Projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados prevê ajuda a editoras e livrarias durante pandemia

Linhas de financiamento terão juros reduzidos e haverá flexibilização da exigência de garantias e de requisitos para análise de crédito; livreiros cearenses repercutem medida

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: O texto do projeto modifica a Lei 10.753/03, que institui a Política Nacional do Livro
Foto: Kid Júnior

Historicamente afetado no Brasil, o mercado editorial já enfrentava duros impactos antes mesmo da pandemia de Covid-19. A crise sanitária e econômica realçou essa situação, fazendo com que muitos empreendimentos do setor fechassem as portas ou acumulassem dívidas, a fim de manter o negócio funcionando.

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Uma medida aprovada pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados chega como suporte aos integrantes da cadeia produtiva do livro. De autoria da deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) e mais de 40 outros deputados da oposição, o Projeto de Lei 2604/20 prevê um auxílio ao setor por meio da abertura de linhas de crédito, por bancos e agências de fomento públicas, para empresas do ramo editorial e livreiro durante o período de pandemia. 

O objetivo é criar três tipos de linhas de crédito: uma específica para o setor editorial; outra para pequenas e médias livrarias e sebos, no limite de R$ 1 milhão, voltada para a compra de estoque de livros; e a terceira para informatizar inventário e elaborar estrutura de e-commerce, até o limite de R$ 100 mil.

O texto do projeto modifica a Lei 10.753/03, que institui a Política Nacional do Livro. Além dos pontos mencionados, a ação prevê que as editoras garantam aos escritores o direito autoral estabelecido em contrato sobre a capa dos livros comercializados ou produzidos durante a pandemia.

Legenda: Uma das emendas do projeto de lei visa a redução no valor das tarifas postais para a distribuição de livros em pequena e larga escala
Foto: Fernanda Siebra

Igualmente estabelece que, durante o cenário pandêmico, mediante a escuta das administrações estaduais e municipais, sejam criados pelo governo programas para a manutenção e ampliação do número de livrarias, sebos e pontos de venda no País. As medidas efetivadas assegurarão a redução do custo fixo desses pontos.

Emendas aprovadas

A primeira emenda aprovada pela comissão visa aumentar por 12 meses as ações previstas, e autoriza que as medidas emergenciais propostas possam beneficiar as editoras e livreiros de forma permanente, para além do momento de crise sanitária. As condições valerão mesmo para empresas inadimplentes.

Por sua vez, a segunda emenda visa a redução no valor das tarifas postais para a distribuição de livros em pequena e larga escala – favorecendo principalmente as pequenas editoras e livreiros independentes. Esse valor será equivalente à tarifa para carta normal de até 20 gramas, no limite de 100 pacotes por mês.

Legenda: O projeto de lei ainda deverá passar por análise em caráter conclusivo por algumas comissões
Foto: Helosa Araujo

O projeto de lei ainda deverá passar por análise em caráter conclusivo pelas comissões de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Importância do recurso

Gestor da Livraria Lamarca, em Fortaleza, Guarany Oliveira confessa estar atento às notícias referentes ao assunto, contudo sem acompanhar de perto a nova proposta – haja vista todas as atividades do cotidiano e o desânimo que sente a respeito dos projetos de lei. Segundo ele, o tempo da política não é o mesmo da economia. “E, como não é de interesse do presidente, então as políticas públicas têm chegado com ainda mais atraso”, diz.

Para ilustrar a questão, ele cita o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), cujo auxílio, conforme conta, não começou ainda a ser concedido. “Além de ele ser incipiente, tomando como exemplo o ano passado, em que o recurso acabou com poucos dias de aplicação”, sublinha. “Então, acho que será ainda um longo caminho até chegarmos no momento de acessar esse crédito; até lá, muitas livrarias e editoras fecharão suas portas”.

Guarany também afirma que não tem empregado esforços na busca por ajuda financeira dos bancos. No lugar disso, está tentando otimizar as vendas presenciais da livraria, ampliando os horários de atendimento da loja – conforme as orientações dos decretos estaduais e municipais – e tornando o atendimento mais eficiente.

Ao avaliar o projeto de lei em questão, ele destaca que um recurso voltado para o mercado editorial, diante de toda a crise no ramo, é importante. “Na verdade, é essencial que o Estado garanta a sobrevivência do setor da economia que é responsável por parte fundamental da disseminação de conhecimentos científicos e ideias disruptivas em um momento tão singular. O mercado editorial dá sustentação para a educação formal e informal, base para a cultura e o entretenimento nacional”, percebe.

E complementa: “Isso considerando especialmente a pequena livraria de bairro, que assume um posto na linha de frente do mercado. É quem chama o leitor para ver as novidades, quem apresenta as editoras, diversifica os gêneros e estilos das pessoas. Torna-se lugar de afeto e contribui para que surjam novas gerações de leitores. Além disso, a livraria é a única que pode fazer frente ao império dos algoritmos”.

Diante desses motivos, Guarany acredita que é fundamental que o governo se empenhe na garantia da sobrevivência das livrarias e do mercado editorial como um todo. “Mas essa lei precisa chegar rápido, ‘obrigando’ os bancos a conceder empréstimos para as empresas do mercado e flexibilizando, de fato, as garantias e exigências, como a negativação, uma vez que os bancos não têm interesse em emprestar para pequenas empresas cheias de dívidas como as nossas”, situa. 

Legenda: Proprietário da Livraria Lamarca Diante acredita que é fundamental que o governo se empenhe na garantia da sobrevivência das livrarias e do mercado editorial como um todo
Foto: Fernanda Siebra

Impactos

No que concerne à própria sobrevivência da Livraria Lamarca durante a pandemia, o livreiro explica que o negócio tem sofrido muito com os períodos de restrição de circulação de pessoas na cidade. Durante esse tempo de limitações, eles acumularam uma dívida muito grande, uma vez que a estrutura da loja e é toda voltada para o atendimento presencial. “Reinventá-la”, conforme Guarany, é caro e leva tempo.

“Durante a segunda onda tivemos um movimento ainda menor do que na primeira. A maioria dos clientes perdeu renda ou estava inseguro demais para consumir como antes. O problema é que estamos desamparados pelas políticas públicas”, avalia.

“Não conseguimos acessar o Pronampe no ano passado quando estávamos com o nome limpo, e acredito que será mais difícil ainda acessar neste ano, já que não conseguimos evitar a negativação. A Lei Aldir Blanc nos repassou um valor em parcela única que é a metade do nosso curto mensal – não estou criticando a lei, ela teve seu valor para nós e foi fundamental para o setor da cultura em geral. Apesar de tudo, conseguimos nos reerguer no ano passado e acredito que vamos conseguir nesse ano também”, torce.
Guarany Oliveira
Proprietário da Livraria Lamarca

Quanto à avaliação que faz do segmento de e-commerce – uma das pautas levantadas pelo projeto de lei – o livreiro é direto: o ambiente virtual é completamente injusto com o pequeno negócio do livro. Em sua análise, estes empreendimentos disputam, “a pé de igualdade”, com gigantes do varejo, a exemplo da Amazon, dona de uma política que possui ganho de escala para vender mais barato do que o valor de compra pelas editoras, estas fornecedoras das pequenas livrarias.

“Como é que a livraria, que tem uma margem pequena sobre os livros e uma escala de faturamento reduzida, vai competir com o seu fornecedor, que tem o dobro da sua margem e com uma multinacional trilionária? Além disso, colocar um site no ar é caro. Envolve custos de atendimento, de materiais e de logística que só com um volume de faturamento muito grande uma empresa tem como sustentar. Por isso decidimos não criar um site e atender exclusivamente por WhatsApp e Instagram”, detalha.

Concorrência desleal

Semelhante opinião é alimentada por Vladimir Guedes, proprietário da Livraria Arte & Ciência, também sediada em Fortaleza. O livreiro descreve como desleal a concorrência entre as livrarias físicas e o comércio virtual. “Isso porque o e-commerce oferece, de um modo geral, descontos inviáveis. Eles colocam os livros a preços muito baixos, muitas vezes, e aí, obviamente, a maioria das pessoas vai correr onde esse preço estiver menor”, dimensiona.

“Na realidade, é um problema que se criou, um problema muito sério, porque instituições como a Amazon praticam uma política predatória, de minar o mercado. Isso é muito perigoso. As próprias editoras têm que tomar muito cuidado porque elas podem ficar talvez apenas nas mãos da Amazon, que é quem vende mais livros no Brasil hoje. E esse dinheiro vai todo para fora. É uma empresa internacional que, de fato, traz quais benefícios pra gente? O próprio país tem que tomar cuidado com isso, e existem mecanismos de defesa do mercado interno, mas que, infelizmente, a nação não olha pra isso”, complementa.
Vladimir Guedes
Proprietário da Livraria Arte & Ciência

Desta feita, Vladimir diz que faz o que pode para atender aos clientes da melhor forma possível, garantindo a permanência do negócio. Nessa seara, o setor de livros usados é o mais requisitado pelo público leitor, presente tanto na loja física quanto na Estante Virtual. “É um trabalho de formiguinha. Muitas pessoas, inclusive, querem ter essa interação livraria-leitor, algo que é insubstituível. Nenhum e-commerce vai substituir essa relação. Acho que isso vai mantendo o que a gente tem, a construção da nossa pequena livraria”, percebe.

Situando as inúmeras dificuldades pelas quais passa o negócio durante a pandemia – com expressiva queda no número de vendas e adoção de medidas para conter os prejuízos – o livreiro espera que o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados para amparo do mercado editorial seja, de fato, posto em prática, contemplando toda a cadeia do livro.

“Confesso que ainda tenho que me debruçar melhor sobre o texto do projeto de lei. Mas, obviamente, qualquer coisa que venha para ajudar o setor é bem-vinda”, comemora. “Espero que os recursos e as propostas sejam realmente bem distribuídos. Porque, muitas vezes, você não consegue ter acesso ao crédito por uma série de razões, às vezes até mesmo por questões de privilégio – as maiores redes, editoras e livrarias, por serem grandes, costumam ter um acesso muito mais facilitado ao crédito do que as pequenas e médias”.

“Mas vamos ver o que vai acontecer. O projeto de lei saiu, foi promulgado, então espero que isso realmente chegue à maior quantidade de livreiros possível, para que as livrarias possam permanecer no mercado”, conclui.

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