Gestores e representantes da classe artística cearense avaliam gestão de Regina Duarte

A pasta federal já passou por quatro secretários no governo Bolsonaro e segue acumulando desafios frente à pandemia do novo coronavírus

Escrito por Redação ,
Legenda: Regina Duarte deixou a Secretaria Especial de Cultura 78 dias após assumir o comando da pasta federal
Foto: Foto: AFP

"E ela entrou?". É com esse questionamento que o secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba, reagiu diante da saída de Regina Duarte da Secretaria Especial da Cultura, nesta quarta-feira (20). O desligamento da atriz - comunicado pelo presidente Jair Bolsonaro por meio de publicação em uma rede social - repercutiu entre representantes da classe artística de todo o País, incluindo cearenses.

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Em entrevista ao Verso, Piúba afirmou que, como não existe mais um Ministério da Cultura, não há uma Secretaria Especial do setor, chamando a atenção para o fato de que a cultura virou um "não-lugar nesse Governo". "Ou melhor, virou um mero campo de guerra ideológica onde a cultura e as artes são as reais inimigas. Percebe o absurdo? Por isso que acho que a Regina sequer chegou a entrar. Foi uma não-passagem a um não-lugar. E o que é mais grave, penso que Roberto Alvim saiu, mas Joseph Goebbels continua lá dentro", frisou o titular da pasta estadual, recordando a saída do secretário anterior.

O gestor também contou que, vez por outra, fica pensando numa fala que o cantor e compositor Chico Buarque fez no início do ano passado, quando disse que "em um Governo como este é melhor mesmo não ter um Ministério da Cultura".

"Por outro lado, penso na institucionalidade da política cultural. Do lugar e do papel dessa política no desenvolvimento da nação. Aí percebo a necessidade que se tenha ao menos uma secretaria de cultura na estrutura do Governo Federal. Uma instância que possa, de maneira articulada com os estados, municípios e com a sociedade, tocar um conjunto de projetos em prol da cultura brasileira, considerando toda sua riqueza e diversidade", reforça.

Na visão de Piúba, há também que volver maior atenção à Fundação Nacional de Artes (Funarte), que deveria ter um programa de fomento para as artes, compreendendo a liberdade de expressão artística e multiplicidade de manifestações.

"Além disso, a Ancine tem que executar os recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, que gera uma cadeia gigantesca de emprego e renda e movimenta a economia brasileira mais do que a indústria automobilística; e a Fundação Palmares precisa se focar na missão da lei que a criou e promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira, e não o contrário, como vem fazendo. Por isso que a gente diz: Viva Zumbi dos Palmares!", considera.

Plano

Ainda conforme o Secretário, o Fundo Nacional de Cultura dispõe de R$ 890 milhões, sem contar com o superávit de R$ 350 milhões acumulado e não executado em 2019. Não à toa, sob a ótica dele, é necessário um plano programático de ações para execução desses recursos.

Espero que quem for assumir a Secretaria Especial de Cultura compreenda, pelo menos, a relevância da aprovação do Projeto de Lei nº 1.075, que dispõe sobre ações emergenciais de proteção social aos trabalhadores das artes e da cultura e o auxílio aos espaços culturais independentes, destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública no contexto do coronavírus. Esse projeto, mais do que emergencial, é também estratégico para a política cultural neste momento", percebe.

A preocupação com tais pontos também ecoa na perspectiva de Gilvan Paiva, secretário da Cultura de Fortaleza. Ele afirma ter encarado sem surpresa o anúncio do desligamento de Regina Duarte da pasta. "Ela não chegou a apresentar uma proposta ao País, aos setores culturais e aos fazedores de cultura acerca de qual era a sua política nacional para essa área tão importante e, agora, tão atingida pela pandemia".

Gilvan destaca o papel importante e estratégico da área na formação e desenvolvimento do Brasil, algo que não foi levado em consideração pela atriz na condução da Secretaria.

Esse foi um período de muita instabilidade, de muita ausência da secretária mesmo em momentos fundamentais, que era reconhecer artistas nacionais vítimas da Covid-19, por exemplo. Ela não existiu nesse período, por isso não encaramos com tanta surpresa a saída. A gente via que ela não estava à altura dos desafios de ter uma política nacional de cultura".

Balanço

Da parte de representantes da classe artística cearense, a perspectiva é semelhante. O cineasta, roteirista, documentarista, produtor, poeta e escritor Rosemberg Cariry, ao refletir sobre a passagem de Regina pela Secretaria, sublinhou: "Não teve nada significativo, nem mesmo o apoio aos artistas durante a pandemia, aquele apoio social. Nada foi feito de importante. Na verdade, desse governo, o que é que pode vir de importante, né?".

Andréa Vasconcelos, socióloga, produtora cultural, membro do Fórum de Produtores Culturais e integrante da gestão do Conselho Estadual de Políticas Culturais do Ceará pelo segmento Circo, juntamente a Círio Brasil, concorda. Ela rememora a vez que Duarte explicou sobre como seria dado o apoio ao setor artístico por parte do Governo.

Ela falou do recurso emergencial que a Caixa Econômica já está dando, nada específico para o setor. O segmento de circos, por meio das suas instituições brasileiras, encaminhou várias solicitações para que ela pudesse apoiar", situa.

Andréa contabiliza que, no País, atualmente há mais de 500 circos parados - 47 apenas no Ceará - o que totaliza mais de 10 mil artistas sem estar realizando nenhuma atividade profissional. "Tivemos a triste notícia da saída do Marcos Teixeira, um grande profissional que esteve em várias frentes de luta por políticas públicas para o segmento. Ele era coordenador de circo da Funarte. Neste momento, temos, então, uma Funarte esvaziada, sem políticas representativas e diálogo nenhum com essa secretaria".

Ações futuras

Mas as apreensões com a atuação de Regina Duarte não se encerraram ontem. Ao lamentar que a passagem dela foi "uma perda de tempo lastimável e assustadora", o Secretário da Cultura do Ceará, Fabiano Piúba, ainda evoca uma problemática, dada a nova função da atriz no Governo, assumindo a Cinemateca Brasileira, em São Paulo. "Agora estou muito preocupado com a Cinemateca Brasileira".

Um abaixo-assinado em favor da instituição já estava circulando desde o 15 de maio entre pesquisadores e profissionais do audiovisual, igualmente preocupados com a "situação limite" que a instituição enfrenta. O documento denuncia o fato de, em meados de maio, o órgão ainda não ter recebido nenhuma parcela do orçamento anual, cujo montante é da ordem de R$ 12 milhões.

"Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves. Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação todo o acervo se deteriorará de modo irreversível", afirma o abaixo-assinado, no qual se destacam nomes como Lygia Fagundes Telles e Walter Salles.

A Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) também já havia se pronunciado há uma semana sobre a situação da Cinemateca, criticando a indefinição de gestão desde dezembro de 2019, quando o governo federal rompeu o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP). "O pagamento do quadro técnico tem se dado de forma precária e, um dado gravíssimo, a manutenção dos espaços de conservação está ameaçada", apontou a nota.

Sobre este aspecto, o cineasta cearense Rosemberg Cariry não nutre nenhuma esperança de resposta com a nova gestora, Regina Duarte, inclusive pelo histórico da atriz neste pouco tempo à frente da pasta federal.

A passagem dela pela Secretaria Municipal de Cultura não significou nada, porque o que acontece com a cultura do País nesse momento é uma tragédia. Há um desmonte da cultura e das artes. Eu acredito que ela só vai piorar a situação lá”, opina.

Autor de obras importantes da filmografia brasileira, a exemplo de "Caldeirão da Santa Cruz do Deserto" (1986) e "Corisco & Dadá" (1996), Rosemberg descreve o atual contexto como "assombroso" e não faz questão de opinar sobre as ações futuras de Regina Duarte. Eu não vou dar conselho a ela, não. Na verdade, eu não queria nem estar me ocupando de falar de Regina. O que dizer de uma mulher com uma postura dessa?".

Até o fechamento da matéria, não foi anunciado substituto para a pasta.

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