Irregular, filme “Hebe: A Estrela do Brasil” se destaca graças à Andrea Beltrão

Cinebiografia de uma das maiores artistas da televisão falha na tentativa de explorar facetas e posições políticas pouco conhecidas de Hebe pelo público

Escrito por Antônio Laudenir* , laudenir.oliveira@diariodonordeste.com.br
Legenda: Andréa disse que se dedicou a estudar cada pronúncia de cada sílaba da personagem original

Hebe Camargo (1929-2012) foi um fenômeno da comunicação nacional. Atravessou a firmes passos o rádio, música e o cinema. Participou da efetivação da TV no País e foi nas telinhas que a multiartista construiu um legado ainda insuperável. Dona do sofá mais famoso e disputado da televisão, consolidou grandes audiências e uma imagem marcante na memória afetiva de gerações. 

Um recorte desta vida prodigiosa se faz presente em “Hebe: A Estrela do Brasil”. Andrea Beltrão (Verônica) interpreta a apresentadora. Dirigido por Maurício Farias (“O Coronel e o Lobisomem”) o filme estreou nacionalmente no 47º Festival de Cinema de Gramado. Concorre com outras seis produções ao prêmio de Melhor Longa no evento realizado na Serra Gaúcha.

O roteiro é de Carolina Kotscho, também conhecida por outras cinebiografias como "Não Pare na Pista: A Melhor História de Paulo Coelho"(2014), Flores Raras (2013) e "2 Filhos de Francisco: A História de Zezé di Camargo & Luciano" (2005). Completa o elenco Marco Ricca, Danton Mello, Gabriel Braga Nunes, Caio Horowicz e Danilo Grangheia. Otávio Augusto faz uma ponta como Chacrinha e Daniel Boaventura encarna Silvio Santos.

A intimidade de figuras políticas, históricas, do esporte e estrelas do entretenimento aguça a curiosidade do público. Na última década, cinebiografias baseadas na trajetória de artistas famosos (ou nem tanto) consolidaram um filão atrativo. Em terras estrangeiras, por exemplo, explorar personalidades da música segue repercutindo premiações e boas bilheterias. Um dos últimos caso iluminou um período da vida do cantor Freddie Mercury (1946-1991). Obra irregular, rendeu a Rami Malek um Oscar de melhor ator.

Estrelas

O Brasil segue a tendência com um leque de trabalhos (e biografados) variados. Da área musical lembramos Zelito Viana, com o filme “Villa Lobos – Uma Vida de Paixão” (2000) que deu ânimo novo para o gênero. Outros títulos evidenciaram a crescente.  “Cazuza – O Tempo Não Pára” (2004) e o citado “2 Filhos de Francisco...”. Figuras da TV também marcam presença. Andrucha Waddington entregou “Chacrinha: O Velho Guerreiro” (2018). Agora, os holofotes resgatam a carismática Hebe Camargo.

Legenda: Atriz Andréa Beltrão do longa-metragem brasileiro "Hebe - A estrela do Brasil"
Foto: Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Ao sair de cena em 2012, aos 83 anos, Hebe já havia escrito relevante história no entretenimento nacional. O desafio de Farias em “Hebe: A Estrela do Brasil” é como decifrar uma mulher dona de vasta biografia. A obra opta por apresentar uma personagem já consagrada, porém tendo que lidar com mudanças radicais. 

A trama resgata situações ocorridas na década de 1980, no exato período de transição da ditadura para a democracia. Com então 60 anos, Hebe passa a controlar a própria carreira.

Buscar autonomia naquele momento significa encarar a censura do governo, machismo, preconceito e um relacionamento afetivo tóxico.

Farias e o roteiro de Carolina Kotscho optam por evidenciar traços pouco conhecidos do grande público. Devassa as motivações por detrás da artista, fugindo da imagem por vezes caricatural que tanto o programa quanto a apresentadora possuíam. Brilha ao defender a participação em seu show de artistas LGBT.

A Hebe de Beltrão compra briga com diretores da TV e políticos. Choca o conservadorismo ao levar ao programa um especialista para falar sobre AZT, medicação pioneira no tratamento da AIDS pouco conhecida na época.

Situações jogadas sem cuidado

Ter tais elementos narrativos em mãos colabora ainda mais para o jogo cênico da atriz. Beltrão desenvolve uma personagem poderosa. Harmônica, a interpretação reproduz trejeitos conhecidos de Hebe sem cair no pastiche. Seja nos momentos cômicos ou mais complicados da trama, estamos diante da famosa apresentadora. 

Legenda: Gravação do filme

Entretanto, as situações enfrentadas pela protagonista vão sendo jogadas no filme sem um melhor cuidado. Cada arco é explorado e esquecido na mesma velocidade e isso atrapalha, ou eclipsa a experiência de assimilar as motivações da biografada. Essa Hebe do embate, da luta, entra e sai das situações dramáticas e desconhecemos qualquer traço de evolução na personalidade.

É tudo muito episódico e preguiçosamente amarrado. Outra escolha cansativa do diretor é filmar os personagens de costas, uma perspectiva que ao invés de aproximar só repele.

A reconstrução dos cenários faz juz ao mundo de glamour que a estrela da TV adorava. Peças pessoais de Hebe estão no filme, os cenários são uma verdadeira viagem no tempo e outra diversão do longa é identificar outras celebridades daquele momento.

Caso de Roberta Close (vivida pela atriz e produtora de moda Renata Bastos) e Roberto Carlos (Felipe Rocha). Muito pouco para o propósito de homenagear e tirar o rótulo de fútil que Hebe por vezes teve que sofrer.

Boas cinebiografias permitem a proximidade com outras facetas das celebridades que gostamos. Nos dá outras leituras e facilita a compreensão das escolhas ou da arte produzida por estas pessoas. Andrea Beltrão é um acerto como Hebe.

Infelizmente, o filme de Maurício Farias até nos leva ao universo íntimo dessa estrela. Porém, não deixa o espectador sentar de verdade no famoso sofá de Hebe.

*O repórter viajou a convite do Festival de Cinema de Gramado

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