Em seminário, artistas e profissionais debatem sobre as vivências das artes com os autismos

A programação reúne palestras e debates entre os dias 23 e 25 de fevereiro com exibição online no Youtube e Facebook do Teatro da Boca Rica

Escrito por Lívia Carvalho , livia.carvalho@svm.com.br
Legenda: O filho de Rosa Primo, Lucas, tem como hobby a pintura e para ele o processo é de intensa concentração e foco numa vivência muito pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Qual seu contato com a arte? De que forma você consegue sentir os poderes que espetáculos, músicas e danças causam? Quem tem a sensibilidade mais aguçada, encontra na arte um poder terapêutico, principalmente para aqueles que a sentem como se fosse parte do ser. A bailarina Rosa Primo tem uma relação íntima com a dança, mas tudo mudou com o nascimento de seu filho Lucas, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Com o diagnóstico do pequeno, de 8 anos, Rosa se dedicou a estudar sobre o transtorno, inclusive, sobre a relação entre as artes e os autismos. “Desde que o Lucas é pequenino eu danço com ele e entendi diversos processos. Lendo, vivendo sobre esse universo, conversando com pais, entendendo um pouco desse ambiente e, sobretudo, com os artistas que estão lidando com isso também, tudo isso mudou muito a minha forma de entender e fazer dança”, explica a professora de Dança da Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Mas não é só com a dança que Rosa percebeu essa sublime relação. Segundo ela, Lucas ama pintar e, nesse momento, é como se papel e menino se fundissem e só existisse esse universo. “Ele não pinta pra expor, ele pinta por um desejo de estar no desenho. O que ele se dispõe a fazer, ele tá totalmente naquilo e o grande desafio do artista é estar atento”, diz. 

Legenda: Para Rosa, Lucas tem uma experiência corporal quando pinta
Foto: Arquivo pessoal

Para Rosa, a concentração e o foco doados aos processos artísticos por pessoas com autismo é algo que serve de exemplo a todos.

“Nós estamos sempre nas nossas ações e fora delas. Qual a última vez que você só escovou os dentes? E isso é muito comum no autismo, porque eles têm isso muito próprio, a escuta, a presença. É um encontro muito interessante e feliz, diz respeito às nossas vidas e sensibilidades”. 

Reunindo todos esses aprendizados, ela se juntou ao doutor em Filosofia Charles Feitosa e à doutora em Artes Cênicas Rejane Reinaldo, também diretora do Teatro Boca Rica, para realizar o primeiro seminário “O que pode a arte? Afetos, Autismos, Artes”, a fim de discutir sobre essas conexões a partir de debates com artistas e outros profissionais que se dedicam a esse grupo. 

Em programação online, o evento começa nesta terça-feira (23) e segue até o dia 25 próximo. Diariamente, serão transmitidos os debates pelo Youtube e pelo Facebook do Teatro Boca Rica, com diversas temáticas, entre elas: “Ensaio sobre a Dança e Autismo”; e “O autismo como metáfora – Perspectivas a partir da filosofia pop”. 

Rosa explica que o seminário surgiu a partir de um “encontro muito feliz de pessoas que têm vivência com o autismo, seja nas relações pessoais ou profissionalmente. Fomos construindo caminhos nesse sentido, pois essa relação se impõe de uma série de entendimentos da vida que estão cada vez mais distantes de nós”. 

A bailarina aponta ainda que essa conexão entre a arte e o autismo é benéfica não só para os artistas, mas para as pessoas com TEA, uma vez que estimula o cérebro e pode se tornar uma ferramenta de comunicação. “Essas pessoas têm uma sensibilidade extrema pra entender além do visível e isso nós, seres humanos formatados a partir dessa cultura moderna, não temos essa compreensão, é mais fácil pro artista do que pra qualquer outro tipo de pessoa”, afirma. 

Diretora do Teatro Boca Rica, Rejane avalia que a arte é fundamental para todos, mas especialmente para os indivíduos com sensibilidade aflorada. “A arte apascenta nossa alma, é a possibilidade do ser humano de transcender, de ir além e criar outra realidade além da que é dada”. 

Legenda: Espetáculos teatrais são uma das formas de estimular a comunicação entre as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista
Foto: Arquivo pessoal

Sons de empatia 

O músico Fábio Dória é um dos artistas que integra a programação. Desde 2006, o cearense atua dando aulas de música para pessoas com autismo e o processo, segundo ele, foi “sem querer”. Um amigo o indicou para uma vaga em uma Instituição só com autistas. “No início foi tudo muito experimental, li alguns livros pra me dar suporte. Era descobrindo danças, sons, músicas que funcionam. Passei cinco anos nessa atuação só na intuição”, conta. 

A vivência despertou em Fábio a vontade de estudar Psicologia. “No curso, descobri novas abordagens e isso me ajudou muito a construir meu trabalho. Entrei na psicologia pra me dar subsídios científicos pra atuar com essas pessoas. Comecei a ver que tinham elementos que faziam a diferença, por exemplo, a própria observação, elementos do teatro, os terapeutas que vinham com esses artifícios teatrais é um diferencial”, relata. 

O trabalho, de acordo com Fábio, é focado no tempo em que o aluno consegue prestar atenção na ação.

“São passos de formiguinha, mas pra ele é uma ferramenta de atenção. A música estimula o cérebro dando prazer e as pessoas com autismo são bem mais sensíveis à musicalidade, o que possibilita uma maior troca com eles, além de ser um benefício social, já que, normalmente, é uma atividade em grupo”. 

Fábio ressalta também a importância da realização desse seminário, pois, para ele, aproxima essa realidade para algo mais cotidiano, uma vez que a linguagem científica usada por terapeutas tende a afastar as pessoas e fugir da massa. 

Veja a programação completa: 

  • 23/02 – 19h às 22h

Debatedora: Rosa Primo Gadelha
Palestrantes: Anamaria Fernandes Viana, Fátima Dourado com a participação do Grupo Neurodivergentes

  • 24/02 – 19h às 22h

Debatedora: Rejane Reinaldo
Palestrantes: Cristiane Menezes Muñoz e Roberto Charles De Oliveira Feitosa

  • 25/02 – 19h às 22h

Debatedor: Charles Feitosa
Palestrantes: Fábio Dória e Tavie de Miranda Ribeiro Gonzalez com a participação de Aline Vargas

Serviço

“O que pode a arte? Afetos, Autismos, Artes” 
Dias 23 a 25 de fevereiro, de 19h às 22h. 
No Youtube e no Facebook do Teatro Boca Rica 

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