“Me reconectei aos meus princípios e objetivos de vida”, diz jovem solteira durante a pandemia

Na primeira reportagem da série “Amor na pandemia”, cearenses que atravessam o período de isolamento social sem uma companhia amorosa detalham os desafios e benefícios de estarem nessa condição em um intrincado momento

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A estudante de teatro Milena Vasconcelos observa que, se estivesse em uma relação durante a pandemia, teria mais uma pessoa querida na lista de impossíveis contatos
Foto: Arquivo pessoal

“Agora é imprevisível como o agora”, escreveu João Anzanello Carrascoza no livro “Caderno de um ausente” (Alfaguara, 2017). De certo modo, a sentença resume a maneira que Milena Vasconcelos está vivenciando o período de isolamento social em face da pandemia do novo coronavírus: um dia de cada vez, atravessando e sendo atravessada pelas incógnitas do tempo presente.

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Estudante de teatro, a cearense de 21 anos, no que diz respeito a relacionamentos amorosos, vivencia a quarentena solteira, o que, segundo ela, reforça o fato de olhar para o entorno com uma espécie de lente de aumento. Milena conta que, antes desta época turbulenta, gostava muito de investir em conversas e nos famosos “dates” – expressão em inglês para “encontros” – como maneira de conhecer melhor a pessoa na qual estava tentando se conectar.

“Essa rotina foi completamente alterada pela pandemia, impossibilitando que eu pudesse conhecer novos alguéns. Não investi tempo em aplicativos de namoro, não acredito que seja tão eficaz como o olho no olho”, afirma. Ao mesmo tempo, reconhece que o fato de não dividir uma companhia amorosa neste período é oportuno, especialmente no que se refere à impossibilidade de estar presencialmente com o parceiro.

“Penso que se eu estivesse em uma relação no período atual, ia ser mais uma pessoa querida a somar na lista de impossíveis contatos”, situa. “Mas, por outro lado, também seria bom ter mais um apoio e alguém que eu pudesse sentir que está ali por mim, mesmo que de longe. Confesso que minha ansiedade e, de certa forma, carência por afeto, aumentaram muito”.

Assim, não tem dúvidas de que o maior desafio de estar solteira durante a pandemia é a incerteza de como as coisas ficarão em seguida no que diz respeito às coisas do coração. “Se já era difícil encontrar um parceiro nos tempos comuns, após essa época, com certeza, vai ser ainda mais desafiador”, completa.

José Olinda Braga, Professor Doutor do Departamento de Psicologia da UFC e pós-graduado em Filosofia pela mesma instituição, explica que pessoas solteiras, feito Milena, estão tendo a oportunidade, a partir da pausa compulsória, de se avaliar no que diz respeito ao estilo de vida que levam tanto quanto aqueles que se encontram em relacionamentos amorosos.

“Tenho ouvido deles a completa e definitiva decisão quanto à permanência em sua solteirice, uma vez tendo se descoberto suficientes a si mesmos e felizes com sua presença solitária, experimentada sob o peso das restrições sanitárias”, observa.

Legenda: "Consegui observar muitos vínculos que se perderam por tão pouco", afirma Milena Vasconcelos sobre relacionamentos amorosos durante o isolamento social
Foto: Arquivo pessoal

Do mesmo modo, o estudioso menciona haver tantas outras pessoas que, ao contrário dessa perspectiva, se perceberam justamente necessitadas de estabelecer vínculos amorosos, enxergando nesses enlaces algo fundamental em suas vidas e estilo de ser. “O que é regra entre os seres humanos é a não-regra, a total imprevisibilidade de como em cada um haverá de repercutir as tragédias e momentos difíceis da existência”, complementa José Olinda.

Reavaliação

Não sem motivo, Milena Vasconcelos diz que o que está sendo melhor nestes dias de confinamento sem conexão amorosa é justamente a oportunidade de mergulhar, de maneira profunda, em si mesma.

“Tive a chance de me reconectar a todos os meus princípios e objetivos de vida, além de pensar em toda a minha trajetória até aqui, analisando alguns relacionamentos passados e percebendo o que hoje me faz e o que já não me faz bem”, analisa.

“O que não vi como satisfatório nesse processo, porém, foi a procura de pessoas que já participaram da minha vida afetiva de alguma forma e que vieram em busca de um novo relacionamento apenas por uma carência ou desejo passageiro. Por isso, acredito que a principal reflexão que podemos tirar deste momento é a do quanto existem relacionamentos muito ‘líquidos’ ainda. Consegui observar muitos vínculos que se perderam por tão pouco”.

Semelhante percepção tem o ator cearense Plínio Morais, de 24 anos. No momento residente no Rio de Janeiro, ele afirma que, se há uma questão que a pandemia suscita sobre relacionamentos amorosos, é que nada é estável. “Já compreendia a instabilidade nas relações como um curso natural da vida, antes mesmo deste período. Entendo que tudo que vivemos é uma passagem, que pode durar anos ou minutos”, dimensiona.

Legenda: O fato de estar sozinho neste instante fez Plínio rever os vínculos amorosos consigo, focando mais em aspectos do próprio viver
Foto: Arquivo pessoal

Por isso mesmo, o fato de estar sozinho neste instante fez o jovem rever os vínculos amorosos consigo, focando mais em aspectos do próprio viver – a exemplo de estudar, se alimentar de forma mais saudável, pensar na condição física e mental, reavaliar algumas questões pessoais, fazer o que gosta. Em suma, priorizar o eu. 

“Entender que existem outras relações de amor que posso experienciar de mim para mim tem sido uma oportunidade de rever quais tipos de relações cultivo, me insiro e participo, em todos os âmbitos da minha vida”, considera.

Movimentos

E quanto à ausência de festas e saídas neste período, como lidar? Afinal, é principalmente por meio dessas vias que se estabelecem as uniões amorosas. Plínio diz que, no grupo de amigos ao qual pertence, nunca foi “o namorador”, de forma que a falta desses encontros em eventos não trazem tanto impacto na rotina. 

“Saía muito pra festa com minhas amigues e sempre rolava alguma coisa com alguém, mas nunca durava mais que isso. Agora, nesse período, é sem condições. Nunca usei aplicativos. Me identifico mais com o que o momento presente pode gerar, sem muita pretensão do que pode acontecer. Mas tenho amigos que viveram coisas incríveis. Quem sabe um dia…”, especula.

“Acho que, a partir de agora, é ter consciência de como posso agir para cada uma dessas  passagens/relações (sejam as de anos ou de minutos) serem boas e prazerosas para mim e para as outras pessoas. As descobertas pessoais que tive neste momento foram boas porque, ao me entender e conhecer, consigo me perceber dentro das relações que faço parte – seja na família, amizades, namoros, trabalho, no prédio que moro, na rua que ando, na cidade que habito. Dessa forma, consigo viver essas relações de forma plena e honesta comigo e com os outros, agora no presente, mas também nas que o futuro reserva. O que é difícil é conseguir se entender dentro de uma relação infeliz e conseguir se safar dela”.

Legenda: "Entender que existem outras relações de amor que posso experienciar de mim para mim tem sido uma oportunidade de rever quais tipos de relações cultivo", sublinha Plínio Morais
Foto: Arquivo pessoal

Intimidades

Para além das questões levantadas por Milena e Plínio, há outras variáveis a considerar no que diz respeito à maneira como os solteiros estão vivenciando a quarentena. Uma pesquisa realizada pelo site de relacionamentos Inner Circle Brasil com 1005 solteiros de todo o território nacional revelou que, dos 549 que dizem estar interagindo com alguém que conheceram num aplicativo de paqueras, 10% admitiram ter encontrado com o parceiro pessoalmente, apesar das recomendações das autoridades de saúde.

Outro levantamento – este baseado no estudo Opiniões Covid-19, realizado pelas empresas Perception, Engaje! Comunicação e Brazil Panels – demonstra que os brasileiros estão fazendo menos sexo desde o início da pandemia de coronavírus no País. 36% dos entrevistados dizem ter diminuído a prática sexual durante esse período. A pesquisa, contudo,  não apurou especificamente as razões que levaram à diminuição da atividade sexual, mas uma das possíveis causas, especialmente no caso dos solteiros, é a falta de opção para sair, uma vez que os estabelecimentos comerciais foram fechados.

Sexóloga e terapeuta de casais, Mariana Oliveira explica que, para os solteiros, o sexo virtual está sendo a forma mais segura de manter a sexualidade ativa, sem o risco de contrair o novo coronavírus. “Também vale destacar que, durante o lockdown, a única forma de conhecer pessoas novas e paquerar foi por meio de aplicativos, então mesmo pessoas que não eram adeptas dessas ferramentas, se abriram para essa possibilidade”, diz.

Entre as pessoas que não estão se relacionando amorosamente neste período, Mariana também afirma que há, além das plataformas para buscar parceiros(as) e interações virtuais, maior presença da masturbação. Sob outro espectro, de acordo com a sexóloga, algumas mulheres solteiras – público que geralmente é atendido pela profissional – relataram sentimento de solidão por conta do isolamento.

“Em meio à crise, é saudável estimular diferentes estratégias de regulação emocional, relaxamento e prazer. Vejo que a masturbação e o uso de brinquedos sexuais, como vibradores, além de importantes na busca por evitar encontros presenciais e risco de contaminação, também foram/são benéficos para manutenção do bem-estar e da saúde mental dos indivíduos”, reflete.

Ainda é um momento de cautela, então é importante tomar cuidado com a variabilidade de parceiros(as), pois isso aumenta o risco de contaminação. Pensando em saúde sexual de forma mais ampliada, o uso da camisinha é sempre uma recomendação”, conclui.

 

> Nesta quarta-feira (14), confira a segunda reportagem da série "Amor na pandemia", sobre os desafios e descobertas de casais que iniciaram um namoro durante o isolamento social.

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