Livro traz receitas com ingredientes nativos da região Nordeste

Caju, cajá, jenipapo, murici e pequi são alguns dos frutos encontrados no Ceará que ajudaram a compor preparações disponíveis na publicação "Biodiversidade Brasileira: sabores e aromas"

Escrito por Roberta Souza , roberta.souza@diariodonordeste.com.br
Legenda: Risoto de pequi com carne de sol
Foto: FOTO: ROBSON MOTA

Adriana Camurça era criança quando via os vendedores de murici oferecendo o fruto nos semáforos de Fortaleza. Com o passar do tempo, porém, o sabor forte, agridoce e ligeiramente oleoso ficou mais na memória do que na mesa. "Já não encontro nem nas feiras. Só mesmo se eu for no Mercado São Sebastião", relata a nutricionista e professora do curso de gastronomia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Inquieta com o "desaparecimento" deste e demais elementos da flora nordestina, ela e outros pesquisadores cearenses participaram de uma produção nacional dedicada a fortalecer o consumo de espécies nativas: o livro "Biodiversidade Brasileira: sabores e aromas". Disponível para download gratuito no site do Ministério do Meio Ambiente, a publicação conta com 355 receitas criadas ou revisitadas por chefs, gastrônomos, cozinheiros e nutricionistas de todo o País.

O principal objetivo da pesquisa, segundo Adriana, foi desenvolver preparações tanto doces quanto salgadas, com frutos e vegetais que estimulassem o consumo e a preservação desses ingredientes. Em consequência disso, as comunidades que vivem desta produção seriam também beneficiadas.

Um capítulo inteiramente dedicado ao Nordeste brasileiro, com mais de 40 receitas feitas a partir de 12 espécies alimentícias encontradas nesta região, ajuda a apontar os caminhos por aqui.

Legenda: Batida de murici
Foto: FOTO: ROBSON MOTA

Araçá, bacuri, cajá, caju, chichá, jenipapo, mangaba, murici, pequi-branco, pitanga, umbu e umbu-cajá foram priorizados por Adriana e seus colegas da UFC: Eveline Costa, José Arimatea Bezerra, Paulo Henrique Machado, Rafael Queiroz e Robson Nascimento da Mota. Contribuíram também para o texto as docentes Aline Caetano Freire e Derlange Belizário Diniz, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), e o pesquisador Ricardo Elesbão Alves, da Embrapa Alimentos e Territórios, de Maceió (AL).

"Para cada preparação, fazíamos três repetições e contávamos com um grupo focal de análise sensorial. Repetíamos, mudávamos a receita, sempre pensando num cardápio convencional, completo, que pudesse atender ao mercado de gastronomia, como restaurantes, confeitarias; e também às políticas públicas de alimentação escolar, outro campo no qual queremos aplicar a pesquisa. A parceria com a Uece viabilizou os dados de composição nutricional das preparações", destaca Adriana.

Ceará

Dentre as espécies mais encontradas no Nordeste, há aquelas que estão em maior abundância no Ceará. Caju, cajá, jenipapo, muruci e pequi se destacam nesse cenário. "Porém o mais emblemático daqui foi o caju. Ganhamos até prêmios apresentando preparações com esse fruto", ressalta Adriana. Moqueca, paçoca, cocada e até bebida alcoólica tendo este ingrediente como base podem ser apreciados no livro.

Legenda: Envoltine de abobrinha com moqueca de caju
Foto: FOTO: ROBSON MOTA

O envoltine de abobrinha com moqueca de caju, por exemplo, que consiste em lâminas de abobrinha assadas e recheadas com a fibra do fruto temperadas, já é aproveitado até em oficinas ministradas pela professora no Instituto Primeira Infância (Iprede). "Essa moqueca lembra muito a de caranguejo, além de ser um alimento riquíssimo", compara Adriana. A fibra do pedúnculo também é aproveitada na paçoca, "um prato bem regional, muito querido por todo o Nordeste", avalia.

Legenda: Camarão no molho de cajá servido na cama de purê de batata doce
Foto: FOTO: ROBSON MOTA

Depois do caju, o cajá é outro fruto em evidência em nosso Estado. "É muito bem aceito no paladar do cearense. A gente tem a presença dele em muitos restaurantes, com o suco, mas resolvemos desenvolver outras preparações", diz a pesquisadora. É aí que se encaixa o molho agridoce deste fruto servido com o camarão empanado, ou mesmo no cheesecake, sem glúten e sem lactose.

Legenda: Cheesecake de cajá sem glúten e sem lactose
Foto: FOTO: ROBSON MOTA

O pequi, muito utilizado na culinária sertaneja, cultivado no Cariri cearense, é apresentado no livro num risoto com carne de sol, em biscoitos salgados e até em licor. "Hoje em dia, vamos sofrendo influências de outras culturas alimentares, o que acaba deixando a nossa de lado. Temos que ter esse cuidado de valorização", reforça Adriana.

Neste sentido, ela destaca também as bebidas alcoólicas. Batida de murici, caipirinha de cajá e de mangaba, daiquiri de caju e Kyr royal de jenipapo são alguns exemplos oferecidos a partir da diversidade local. "Vale ressaltar que não tem um elemento melhor que o outro. O caju e o pequi são ricos em vitaminas, gorduras saudáveis, fibras. Os de coloração mais acentuada, como a pitanga e o cajá, são ricos em polifenóis antioxidantes. Todos têm seu valor nutricional", finaliza, incentivando o consumo de todas as espécies nativas.

Livro

"Biodiversidade Brasileira: sabores e aromas". 2018, 906 páginas
Disponível para download

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