"O sofrimento humano na obra de Portinari remete à compaixão", afirma filho do artista

João Candido Portinari participou do projeto Lives do Conhecimento, da Universidade de Fortaleza. "A Paixão segundo Portinari" foi tema do encontro virtual

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@svm.com.br
joao candido portinari na unifor
Legenda: João Candido, único filho do pintor, coordena o Projeto Portinari desde 1979
Foto: Kid Júnior

O que estaria pintando Portinari se estivesse hoje entre nós, vivendo as dores dessa pandemia? Essa foi uma das questões abordadas na tarde da última terça-feira (9), no projeto Lives do Conhecimento, da Universidade de Fortaleza, que trouxe o filho do artista, João Candido Portinari, para falar sobre aquilo que está na essência da produção do pai: a (com)paixão. Mediado pela professora Adriana Helena, gestora do Espaço Cultural Unifor, o encontro refletiu sobre a atualidade da obra e apresentou novidades a respeito da difusão desse acervo mundo afora.

Ao introduzir "A Paixão segundo Portinari", João Candido mergulhou numa relação pouco conhecida do artista com a religiosidade. Neste sentido, o filho destacou alguns trabalhos, a exemplo das duas Vias Sacras pintadas pelo pai e da série "Retirantes", cumprindo esta similar papel de demonstração de sacrifício.

"O sofrimento humano na obra de Portinari remete à compaixão, mas não no significado em português da palavra, do aspecto de pena, mas no significado em inglês, 'compassion', de sentir com o semelhante, empatia", observou João.

Tudo isso está ligado às raízes do artista, como recordou o filho, ao citar a linhagem católica da família de imigrantes italianos. Desde a avó, a religiosa dona Pelegrina, até o pai, Giovan Baptista, exemplo de bondade, pela forma como acolhia pessoas com hanseníase, não faltaram referências para seu olhar humanista sobre a sociedade.

Essas influências apontariam, nos dias de hoje, para uma produção ainda em diálogo com a denúncia de desigualdades, conforme João Candido. Militante de esquerda durante toda a trajetória, Portinari nunca abriu mão de seus valores de justiça, e isso também ficou expresso em "Guerra e Paz", trabalho atemporal, que o filho descreveu como "um ato de coragem, de sacrifício, de oferecer a própria vida em prol de um ideal".

A atualidade da obra é um fato, para João.

"Antes da pandemia já estava atual, com todo aquele problema da guerra, das violências nas cidades, dos refugiados morrendo pelo mar. Mas agora tem um significado ainda mais transcendente. Além da guerra e da paz, vai tocar no bem e no mal, na relação do homem com a natureza, com seus semelhantes, consigo mesmo, com as divindades. Isso estava se perdendo. É preciso repensar essa relação", refletiu na live promovida pela Universidade de Fortaleza.

Parceria

Durante a transmissão virtual, João Candido adiantou ainda que conseguiu autorização da Organização das Nações Unidas (ONU) para levar o quadro "Guerra e Paz" para exposições em Milão, em 2022, e China, em 2023. O desafio agora é articular patrocinadores para auxiliá-lo nessa e em outras empreitadas do Projeto Portinari, criado em 1979. "Ainda temos vontade de fazer um filme ou uma série na Netflix sobre Portinari, editar livros esgotados e outros novos, cartas que ele trocou com seus contemporâneos", expressou João.

Há mais de 40 anos, o filho dedica-se ao resgate e à disponibilização ao público da ampla obra do pai. Ano passado, aliás, em celebração a essas quatro décadas, ele lançou o livro "Poemas de Portinari", no auditório da Biblioteca da Universidade de Fortaleza.

Sobre as pinturas do artista plástico pertencentes à coleção da família Queiroz, inclusive, ele expressa profunda admiração.

"É um dos acervos mais importantes que está em mãos particulares. Obras fundamentais, como um dos autorretratos dele, o que eu mais gosto, e a Índia Carajá, que representa o mergulho mais profundo nas raízes brasileiras. Foram escolhidas, com o dedo mágico, do nosso querido Airton Queiroz".

Ao fim de uma hora de conversa, o vice-reitor de extensão da Universidade de Fortaleza, Randal Pompeu, já deixou o convite para uma próxima live, na qual João deve falar sobre a figura da mulher na obra de Candido Portinari.

Assuntos Relacionados