Dia Mundial da Poesia: poetas contemporâneos do Ceará compartilham inspirações

A partir da ótica de Diego Gregório, Samara poeta X, Patrick Lima e Beatriz Caldas, o Verso dimensiona o panorama da tessitura poética feita no Estado hoje, situando contextos e trabalhos

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: Da esquerda para a direita, Diego Gregório, Beatriz Caldas, Samara poeta X e Patrick Lima: recortes de uma poesia cearense plural
Foto: Divulgação

São várias as perspectivas. Para Diego Gregório, poesia é o que de imaterial existe de mais valioso, aquilo que nos conduz para a realidade. Já Beatriz Caldas a define como a reação catártica da alma, uma linguagem que nos transporta para o mundo do sentir.

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Patrick Lima, por sua vez, a encara como o elo entre o homem e o divino, tudo aquilo que faz o coração vibrar de forma diferente, convidando à reflexão, compreensão e o despertar de novos sentimentos. Samara poeta X completa o panorama situando que poesia é encontro consigo, com o mundo e com a mente.

Independentemente do conceito, o singrar entre versos empreendido por esses quatro poetas cearenses e outros tantos geografia adentro aquece o espírito da poesia contemporânea realizada no Estado – cada vez mais tentacular, desejosa de muito.

Neste Dia Mundial dedicado ao gênero – efeméride criada durante conferência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1999, visando promover a leitura, escrita, publicação e ensino de poesia no mundo – o Diário do Nordeste dimensiona o horizonte da tessitura poética feita no Estado hoje, situando contextos e trabalhos.

Resgate do cotidiano

Um dos representantes dessa seara, Diego Gregório afirma que a nova poesia cearense é destemida. “Ela quer ser lida, se conectar com o maior número de pessoas. E se fazer presente, não se esconder”, diz. “Nomes como Bianca Zigler e Raisa Christina trazem isso, a possibilidade da troca com o leitor, da acessibilidade. A poesia cearense não quer estar guardada, mas nas mãos das pessoas, na internet”.

Legenda: Livro de Diego Gregório abraça a profundidade do cotidiano
Foto: Luciano Gomes

O poeta define o próprio ofício como um que tenta guardar ou resgatar em um poema um momento cotidiano de extrema percepção. Sentimentos comuns, a exemplo de abandono, paixão, medo, descobertas e alegrias. “É como um frame de filme para o qual podemos voltar sempre, seja para aprender algo, para reviver um momento ou para nunca mais estar ali”.

Esse tecer orgânico, sem rotina a seguir, moldado por uma vontade contínua em matizes puramente sentimentais, está presente em sua mais recente publicação. “Coisas que você mesmo poderia ter dito”, vindo a público neste ano, nasceu como uma necessidade de comunicação. 

“Como Hilda Hilst sempre disse, ‘o poeta quer ser lido’. A possibilidade do lançamento já existia, houve uma conversa com uma editora local, que pretendia investir na publicação, mas acabou não indo pra frente e, felizmente, fui agraciado com um edital da lei Aldir Blanc”, conta Diego.

A bela acolhida que o material vem ganhando comprova uma importante percepção do autor: a poesia consola as pessoas, mesmo que elas não saibam, sobretudo neste momento de pandemia. “Elas estão em casa se apoiando na poesia, compartilhando-a com pessoas queridas em grupos de WhatsApp ou nas redes sociais, concordando com as palavras de ordem do poeta”, percebe.

A poesia conta história e é muito importante que as pessoas se deem conta disso, compreendendo que, por trás do que aparece nas redes, existe um autor, alguém que acreditou na força daquela palavra e, mesmo quando tudo passar, isso precisa ser valorizado, inclusive financeiramente”.

Entre os planos de Diego, está o de escrever um novo livro de poemas ainda neste ano. Ele também está fazendo anotações para um romance, em homenagem à mãe, e adianta que, em breve, alguns poemas do mais recente livro sob sua assinatura estarão na linguagem do audiovisual. “Também, em instantes, haverá um ciclo de transmissões ao vivo sobre poesia com autores de todo o Brasil. Isso já está sendo alinhado. Vai ser lindo”, torce.

Legenda: O livro é permeado por imagens que se entrelaçam à tessitura poética
Foto: Ilustração de Gustavo Diogínes

Quanto aos desafios para que essas e outras iniciativas no ramo da poesia sejam fomentadas, Diego é enfático: “Existem muitos, mas o primeiro que deve ser superado é o do medo de fazer sucesso, de vender.  Temos a errada impressão de que o que é publicizado não é bom, de que divulgar a obra a torna menos qualificada. Acredito que seja o contrário, a poesia precisa estar em um pedestal, nos outdoors”.

Criar coletivo

Essa relevância de ressoar versos também ecoa no fazer artístico de Samara poeta X. Integrante da Pretarau - Sarau das Pretas – iniciativa independente de mulheres negras poetas e slammers da cidade de Fortaleza e região metropolitana, surgido no ano de 2019 – ela evidencia o trabalho poético de outras companheiras de jornada, a exemplo de nina rizzi, Ma Njanu, Amyla Vidal, Sabrina Morais, Larissa Simplício, Amy Sousa, Lídia dos Anjos, Viviane Siade, entre outras.

“De homens, quero destacar Talles Azigon, que é o brabo daqui do Ceará”, sublinha. “Falando da poesia feita por mulheres no Estado, vejo que cada dia cresce mais, chega mais longe, ganha outros espaços e se enchendo de mais potência”.

Na Pretarau, Samara e as outras integrantes atravessam os versos por meio do intercâmbio entre poesia, artes visuais, música e performance. A confluência entre linguagens resulta, na visão da poeta, em acolhimento.

“Quando sou acolhida, me encontro comigo mesma, então posso me encontrar com o outro. Nesses espaços, a gente vê que as performances e poesias são feitas para si mesmo, mas também pro encontro do outro, tanto na empatia quanto na identificação do que estamos vendo”, explica.

Legenda: Na Pretarau, Samara poeta X e as outras integrantes atravessam os versos por meio do intercâmbio entre poesia, artes visuais, música e performance
Foto: Arquivo pessoal

Não à toa, a artista afirma escrever para desabafar e não desabar com tudo o que vive, “aliviando a Samara de tudo o que ela vê”. Traz tudo a plenos pulmões para se conectar às pessoas que se identificam com a luta, ao mesmo tempo que empodera a própria voz.

“Acho que a poesia já ganhou muitos espaços, mas quantas vozes nunca foram ouvidas porque não tiveram acolhimento nem na sua própria área, no seu próprio bairro? Então, o mercado tem, sim, que valorizar mais a cena poética. Ainda vejo pessoas que não sabem o que é literatura marginal, não conhecem mulheres que escrevem e nem frequentam espaços que tenham poesia”, considera.

A música dos versos

Múltiplos, esses espaços desencadeiam variadas buscas, mergulhos possíveis. Feito Diego e Samara, Patrick Lima também é prova disso. O poeta percebeu a inspiração para a trova desabrochar ainda na adolescência, tempo em que também passou a se enxergar como músico. Assim, foi natural que os caminhos adiante promovessem o encontro entre as duas formas de arte.

“Essa união de música e poesia foi de grande valia para que eu me pegasse escrevendo minhas primeiras canções. De início, eu comumente tratava de assuntos ainda pueris, dos primeiros amores e do misto de sentimentos que as descobertas da adolescência vão propiciando”, conta.

“A posteriori, fui adquirindo o hábito de ler novos poetas e escritores, que traziam outras formas de narrar e pensar. Essa ‘maturidade’ – entre aspas, pois, a cada dia, a gente cresce um pouquinho – fez com que eu passasse a falar sobre outros tipos de amor, com variadas temáticas, tanto nos meus discos, espetáculos, poemas, livros e cordéis”, complementa.

O tema passou a ser desenvolvido de modo diverso, indo desde a crítica ao machismo até à violência contra a mulher, à homofobia/transfobia, ao racismo e a qualquer tipo de preconceito e discriminação. Não à toa, Patrick percebe que sua poesia convida sempre à reflexão.

Do ano passado para cá, ele publicou “O Romance de amor felino entre Edgar e Ofélia ou O amor sem preconceito”, texto com temática racial; “O Sarau do Zodíaco ou O romance entre Áries, Virgem e Escorpião”, sobre homofobia e feminicídio; e “Cordel da Cannabis: Tudo o que não te contaram”, entre outros. 

“O meu lema é ‘aprenda música brincando e se divertindo’. Então, desde as aulas de musicalização (a partir de 1 ano), a poesia já vai sendo apresentada de forma musical, ritmada, por meio de parlendas, permitindo à criança ir desenvolvendo, além de sua musicalidade, a oratória e a aquisição do vocabulário. Tudo isso, alinhado à criatividade que as crianças têm de sobra, permitem que elas desde cedo já façam as suas primeiras canções”, descreve.

Seria esse, portanto, um dos motivos possíveis para celebrar o Dia Mundial da Poesia? “A poesia e arte em geral foram alento para muitos nessa eclosão da pandemia. Muita gente também passou a escrever ou, pelo menos, a enxergar a arte de uma forma diferente. A poesia é um grito de esperança e deve ser celebrada sempre. Como diz o Fernando Anitelli, da banda O Teatro Mágico: ‘A poesia prevalece!’”.

Legenda: A poesia de Patrick Lima atravessa diferentes linguagens e se afirma como um convite à reflexão
Foto: João Lima

Íntimo feminista

Prevalece e se espraia por assuntos vários. Apesar disso, as lacunas também são igualmente plurais. Cearense de 26 anos, a poeta, escritora, advogada e Mestranda em Direito Constitucional, Beatriz Caldas, enxerga que ainda há uma concepção mercadológica de que a poesia não vende.

“Pouquíssimos livros desse gênero viram best-sellers, como é o caso da Rupi Kaur [poeta indiana, autora de, entre outros livros, “Outros jeitos de usar a boca”, publicado pela editora Planeta]. Então, o mercado ainda acha que a poesia não é rentável, e isso faz com que ela seja pouco divulgada e apreciada”, avalia.

Logo, é com resistência que ela permanece nessa seara. A poeta já publicou dois livros, um disponível em formato físico e outro em e-book. O primeiro, intitulado “Procura-se a mulher”, é uma obra coletiva, de nove escritoras, com poemas sobre ser mulher e poesias feministas.

Por sua vez, o e-book se chama “Delírios” e é seu primeiro livro solo, com poesia erótica. “Acho importante trazê-los ao público porque é difícil encontrar no mercado livros de poesia que falem sobre ser mulher. Acredito que existem muitos, mas eles não são muito divulgados. É importante para outras mulheres lerem e se identificarem, se inspirarem”, reflete.

Legenda: Beatriz Caldas publicou dois livros, um disponível em formato físico e outro em e-book
Foto: Arquivo pessoal

Além disso, é relevante ver uma mulher escrevendo poesia erótica, sobre seu corpo e sensações, sobre orgasmos e prazer feminino, mostrando que isso não precisa ser um tabu”.

O fazer poético de Beatriz, assim, é o da própria realidade, principalmente no campo do sentir, o que a torna voltada para as dinâmicas do íntimo. Essas criações estão disponíveis em revistas literárias, zines e blogs. Além disso, ela faz parte da equipe de poetas do portal “Fazia Poesia” e publica poesias em seu instagram e blog.

“Acredito que as mulheres estão conseguindo conquistar um espaço maior no cenário poético, depois de muitos anos de luta. Principalmente após a fama da Rupi Kaur, que revolucionou a forma de fazer poesia. No caso do Ceará, isso ocorreu, principalmente no cenário contemporâneo, pela presença de Jarid Arraes, com seus cordéis”.

Legenda: Uma das obras publicadas por Beatriz Caldas, na companhia de outras mulheres
Foto: Arquivo pessoal

Ainda falando sobre o Estado-casa, a poeta observa o fazer contemporâneo como dotado de uma linguagem única, buscando ter uma forma própria de identificação, ao mesmo tempo que tentando fugir dos estereótipos historicamente formulados. 

“Existe uma ampla variedade de produção poética no Ceará, desde os tradicionais cordéis e a poesia rimada, que ainda é muito marcante em todo o estado, à poesia marginal, produzida nas periferias e nos slams”, diz. “A poesia é a linguagem que mais cativa as pessoas ao redor do mundo, é uma das formas mais difundidas de comunicação e é um modo de preservar linguagens locais e tradições”.

Serviço
Acompanhe os trabalhos das poetas e dos poetas mencionados nesta reportagem
Diego Gregório: Instagram
Samara poeta X: Instagram (pessoal e profissional) e YouTube
Patrick Lima: Instagram e YouTube
Beatriz Caldas: Instagram e Blog

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