Leituras para entender (e prezar) a democracia
No mês de aniversário da Constituição Cidadã, sugerimos um apanhado de obras que analisam sistemas democráticos e o perigo da falência dos mesmos
Terceira mais duradoura das oito que o Brasil já teve - atrás apenas daquela consolidada no período imperial, em 1824, e na Primeira República, em 1891 - a Constituição de 1988 completou três décadas de existência no último dia 5. A efeméride traz à memória um detalhe importante: na contramão das outorgas anteriores, o documento foi o único dos três promulgado por Assembleia Constituinte eleita e representativa - fato que levou avanços sociais, políticos e judiciários ao documento. Não à toa, ficou conhecida como "Constituição Cidadã".
A análise da construção e falência de processos democráticos no mundo, por sinal, ocupa o epicentro das discussões propostas por uma nova safra de publicações em não-ficção no mercado editorial brasileiro. Não deixa de ser sintomático: diante de um dos mais conturbados cenários políticos da história recente do País e de acontecimentos ao redor do globo em sintonia com esses vieses, uma investigação sobre esse cenário se afirmou como pauta para estudiosos da área. O sociólogo espanhol Manuel Castells, por exemplo, traz em "Ruptura - A crise da democracia liberal" um panorama dessa época de crise de legitimidade política, buscando apontar o que está minando as possibilidades de diálogo saudável e construtivo na seara. Lançado em junho pela Zahar, desde então o livro tem servido como um dos principais guias de entendimento do tempo que vivemos, guarda-chuva que aglomera outros olhares e críticas.
Para consolidar seu raciocínio, Castells é abrangente, recorrendo a fatos como a desconfiguração partidária na França durante votação que elegeu Emmanuel Macron presidente; a conquista de Trump nas eleições americanas; e, sobretudo, o conceito de "democracia real" gestado em seio espanhol - em confronto direto à ideia de democracia liberal -, o que levou ao fim do tradicional bipartidarismo do país.
É instigante acompanhar travessia histórica sugerida pelo autor, que volta no tempo para, entre outras propostas, elucidar que o terrorismo fanático e a violação de direitos humanos - para citar apenas dois problemas - não são típicos apenas da contemporaneidade, mas obstáculos sociais antigos. O que surge proeminente no cenário atual, contudo, é a ruptura do vínculo entre governantes e governados, causa da instabilidade da representação política e consolidação do colapso da democracia representativa liberal.
Sistema em ameaça
Na esteira da obra do pensador europeu, outras duas publicações jogam luz sobre o tema. Também editado pela Zahar, "Como as democracias morrem", de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, foca no processo de chegada de Donald Trump à Casa Branca, comparando-o a outros exemplos históricos de rompimento do ideal democrático no último século. Nesse sentido, nomes como Hitler e Mussolini e a ascensão do autoritarismo nos anos 1930, passando pelas ditaduras militares na América Latina na década de 1970, dão o tom das páginas, desembocando na atual onda populista de extrema-direita na Europa. A teoria dos autores - professores da Universidade de Harvard - é que a derrocada moderna da democracia acontece de forma sutil, baseada na erosão de instituições como a Imprensa e o Judiciário.
Em cruel síntese: na contemporaneidade, a legalidade de atos fascistas vem em invólucro envernizado. Ao subtrair silenciosamente a essência do que configura a democracia - mantendo a vigilância de fazer com que nenhum procedimento seja violado - o sistema sucumbe, com farto apoio popular e legitimidade midiática.
Provocações
Semelhante provocação encontra-se em "Como a democracia chega ao fim" (Todavia, 2018), de David Runciman, que se debruça sobre a ameaça ao sistema democrático, em oposição à ideia semeada após a Segunda Guerra de que a liberdade conquistada era intocável.
Numa espécie de réquiem, o professor de política da Universidade de Cambridge escreve: "Nada dura para sempre. A democracia sempre esteve destinada a passar, em algum momento, para as páginas da história. (...) A eleição de Donald Trump é sintomática de um clima político superaquecido que parece cada vez mais instável, fraturado pela desconfiança e intolerância entre as partes, alimentado por acusações insensatas e bravatas virtuais, um diálogo de surdos que se afogam mutuamente na balbúrdia. Em muitos lugares, e não só nos Estados Unidos, a democracia começa a dar a impressão de que vem saindo dos eixos".
> Títulos ampliam o horizonte de olhares sobre o que acomete o campo político atual
Livros
Ruptura
Manuel Castells
Tradução: Joana Angélica D'Avila Melo
Zahar
2018, 152 páginas
R$ 39,90/ R$ 27,90 (e-book)
Como as democracias morrem
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
Tradução: Renato Aguiar
Zahar
2018, 272 páginas
R$ 59,90/ R$ 39,90 (e-book)
Como a democracia chega ao fim
David Runciman
Tradução: Sergio Flaksman
Todavia
2018, 272 páginas
R$ 64,90/ R$ 39,90 (e-book)