Qual a sua “personalidade” para este ano? Psicólogos apontam caminhos além dos ofertados na internet

Especialistas incentivam busca por interesses pessoais em detrimento de modelos de consumo das redes sociais

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br

Se você ainda não decidiu qual será sua “personalidade em 2022”, talvez seja uma das poucas pessoas que ainda não se entregou a essa brincadeira na internet. Há quem já tenha anunciado um novo perfil fitness, concurseiro, viajante, misterioso, entre outras características que se confundem até com metas ou objetivos de consumo para o ano que ainda está fresquinho. Então, do que será mesmo que estamos falando?

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Para tentar responder a essa pergunta, o psicólogo analista do comportamento Francisco Ilo explica que personalidade é um nome que damos para a forma como nos comportamos cotidianamente, ou seja, os nossos padrões.

“É uma ação, logo, não estamos engessados, podemos agir de formas diferentes nos diversos contextos. Para ilustrar, você pode lembrar de alguém que apesar de ser mais ‘introvertida(o)’, em determinadas situações, age de maneira mais expansiva (fala e ri alto, puxa conversa, inicia brincadeiras etc.)”, exemplifica.
Francisco Ilo
Psicólogo

No entanto, diferente do que se pode pensar, Ilo explica que essa mudança não é como pegar uma roupa em uma loja de departamento e levar para casa. 

“Agimos de certa maneira em certas situações porque foram as formas adequadas de agir ensinadas pela família, a sociedade e, em certo momento, assumidas por nós. Geralmente, mudamos essas formas quando percebemos que elas nos causam sofrimento ou que não nos trazem os objetivos esperados”, enfatiza, reforçando ser esse processo um dos grandes propósitos da psicoterapia. 

A psicóloga Mariana Rangel Parente, com formação em Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), complementa esse raciocínio afirmando que, assim como o personagem é parte da obra, a personalidade não é algo produzido isoladamente pelo próprio sujeito, e por isso não depende exclusivamente da sua vontade ou determinação. 

“De forma bem resumida, a personalidade é esse funcionamento particular da pessoa, que está continuamente em estado de construção, a partir das experiências dela em relação com o mundo”, sintetiza.
Mariana Rangel Parente
Psicóloga

Estilo de vida

A partir destes conceitos, Francisco Ilo acredita que pode sim haver, nas redes sociais, uma confusão entre as ideias de personalidade e metas de novos hábitos para o ano que se inicia, mas, para o profissional, há algo que justifica a associação.

“Hoje em dia, ser fitness, por exemplo, não diz somente respeito à prática de atividade física regular e a uma alimentação adequada, de maneira alguma. Fit é um estilo de vida vendido em roupas, acessórios, alimentação, lugares para frequentar, linguajar para usar, tipos de piadas a contar. Estamos falando mais de uma comunidade com todos os seus maneirismos do que de um simples hábito”, expõe.

Para pensar essa relação entre personalidade e estilo de vida, porém, a psicóloga Mariana Parente estabelece ser necessário entender o estilo de vida como um projeto pessoal, que se caracteriza por um conjunto de práticas, norteadas por objetivos predeterminados, motivados para atingir um ideal de si.

“Precisamos partir do princípio de que as atividades humanas são dotadas de intencionalidades, porém essa intenção, esse motivo, nem sempre é consciente ou está em conformidade com as necessidades internas da pessoa e com sua realidade. Então, a pergunta a se fazer é: esse projeto/estilo de vida está em coerência com as motivações, sentimentos, sentidos, opções, particulares, ou ele se direciona para satisfação de exigências externas?”, provoca.
Mariana Rangel Parente
Psicóloga

Recortar-se para caber dentro da caixinha da “felicidade”, da “carreira brilhante”, do “corpo bonito”, do “casamento perfeito”, segundo a psicóloga, torna a vida uma corrida rumo à versão perfeita, marcada por cansaço, sofrimento e frustração quando não alcançada. 

Exposição virtual

Aqui cabe mais uma reflexão apontada pela psicóloga, sobre as redes sociais como vitrine do sucesso. Afinal, são poucos os que compartilham medos, inseguranças, dores e deslizes naquele ambiente.

“Então tendemos a acreditar que eles não existem, pois as pessoas estão sempre sorrindo, comendo coisas gostosas e lindas, viajando, tendo ‘foco, fé e força’, com o corpo perfeito, com a profissão dos sonhos, e assim temos diariamente centenas de modelos de sucesso para nos comparar e acreditar que o problema é pessoal”, detalha.

Segundo observa Francisco Ilo, se estar conectado significa encontro, contato, amigos ou partilha, as pessoas tendem a se engajar mais. Agora, se significa constrangimento ou medo de julgamento, dificilmente alguém se expõe tranquilamente.

Sendo assim, os psicólogos defendem o aprimoramento dessas ferramentas a fim de evitar uma sociedade adoecida, desprovida de sentidos. “Acontece que, infelizmente, tanto as receitas quanto o próprio adoecimento são lucrativos, então esse movimento não vai acontecer de forma espontânea e tampouco partir de quem se beneficia da atual lógica de funcionamento da sociedade”, Mariana faz a ressalva.

A profissional entende que a autossuficiência é um dos produtos mais danosos do mercado das ilusões e que precisamos fazer o possível, não além, não sempre mais, como estamos acostumados a ouvir.

“Não somos produtos! Somos dor, amor, preocupação, medo, alegria, plenitude, cansaço, tristeza, calmaria, união, saudades. Precisamos respeitar mais a complexidade dos nossos sentimentos, ouvir nossos cansaços, estabelecer nossos próprios parâmetros e limites. Pedir ajuda. Respirar. Somos seres socialmente pulsantes, que precisam se criar e se reconhecer com o outro. Somos espelhos de céus e abismos. Refletimos a luz e a sombra do olho. Precisamos nos sentir mais parte desse coletivo que é vivo e dinâmico”, orienta.
Mariana Rangel Parente
Psicóloga

E de volta à reflexão inicial, sobre qual personalidade adotar em 2022, no fim das contas, Francisco Ilo não considera um grande problema essa confusão de termos, mas considera útil chamar as coisas pelo nome mais adequado. 

“Vemos que algumas dessas coisas almejadas são hábitos (estudos, exercícios físicos), outras são papéis em comunidades (ser fitness), outras são valores pessoais (ser gentil, buscar prosperidade). Vivemos em um mundo extremamente volátil e conectado. Se a saúde física, algo muito valorizado hoje em dia, estivesse mais conectada ao K-Pop do que às academias, poderíamos ter mais gente dançando nas praças”, provoca.
Francisco Ilo
Psicólogo

E então, o que você está disposto a abraçar?

 
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