.

As atividades começaram em 2022, em parceria com o projeto Praia Acessível, a partir do trabalho de psicólogos, enfermeiros, fisioterapeuta, assistentes sociais, e médicos, por exemplo.

Vista aérea da faixa de areia da praia de iracema, com guarda-sois armados e uma longa faixa de tecido que permite a locomoção de pessoas em cadeira de rodas
Legenda: A iniciativa “Da Casa ao Mar”, da Casa de Cuidados do Ceará, leva pacientes em longo tempo de internação para a Praia de Iracema, para uma experiência fora do ambiente hospitalar
Foto: Divulgação / Governo do Estado

Foi assim que José Maria, vindo de Canindé, foi pela primeira vez à praia a lazer. “Nunca tive oportunidade de ir e, agora, eu já estou ansioso para ir de novo”, reflete o homem que trabalhava na construção civil antes do internamento.

Além do banho de mar em si, a exposição à luz solar estimula a produção de endorfinas, que são os “analgésicos naturais” do corpo. Com isso, há melhora do humor e da qualidade do sono, redução do estresse e da ansiedade.

Nívea Barros, terapeuta ocupacional da Casa de Cuidados, explica que o principal resultado para os pacientes é a abertura para socialização, principalmente para os pacientes com resistência ao contato com os demais.

“A gente proporciona o contato social com outros pacientes, além da equipe de bombeiros, de outros banhistas que estão lá e que compartilham o que estão passando”, detalha.

No início, a preferência era dada para os pacientes em contato com o mar e em longa internação, mas os benefícios levaram à reformulação. “Ao longo do projeto, a gente foi ajustando de acordo com a demanda, alguns nunca tinham ido para o mar e queriam conhecer. É a realização de um sonho”, conclui.

Lições do mar

Perto do mar é possível se reconectar com o sensorial e o intelectual de forma integrada, como avalia Alessandra Xavier. “Experimentar a terra, a água, as cores do céu, exercitar-se, testar as fronteiras do corpo no embate com as ondas e perceber as fronteiras de si”, avalia a psicóloga. 

O ambiente tranquilo e cadenciado permite pensar nos aspectos internos e externos, quase como no ritmo da natureza.

“O mar ensina paciência, limites, observação, não adianta ser arrogante nem impor os desejos ao mar, é um exercício para a nossa vulnerabilidade, fragilidade e imensidão criativa”, considera.

A natureza oferece uma lição de simplicidade e quebra a rotina e a estética da lógica de consumo. O mar nos desafia a brincar e se sujar, a fazer esculturas com areia, a construir, destruir, a experimentar o corpo, a interagir e é um espaço democrático e acessível a todos os corpos e todas as subjetividades.
Alessandra Xavier
Doutora em Psicologia Clínica e colunista do Diário do Nordeste

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