Exposição "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz" apresenta o Modernismo brasileiro

Depois de percorrer capitais europeias e brasileiras, mostra gratuita chega pela primeira vez a Fortaleza. Em cartaz no Espaço Cultural Unifor, o público conhecerá um dos mais férteis períodos da cultura nacional do Século XX

Escrito por Redação ,

Ao defender outra perspectiva estética e a independência cultural do Brasil, o Modernismo refletiu a efervescência política e social da urbanização e industrialização de metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro. Tendo como marco simbólico a Semana de Arte Moderna de 1922, estabeleceu tentáculos em outros pontos geográficos da nação. Incentivou o experimentalismo e incutiu outra consciência na maneira de digerir e produzir cultura.

O complexo exercício de mapear a influência e a desconstrução causada pelo movimento em solo tupiniquim é um dos aspectos especiais da exposição "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz", que será aberta hoje, às 19h, no Espaço Cultural Unifor, da Universidade de Fortaleza. Após visitar outras praças culturais do Brasil e Europa desde 2015, o acervo se estabelece na Capital cearense até o dia 11 de agosto deste ano.

O público local terá a oportunidade de apreciar gratuitamente a atração e testemunhar 77 obras oriundas do acervo da Fundação Edson Queiroz. A curadoria, assinada por Regina Teixeira de Barros, contempla alguns dos mais expressivos trabalhos da Arte Moderna em circulação no nosso País. Um universo concebido pelas mentes de criadores nacionais e estrangeiros radicados no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960.

Ao longo dos últimos 30 anos, a Fundação dedica-se a uma das mais completas coleções de arte brasileira, iluminando de imagens sacras do Período Colonial a itens da Arte Contemporânea. Atravessa um total de 400 anos de produção, com trabalhos representativos de todos os períodos da história.

Inaugurada em Fortaleza em plena Semana de Arte Unifor, a mostra projeta um outro recorte desse precioso acervo. Repercute uma verdadeira aula sobre os caminhos visuais de um Brasil ainda tão desconhecido de sua população.

Íntima da coleção disponível logo mais à noite no Espaço Cultural Unifor, Regina Teixeira resgata os primeiros contatos com a iniciativa. Tudo começa em 2013, quando a estudiosa, então curadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo, construiu no equipamento paulista uma exposição de longa duração com o tema "Arte no Brasil: uma história do Modernismo na Pinacoteca de São Paulo".

A convite do Chanceler Airton Queiroz (1946-2017), Regina Teixeira estabelece proximidade com as peças do acervo mantido pela Fundação cearense. Surge aí a oportunidade de aprofundar ainda mais a mostra organizada pela Pinacoteca. "Fui até Fortaleza olhar a coleção e fazer uma primeira seleção do que seria possível e do que teria de obras capazes de estabelecer um nexo com o trabalho da Pinacoteca", recorda a curadora.

Trajetória própria

Acontece, assim, com 60 trabalhos, o embrião de "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz". Na Terra da Garoa, a mostra ganha a primeira casa, ficando em cartaz entre maio e dezembro de 2015. Dali seguiu, sob os auspícios de outra curadoria, para Belo Horizonte. Regina Teixeira reencontraria essa iniciativa em 2016, durante a montagem para a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre. "Você precisa retomar isso aqui com a gente", ouviu.

Legenda: Exposição em cartaz no Espaço Cultural Unifor proporciona uma aproximação com as diversas vertentes, influências e movimentos da arte brasileira do século XX
Foto: Fabiane de Paula

Como tratava de um projeto no qual estava a par desde o início, retornou ao barco com possibilidades de expansão. "A casa (Fundação Iberê Camargo) contava com dois andares. Ia ficar estranho pois precisava de mais obras. No caso da Pinacoteca, tratava de um diálogo e as obras da Fundação não tinham sido pensadas inicialmente para itinerar. Com autorização do doutor Airton, acrescentamos mais 20 obras e a exposição passou a rodar com uma certa autonomia. Ela possui narrativa, tem começo, meio e fim. Fala sobre aspectos da Arte Moderna no Brasil das décadas de 1920 a 1960 e ficou redondinha", relembra com detalhes.

Sobre os caminhos percorridos pela exposição, Regina Teixeira observa o quanto o cuidado em cada cidade foi primordial para o estabelecimento do projeto. "Cada um dos espaços onde montamos tinha uma característica única. Em Porto Alegre, era um ambiente bem aberto. Em Curitiba, um grande espaço retangular, ou seja, outra configuração. Em Lisboa e Roma foram territórios diferentes. Cada vez é uma montagem, não é engessado. Você precisa se adequar ao espaço. As obras são exatamente as mesmas, mas cada vez é nova exposição. As paredes têm outra cor, a configuração do local é outra. Isso faz com que criemos novas relações", argumenta.

Ceará

Em Fortaleza, berço da Fundação, a premissa de cuidado foi a mesma. "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz" inicia-se com peças dos chamados "anos heroicos" do Modernismo brasileiro (1920). Contempla as tentativas de renovação, em que muitos dos artistas dessa primeira geração modernista trazem de Paris o contato com as vanguardas históricas da qual se alimentaram.

A exposição assevera o quanto alguns artistas dessa geração se interessaram pela busca de imagens que refletissem ideias de "brasilidade". Nesse momento, o debate nacionalista girava em torno da recuperação de elementos nativos, anteriores à colonização portuguesa, somados à miscigenação racial, fator que passara a ser considerado decisivo na formação do povo brasileiro.

Nos anos 1930 e 1940, marca-se a acomodação das linguagens modernistas. As experimentações cedem lugar a uma perspectiva ancorada na arte do passado. Surgem "artistas-professores", como Ernesto de Fiori (1884-1945), Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) e Alfredo Volpi (1896-1988), referências para contemporâneos e pintores de próximas gerações vindouras.

Desse período, destacam-se os trabalhos desenvolvidos por Volpi e José Pancetti (1902-1958). Além de estarem presentes com um número significativo de obras na Coleção da Fundação Edson Queiroz, configuram uma transição entre a pintura figurativa e a abstração, diz Regina Teixeira.

Educativo

O núcleo da exposição dedicado à abstração geométrica (tendência despontada nos últimos anos da década de 1940 e consolidada na década de 1950) abrange pintores do grupo Ruptura, de São Paulo, e artistas dos grupos Frente e Neoconcreto, ambos do Rio de Janeiro. Outra perspectiva pontual é a inclusão de artistas que não aderiram a grupo algum, mas adotaram uma linguagem abstrato-geométrica singular, mesclando-a, muitas vezes, com certo lirismo.

O último segmento da mostra é dedicado à abstração informal, estética que ganha rápido espaço na década de 1960. Para estes artistas, interessava conceber a tela como um campo para experimentações com materiais diversos, apontando para práticas que se multiplicariam tempos depois.

Pintura referencial da fase expressionista de Lasar Segall (1889-1957), a obra "Duas Amigas" é um dos destaques da mostra. A relevância é pontuada pelo uso de cores não realistas, porém repletas de valor simbólico. Exalta-se também a proximidade com princípios cubistas, no qual as figuras são elaboradas por meio de planos geometrizados.

A exposição percorre também a vitalidade protagonizada por Anita Malfatti (1889-1964), Antônio Gomide (1895-1967), Cícero Dias (1907-2003), Di Cavalcanti (1897-1976), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Ismael Nery (1900-1934) e Victor Brecheret (1894-1955). Tratam de criaturas advindas de diferentes localidades e vivências. Cada um com sutis diferenças entre os trabalhos e visões de mundo empregadas na produção.

O cearense Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) é outro nome apreciado em "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz". Um dos pioneiros da arte cinética, trabalha a questão do movimento na escultura. "É importante na coleção e a nível de arte ocidental", adverte Regina. Para a curadora, a vizinhança física dos trabalhos proporciona diversas interpretações, uma vez que muitas são as opções apresentadas a um só tempo.

Depreender as peças e a relevância histórica que cada uma carrega, evidencia o Modernismo como uma leitura de mundo necessária. O expediente educativo da mostra é uma de suas forças mais latentes, explica a organizadora.

Chave para desvendar o presente

Ao proporcionar o contato com as diversas vertentes, influências e movimentos da arte brasileira do início do século xx, "Arte Moderna na Coleção Fundação Edson Queiroz" atende uma demanda educacional sem precedentes, avalia o vice-reitor da Unifor, professor Randal Pompeu. "Um trabalho que desenvolvemos com muita atenção é que arte e cultura façam parte do dia a dia da nossa comunidade universitária e da comunidade em geral de fortaleza. Trazemos grandes exposições, organizadas com curadores de renome nacional e internacional e que principalmente são pensadas pedagogicamente, para que sejam um fator de conhecimento para as pessoas que passarem pelas exposições", completa o acadêmico.

O caráter formativo da mostra dedicada ao modernismo também é um assunto defendido por Regina Teixeira de Barros. Ao repercutir décadas marcadas por profundas mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais no brasil e no mundo, a exposição ganha fôlego por construir paralelos entre passado e presente.

Existe, interpreta a curadora, no intervalo temporal compreendido pela mostra, uma aura de "crença na arte". Trata de um momento do século xx no qual a premissa da cultura como vetor de mudanças sociais era algo palpável. "É um momento bastante positivo. De acreditar numa utopia mesmo. Se pensarmos os anos 1950, essa coisa da linguagem abstrata, era o pensamento de um brasil moderno, de um país se internacionalizando, o que vai ser coroado com a fundação de brasília em 1960. Todo esse movimento de acreditar que o brasil é 'país do futuro'", completa a curadora.

A iniciativa da exposição, entretanto, passa ao largo do mero saudosismo. Trata de um intenso debate sobre os caminhos percorridos pela sociedade brasileira dos últimos 100 anos. A mensagem é de que o atual momento necessita da busca por outras experiências do passado, como uma forma de compreender atitudes e acontecimentos contemporâneos. "é um período muito diferente do que vivemos, no sentido dessa esperança, dessa crença de que o brasil vai dar certo, em busca de sua identidade. Hoje parece desmantelado", finaliza Regina Teixeira.
 

 

 

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