Resultado dos desfiles de Carnaval reafirma figuras de luta celebradas na avenida

A resistência do povo negro e indígena foi reverenciada no Rio de Janeiro e também em Fortaleza ao dar luz para figuras emblemáticas esquecidas pela história e cobrar respostas sobre o caso Marielle Franco

Escrito por Roberta Souza e Rômulo Costa , verso@verdesmares.com.br
Legenda: O Nação Fortaleza subiu para o grupo principal do maracatu cearense ao atualizar a trajetória de Tereza de Benguela a partir de Marielle
Foto: FOTO: FERNANDA SIEBRA

O Canto das "Marias, Mahins, Marielles, malês" começa nos barracões da periferia antes de atravessar as avenidas do maracatu e do samba. Mas, muitas vezes, é somente diante dos holofotes da competição, no Ceará ou no Rio de Janeiro, que se ouve "a história que a história não conta". Quando o Nação Fortaleza, por aqui, e a Mangueira, por lá, ganharam o primeiro lugar no pódio do Carnaval, o símbolo a levantar não foi um troféu, mas sim a placa de "presente".

Os tiros desconhecidos que mataram a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes em 14 de março de 2018 ensurdeceram, mas não calaram. A voz de "mulheres, tamoios, mulatos" segue ecoando o pedido de justiça, porque a festa é política, como a vida também é. Da pista à arquibancada da Sapucaí, era um coro unificado, mesmo sem microfone, que gritava para os que queriam e os que não queriam ouvir esse recado. A bandeira com a face da ativista dos direitos humanos estampada era um reflexo dos dias em busca de resposta.

Legenda: O samba-enredo da Mangueira enalteceu mulheres negras como Marielle Franco, Luísa Mahin e Leci Brandão
Foto: FOTO: FABIANE DE PAULA

No desfile da Avenida Domingos Olímpio, mais de 50 mulheres pintaram os rostos com o negrume do maracatu e carregaram a imagem da vereadora carioca e a pergunta que até agora ainda não foi respondida: "Quem matou Marielle?".

A ideia de colocar a ativista no cortejo veio do presidente do maracatu Nação Fortaleza, Calé Alencar. O grupo, que já existe há 15 anos, tem a tradição de defender temas que reverenciam personagens negros e indígenas apagados da história. Neste ano, a escolhida foi a heroína Tereza de Benguela, que liderava o quilombo do Quariterê (MT) e morreu após soldados destruírem o lugar.

Calé atualizou a trajetória de Tereza a partir de Marielle. "Achei que a gente podia, através dessa referência de mulher, negra e guerreira, estabelecer um paralelo com outra guerreira, mulher e negra que sofreu o absurdo de não ter a morte esclarecida", divide.

Para Zuleide Queiroz, integrante do Fórum Cearense de Mulheres que organizou a ala feminina, o momento foi para demarcar um posicionamento político. "Quando assumimos esse espaço, deixamos de ser objeto de desejo no Carnaval e passamos a assumir o protagonismo da mulher", completa.

"Aquelas pessoas que estavam ali, de alguma forma, se identificam com a Marielle ou com a causa dela" - Luzia Castelo Branco

Luzia Castelo Branco, 46, participou do cortejo pela primeira vez e lembra do momento com emoção. "As pessoas foram sensibilizadas. Ouvi homens dizendo que estavam todos arrepiados com o nosso grito", diz.

O Nação Fortaleza conseguiu se conectar com a plateia, ela narra. O nome da vereadora era respondido pela arquibancada. "Aquelas pessoas que estavam ali, de alguma forma, se identificam com a Marielle ou com a causa dela", busca explicar.

A sensação é compartilhada com a experiente Débora Sá, rainha do maracatu desde a fundação do grupo. Uma das primeiras mulheres a assumir o posto de rainha no cortejo, antes ocupado somente por homens, ela descreve o momento como um "desfile de luta". "A gente conseguiu mostrar que ainda hoje nós, mulheres negras, sofremos o que os nossos antepassados viveram", afirma, comparando as trajetórias de Tereza e Marielle, ambas conectadas pelos "Brasis".