Realizadores do teatro cearense adaptam espetáculos com a linguagem audiovisual

Por conta das limitações de presença do público neste ano, realizadores experimentaram unir as duas linguagens e comentam a experiência com o Diário do Nordeste

Escrito por Felipe Gurgel , felipe.gurgel@svm.com.br
Legenda: Adaptação de um dos espetáculos cênicos da programação do último Festival TIC, para o formato audiovisual
Foto: Divulgação

Em 2020, com a pandemia do coronavírus, as artes precisaram se reinventar no espaço criado pelo adiamento do encontro presencial entre o público e os artistas. Linguagem bastante conectada ao envolvimento das plateias diante da cena, o teatro buscou no formato audiovisual um modo de recriar esse vínculo. No Ceará, algumas experiências apostaram nessa "hibridização" e, para os realizadores envolvidos, a ideia é que cada arte se expandiu com a relação e criou mais uma opção de fruição para o espectador.

Criado a partir dessa troca, o curta "Nossos Hábitos", do coletivo Cambada de Teatro (CE), é um experimento da linguagem do cinema inserindo elementos teatrais. O lançamento do filme vai acontecer no próximo domingo (27), às 18h, no canal do You Tube do Cambada de Teatro. Depois da exibição, às 18h30, Di Queiroz e Evenice Neta, integrantes do coletivo, farão uma live sobre a estreia no Instagram (@cambadadeteatro). O curta ainda será disponibilizado em podcast. 

Veja também

Em outubro passado, pela programação online do Festival de Teatro Infantil do Ceará (TIC), seis grupos cearenses de teatro adaptaram espetáculos de seus repertórios para o formato audiovisual. Durante o evento, a releitura foi exibida pelo canal do You Tube do TIC. Passaram pela adaptação as peças "As aventuras do João Sortudo" (Cia Prisma de Artes), "Para onde vão as meias quando elas desaparecem (Coletivo WE); "O senhor ventilador" (Grupo Bagaceira), "Napoleão" (Pavilhão da Magnólia), "Olha o olho menino" e "Quatro patas" (Bricoleiros).

A respeito das diferenças mais claras entre a peça e o filme (baseado no mesmo texto), o ator e diretor Di Queiroz, do coletivo Cambada, observa que "a maneira de segurar e prender a atenção do público é diferente. No teatro estamos nos relacionando ao vivo, cara a cara, e, no cinema essa relação é mediada por uma imagem gravada e editada previamente", resume ele.

Para o ator Rogério Mesquita, do Grupo Bagaceira, por conta do tempo escasso para adaptar "O senhor ventilador", ele teve de escolher o que julgava "essencial" na trama, dispensando alguns elementos que fazem a diferença no original. "Gostei bastante da experiência, mas claro que se tivéssemos um planejamento maior, o resultado final teria sido mais apurado. Tivemos também uma equipe técnica fornecida pelo festival bastante aberta às nossas ideias. Então a gravação, que foi feita em um dia, fluiu muito bem", conta. 

Legenda: "Sr Ventilador", da Bagaceira, foi um dos 6 espetáculos adaptados para o TIC
Foto: Diego Souza

O produtor audiovisual César Teixeira, que atuou na adaptação de 4, das 6 peças do TIC, acrescenta que o principal desafio do arranjo está na diferença das linguagens. "São questões de enquadramento, dinâmica e movimento. Não queríamos filmar uma peça. A nossa ideia era trazer a magia do espetáculo para a tela, com a perspectiva de não perder a essência", sugere. 

Futuro

Segundo Di Queiroz, o caráter experimental da hibridização foi estimulante e, no momento, o coletivo Cambada já pensa em novas produções, para 2021, nessa direção. "A intenção do grupo foi explorar elementos, símbolos, corpos dos atores e planos de gravação em uma imersão que flertasse o cinema e o teatro. Entendemos que o set de gravação foi um grande estudo, uma "sala de ensaio" para entender esses novos formatos que estão nascendo", vislumbra o ator.

Legenda: Trecho do curta "Nossos Hábitos"
Foto: Tim Oliveira

Se o formato vai vingar mesmo depois que o teatro possa "acontecer" junto ao público presencial, os realizadores sinalizam que a hibridização tende a se firmar, sem substituir os modos mais convencionais do fazer teatral ou de se produzir cinema. 

"Os artistas criaram várias possibilidades para resistir e se expressar. Algumas já saturaram, mas como estamos numa incerteza de quando vamos poder ter presencial com segurança, temos que buscar outras possibilidades de formar plateia. Se isso vai continuar, vai depender da formação desse público", reflete Rogério Mesquita. 

César Teixeira ainda identifica que a continuidade do formato tem relação com o hábito - estimulado durante a pandemia - das pessoas consumirem conteúdos artísticos por meio das telas de celulares e outros meios digitais. "Então, creio que mesmo quando tivermos a vacina (no Brasil), uma parte do público vai continuar (em casa) fazendo seus horários e sessões de cinema, teatro, música...", avalia o produtor.

 

Assuntos Relacionados