Palha da bananeira é matéria-prima para ilustrações de livro infantil cearense

“A Lenda do Frade de Pedra” tem trama baseada em narrativas da tradição oral do município de Itapajé

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: As 12 ilustrações que compõem a obra foram feitas a partir da palha da bananeira, entremeando diferentes linguagens artísticas no fazer manual
Foto: Ilustração de Mirian Castro

Incrustado elegantemente na paisagem, o Frade de Pedra é um dos vários monumentos geológicos da Serra de Uruburetama, no município de Itapajé, interior do Ceará. Reza a lenda que esse gigantesco rochedo é acompanhado de uma pedra menor, no formato de uma mulher, porque foi essa mesma dama quem se apaixonou pelo frade, se tornando uma formação rochosa rodeada de flores.

“É uma misteriosa pedra onde a neblina descortina sua beleza o dia inteiro no alto da montanha”, detalha o escritor Sérgio Magalhães. Juntamente à contadora de histórias Kátia Castelo Branco, parceira habitual de empreitadas literárias, ele agora traz ao público mais uma obra infantil cuja trama e reflexões contornam o lugar comum e empreendem novos olhares sobre relevantes temáticas, a exemplo de memória, folclore e tradição.

“A Lenda do Frade de Pedra” imerge no exato enredo da moça que virou pedra por querer namorar um religioso, de modo a encantar e ensinar crianças e adultos. A obra tem previsão de lançamento para 20 de julho, dia do aniversário de Itapajé, e abraça como proposta o despertar cultural para um dos contos mais curiosos em solo cearense.

Legenda: O livro “A Lenda do Frade de Pedra” mergulha no exato enredo da moça que virou pedra por querer namorar um religioso
Foto: Ilustração de Mirian Castro

Segundo Sérgio, a fábula integra o apanhado de narrativas da tradição oral da cidade onde a publicação foi gestada – um panorama construído a partir de uma deslumbrante paisagem natural. O monumento em questão, inclusive, pode ser visto pelos moradores de suas próprias casas, despertando, já ali, o amor pela atmosfera do lugar.

Para além da peculiaridade de falar sobre um aspecto tão caro da região, há outro diferencial no livro. Todas as 12 ilustrações que o compõem foram feitas a partir da palha da bananeira, num vigoroso movimento de confraternização das linguagens artísticas e do fazer manual, aspectos que saltam aos olhos no projeto.

Elaborada feitura

À frente do processo de composição das artes está Mirian Castro. A artesã de 54 anos – moradora da localidade de Guaribuçu, em Aguaí, um dos distritos de Itapajé – faz parte do Grupo de Artesãs da fibra da bananeira Amigas da Flor. Devido à pandemia de Covid-19, as mulheres não puderam estar juntas para realizar todo o serviço, que acabou sendo tocado por Mirian.

Legenda: Segundo um dos autores da obra, a fábula integra o apanhado de narrativas da tradição oral da cidade onde a publicação foi gestada
Foto: Ilustração de Mirian Castro

“O Serginho [Magalhães, um dos autores do livro] sempre foi um admirador do meu trabalho. Ele já tinha me pedido várias peças assim porque faz teatro de bonecos e, depois, me convidou para participar desse novo livro dele”, conta a artesã.

Para mim, foi uma honra. No começo até fiquei com o pé atrás, não queria fazer porque achava que não era capaz, era a minha primeira vez fazendo algo envolvendo livros e ilustrações. Mas, aí, fui encorajada pelo Serginho e por meu marido e resolvi tentar”, completa.

Legenda: As ilustrações que integram "A Lenda do Frade de Pedra"
Foto: Tulio Lima

Dotada de grande habilidade, Mirian entrega à audiência peças gráficas e artesanais de esmerado valor, resultado de dois meses de imersão na feitura de todos os desenhos. “Para fazer o trabalho, a gente pega a bananeira, põe no sol pra secar, depois tira a palha e começa o processo do artesanato. É preciso tingir toda a palha. Eu usei dois tipos de tinta porque, nesse caso específico, é necessário ter uma para pintar telas”, descreve o passo a passo.

Ela também sublinha que, mediante a novidade no ofício, precisou estudar para saber mais detalhes a respeito da dinâmica de preparo, pesquisando, por exemplo, o tipo de papel para colar as palhas.

“Espero que, com o lançamento do livro, as pessoas possam ver mais o nosso trabalho, percebendo que o artesanato é uma coisa muito boa. Não serve apenas para o lado financeiro, mas também para nos dar satisfação”, diz.

“É muito prazeroso trabalhar com a fibra da bananeira. É bom para a mente da gente, é tipo uma terapia. Eu até falo para as meninas que estão aprendendo comigo que esse é um ofício que não vai nos trazer muito dinheiro, mas, em compensação, vamos ganhar uma grande motivação. Cada palha que a gente pega e transforma em arte é muito prazeroso”, completa.

Tributo ao fazer manual

Sérgio Magalhães segue na mão dessa perspectiva ao destacar que a ideia para convidar Mirian Castro surgiu pelo desejo de reconhecimento do artesanato local.

“É uma forma de valorizar as nossas queridas artesãs, responsáveis por belíssimas obras com a fibra da bananeira. Também é uma homenagem às nossas lindas serras, que durante muito tempo levaram o sustento aos lares por meio da plantação e colheita da banana, assim como hoje ainda é feito, embora em uma escala menor”, explica.

Legenda: Sérgio Magalhães explica que a ideia para as ilustrações a partir da palha da bananeira surgiu pelo desejo de reconhecimento do artesanato local
Foto: Tulio Lima

A inovação gráfica e o fio narrativo, assim, refletem o apreço pela cultura tradicional cearense, resultado de uma narrativa ouvida desde criança por todos da cidade. Agora, ela é remodelada por pessoas descritas pelo autor como donas de “mãos de fadas”.

“Elas adoram produzir arte com a fibra da bananeira. É, portanto, uma generosa tarefa recriada por um grupo de senhoras que fazem sua história acontecer com a delicadeza de seu olhar afetuoso para o artesanato que transformou suas vidas. Para nós, autores do livro, é uma honra poder receber esse compartilhamento tão verdadeiro dessa arte linda. Salve as artesãs!”, brada o escritor.

Dentre as versões que a lenda do frade de pedra possui na região, ele e Kátia Castelo Branco escolheram o enredo que ouviram na Serra do Camará, contado por dona Zeneida, saudosa e conhecida dramista (mulheres de determinadas comunidades que encenam pequenos quadros dramáticos, sem estrutura fixa, para a apresentação de cantigas e danças tradicionais).

Legenda: Capa do livro, com previsão de lançamento em 20 de julho, dia do aniversário de Itapajé
Foto: Divulgação

“Ela era de um coração de anjo; infelizmente, hoje não está em nossa convivência terrena. Por isso mesmo, desejamos que as escolas, comunidades, bibliotecas e apreciadores de uma boa poesia possam desfrutar dessa lírica de nosso jardim literário, fomentado pelo livro e por todos esses aspectos e valores”, torce o autor.

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