Exposição "Memorial Sinhá D'Amora" reúne obras restauradas da pintora cearense

Abertura acontece nesta sexta-feira (8), às 19h, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim

Escrito por Diego Barbosa , verso@verdesmares.com.br

Traçar um panorama das Artes Plásticas no Ceará requer necessariamente imersão na obra de Fideralina Correia de Amora Maciel (1906-2002). Natural de Lavras da Mangabeira, Sinhá D'Amora - nome pelo qual a pintora ficou conhecida - se destacou no segmento por oferecer uma visão particular e revolucionária nos trabalhos que produziu, rompendo com padrões estéticos e sociais vigentes no período em que viu cada um deles ganhar força. Arte que ultrapassou os limites alencarinos, desembocando em territórios mil.

A travessia, de sempre grande destaque e renome, não sem motivo ganha relevo na fala de estudiosos, pesquisadores e apreciadores do legado deixado por ela. "Era uma desbravadora, uma pessoa que estava à frente de seu tempo, e que avaliou a capacidade de estudar, se mover e de querer se profissionalizar através do estudo. Tanto é que foi para várias escolas internacionais, sendo exemplo para as mulheres de hoje ao dizer: "Eu posso, eu quero fazer'", afirma o restaurador Antônio Vieira.

Foi ele um dos principais incentivadores para que a exposição "Memorial Sinhá D'Amora" viesse à tona, ampliando e estendendo o alcance já celebrado das obras da artista. A mostra, de longa duração, tem abertura nesta sexta-feira (8), às 19h, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim, reapresentando ao público o acervo da cearense, doado pela própria ainda em vida à Prefeitura de Fortaleza e cujas peças estavam guardadas desde setembro de 2013, quando o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB) passou a ocupar o Centro de Referência do Professor (CRP), na Rua Conde D'Eu.

Legenda: Obra "Família Pobre do Nordeste/Parados na Estrada" (1989/1990)

A transferência deixou desativado o memorial dedicado a ela, outrora mantido em caráter permanente, a partir de fevereiro de 2002, no CRP. Capítulo que atravessou, portanto, um momento de indefinições, pondo em xeque a memória local dedicada à pintora - algo que só encontrou nova direção a partir do processo de higienização e restauração das 13 obras resguardadas.

Processo

As atividades que conferiram revitalização às obras aconteceram durante o Curso de Conservação e Restauração de Bens Patrimoniais Móveis Integrados, promovido a partir de parceria entre a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor), o Instituto Cultural Iracema (ICI) e a Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. O feito permitiu reafirmar a incontornável importância de Sinhá ao instaurar um novo olhar sobre seu legado, ao mesmo tempo que otimizando a fruição do conhecimento na área por meio do trabalho de 14 estudantes.

Veja obras antes e depois da restauração:

Cada um ficou responsável por restaurar uma tela, pondo em prática os saberes obtidos durante aulas ministradas por oito professores, de disciplinas que iam de História da Arte e Desenho Básico até Teoria das Cores e Prática de Pintura.

A designer de interiores Joana Gurgel participou do curso restaurando a obra "2000", sublinhando detalhes que integraram o processo.

"Das 13 telas que a gente trabalhou, tinha duas ou três que estavam em um estado mais crítico de conservação. No caso da que eu restaurei, uma das obras mais recentes dela, havia pouca perda de policromia, mas, como era muito grande, demandou mais tempo para higienização", conta. "Ainda assim, fiquei com tempo disponível para acompanhar as problemáticas de outros colegas e aprender outros tipos de técnica".

Entre elas, destacam-se Fixação de Camada Pictórica, Higienização Mecânica e Química, Planificação do Suporte e Reintegração Cromática, procedimentos básicos.

Métodos mais específicos, por sua vez, foram aplicados mediante a necessidade de restauro de cada obra.

Legenda: "O Cantor": pintura a óleo sobre eucatex, concebida em 1996, atesta o apego à regionalidade retratado na vastidão de obras de Sinhá D'Amora

Em sua fala, Joana deixa sobressair a satisfação em ter participado do projeto. "Prestamos um trabalho muito importante para que desse mais visibilidade e importância aos trabalhos dela, principalmente agora, com a reabertura do memorial. Eu não a conhecia, mas, aos poucos, ao ler bastante sobre a vida de Sinhá e ter contato com as obras, criei uma relação de afetividade, levando em conta principalmente a história dela não só enquanto artista, mas como mulher visionária", reflete.

Acervo

Em números, a mostra afirma sua magnitude. Além das 13 telas, são 60 medalhas, dez troféus, seis placas, 98 diplomas e dois álbuns, tudo disponível de modo a fazer com os visitantes possam imergir na vida e reconhecimento obtidos por Sinhá D'Amora em escala local, nacional e internacional. Entre os itens expostos, estão a Medalha Ordem do Mérito das Belas Artes, conquistada em 1977; a Medalha Boticário Ferreira, em 1991; e o Troféu Sereia de Ouro, em 1996.

Enquanto curador da exposição, Antônio Vieira afirma que a disposição dos elementos em todo o térreo da Casa do Barão de Camocim foi pensada de modo a reconstruir determinadas particularidades de Sinhá.

"Tem um ambiente que faz alusão ao ateliê dela. Como gostava muito de pintar escutando música clássica, remontei um cantinho e criei um pequeno cenário, colocando até mesmo um gramofone. Além deste, há vários outros ambientes, como um dedicado apenas a fotografias e outro a troféus, por exemplo", conta.

"Priorizei um recorte teórico, já que ela tem uma história muito vasta e possuíamos muito material, evidenciando não só a artista Sinhá D'Amora, mas também o que Rachel de Queiroz falou sobre ela, que 'era uma mulher mais condecorada que muitos generais'. Por isso, tracei na exposição a questão de ela ser uma pessoa sensível, mas à frente do seu tempo", detalha. "Não são peças jogadas, há todo um percurso e leitura, fazendo com que seja didática e acessível".

Na abertura do projeto, um elaborado catálogo será distribuído de modo a reunir os processos que culminaram na exposição, evidenciando tanto aspectos caros da carreira de Sinhá quanto o passo a passo da atividade de restauração. Na publicação, um QR Code permitirá ao público o acesso digital do acervo de documentos não expostos. "Além das moedas, certificados, diplomas e telas, há um grande acervo bibliográfico escaneado, que ficará disponível online para a comunidade", reitera Antônio.

Legenda: Obra "Presente para um Amigo" (1995)

Perguntado sobre o alcance da produção de Sinhá, o curador é enfático: "Acho que ela é atemporal. Já naquela época, imprimia no processo das pinturas muitos aspectos da realidade dos lugares, como as secas, a infância em Lavras da Mangabeira e várias questões regionais. Não perdeu, portanto, o foco de suas origens, pintando, ainda que em vários países, o seu lugar, as suas raízes. Assim, espero que os fortalezenses, de modo mais específico, tenham uma relação de pertença com o espaço, que só vai se efetivar de forma concreta se a gente tomar posse dele".

Conforme a assessoria da Secretaria da Cultura de Fortaleza, as peças, após o longo período em exposição (estima-se que entre um e três anos), "ainda não têm um destino definitivo para ficar". A ideia é que, quando estiver próximo da finalização da mostra, "uma reunião aconteça para avaliar se o acervo será alocado em outro espaço ou se ficará por mais algum tempo no equipamento".

Serviço

Exposição “Memorial Sinhá D’Amora”. Abertura nesta sexta-feira (8), às 19h, no Centro Cultural Casa do Barão de Camocim (Rua General Sampaio, 1632, Centro). Visitação: de terça a sexta, de 9h às 19h; sábados e domingos, de 10h às 17h. Entrada franca. Contato: (85) 3252-1444 

 

> "Meu mundo é o da pintura e o da leitura. É onde eu vivo": Entrevista com Heitor Férrer, sobrinho de Sinhá D'Amora

Uma pessoa "de singelezas". É assim que Sinhá D'Amora é descrita por Heitor Férrer, sobrinho em segundo grau da artista. Em entrevista ao Verso, o médico e político cearense, também nascido em Lavras da Mangabeira, lembra de momentos vivenciados ao lado da pintora, evocando uma personalidade que sempre se sobressaiu pelo conhecimento e altivez.

"Sinhá D'Amora não teve filhos. Então, se dedicou integralmente à pintura e ao marido. Quando ficou viúva, passou a viver literalmente só. Nem empregada colocava na casa dela, apenas uma moça que todo dia ia para lá - na casa que tinha no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da vida - para comunicar à família se ela estava morta ou viva", afirma.

Entre as lembranças que traz à superfície, ele rememora o período em que Sinhá passou, já com 90 anos de idade, uma temporada de seis meses em Fortaleza, onde comprou um apartamento na Avenida Engenheiro Santana Júnior achando que ia se adaptar à cidade - algo que não ocorreu. "Preferiu voltar ao Rio. Antes de partir, porém, dissemos: 'Sinhá, vai retornar para lá e a gente vai ficar preocupado com a senhora'. Ela, então, disse assim: 'Meu filho, vou voltar para o meu mundo. Meu mundo é o da pintura e o da leitura. É onde eu vivo'. Nunca esqueci isso", relata.

Acompanhamento

Com a reapresentação das obras de Sinhá ao público, a partir da mostra na Casa do Barão de Camocim, Heitor Férrer conta que ele e outros integrantes da família fizeram uma pressão, "no bom sentido", para não perder de vista o acervo da pintora. "Eu e o Olavo Correia Lima Filho, outro sobrinho dela, acompanhamos tudo de perto para não perdermos esse vasto arquivo que temos de sua autoria e que está sob a tutela do poder público".

Na visão dele, ter o legado de alguém tão importante sob domínio de órgãos públicos é oportuno para que a comunidade se debruce sobre ele e aprofunde perspectivas e saberes.

Assuntos Relacionados