De Kafka a Roberto Carlos, 12 livros recém-lançados sobre a vida de grandes personalidades

Obras iluminam trajetórias de nomes que se destacaram em diferentes campos, da literatura à arquitetura, da filosofia aos movimentos sociais

Escrito por Diego Barbosa , diego.barbosa@svm.com.br
Legenda: A vida do escritor Franz Kafka, da arquiteta Lina Bo Bardi e do cantor Roberto Carlos são temas de livros publicados recentemente
Foto: Divulgação

Sopram bons ventos para os leitores brasileiros apreciadores de obras de não-ficção, sobretudo se estas mergulham na trajetória de importantes personalidades. Não faltam exemplos recentes no mercado editorial. 

Contemplando nomes nacionais e estrangeiros, além de uma miríade de temáticas e campos do saber, os livros ampliam os horizontes acerca de componentes outrora abreviados pela História, deixando ganhar corpo um vasto acervo de vivências e impressões.

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É o caso dos diários dos escritores Franz Kafka (1883-1924) e Virginia Woolf (1882-1941), publicados, respectivamente, pelas editoras Todavia e Nós; e das duas novas biografias da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992).

Nesse recorte biográfico, também ganham destaque os escritos referentes às filósofas Hannah Arendt (1906-1975) e Sueli Carneiro; ao cantor e compositor Roberto Carlos e ao empresário americano Jeff Bezos, fundador do império digital da Amazon; além dos livros de memórias assinados pela escritora e professora Annie Ernaux e pela ex-embaixadora dos Estados Unidos, Samantha Power.

Abaixo, você confere detalhes sobre cada título:

Franz Kafka - Diários

“Os espectadores ficam petrificados quando o trem passa”, escreveu Franz Kafka (1883-1924) em determinado dia de 1909. Este também é o ponto de partida para a leitura de “Franz Kafka - Diários”, publicado pela editora Todavia. Traduzido integralmente pela primeira vez no Brasil por Sergio Tellaroli, o livro é um generoso calhamaço de anotações, memórias e exercícios estilísticos do autor de “A Metamorfose” e “O Processo”. 

As impressões do escritor tcheco abarcam 14 anos – de 1909 a 1923 – iluminando, a partir de valiosos pormenores, uma trajetória reverenciada em todo o mundo. Os fatos devem capturar não apenas os interessados em literatura, mas, essencialmente, a todos os curiosos em conhecer o funcionamento do maquinário conceitual de uma mente singular. 

Anotações como “O mundo formidável que trago na cabeça. Mas como libertar-me e libertá-lo sem me dilacerar?” dividem espaço com frases do tipo “Em completo desamparo, mal escrevi duas páginas”. Numa dança de sentimentos, a fisionomia de Kafka ganha relevo em situações de tímida alegria e constantes deslocamentos, entre surpresas e temores. Uma obra que, conforme o tradutor sublinha, fará a audiência reconhecer “o autor que conhece dos contos e dos romances, se não em cada anotação de caráter puramente pessoal, decerto toda vez que ele se propõe a esboçar um texto literário”.

Franz Kafka - Diários
Tradução de Sergio Tellaroli

Todavia 
2021, 576 páginas
R$ 99,90/ R$ 29,90 (e-book)

Os diários de Virginia Woolf

Mantido, embora com alguns hiatos, por 44 anos – desde a adolescência até poucos dias de sua morte – os diários da escritora britânica Virginia Woolf (1882-1941) ganham as mãos do público pela editora Nós. O primeiro volume, já publicado, compreende os anos de 1915 a 1918. Neste mês, deve sair o segundo, na ocasião do Dalloway Day no Brasil, celebrado nesta quarta-feira (16).

Ao longo das centenas de páginas da publicação, o que se constata é a multifacetada caminhada de Virginia, tanto no campo pessoal quanto no profissional. No início do diário, por exemplo, ela e Leonard, seu esposo, moram em Richmond, cidade próxima a Londres. Naquele momento, a escritora se preparava para publicar o primeiro romance, “The Voyage Out”, e tinha, no cônjuge, a figura de um atento leitor. 

Conforme as anotações avançam, a audiência embarca, com ela, em um universo de angústias, silêncios e melancolias, suscitando um olhar mais apurado acerca das condições comportamentais da autora de “Mrs. Dalloway”. Não à toa, supõe-se que a expectativa da publicação do já referenciado primeiro romance tenha sido um dos gatilhos de seu segundo colapso.

Os diários de Virginia Woolf - Volume 1
Tradução de Ana Carolina Mesquita

Nós Editora
2021, 337 páginas
R$ 54,60/ R$ 44,91 (e-book)

Biografias de Lina Bo Bardi

Grande expoente da arquitetura do século XX, a ítalo-brasileira Lina Bo Bardi (1914-1992)–  homenageada na Bienal de Veneza deste ano com um Leão de Ouro Especial pelo conjunto da obra – tem a vida rememorada em duas biografias recém-lançadas: “Lina Bo Bardi - O que eu queria era ter história”, de Zeuler R. Lima, publicada pela Companhia das Letras; e “Lina: Uma biografia”, de Francesco Perrotta-Bosch, publicada pela Todavia.

Na primeira obra, Zeuler L. Lima – também ele um pesquisador, arquiteto, artista e professor – refaz os passos de Lina entremeando vivências pessoais, acontecimentos históricos e memórias, frutos de duas décadas de pesquisa. Nesse percurso, reúne ainda um rico arsenal de imagens e desenhos da arquiteta, mergulhando nas afirmações, contrariedades e nos tantos projetos que ela assinou em favor da cultura brasileira em sua forma talvez mais orgânica.

Por sua vez, “Lina: Uma biografia”, a partir da também cuidadosa investigação e condução de Francesco Perrotta-Bosch, a todo momento responde a uma pergunta: como uma estrangeira foi capaz de enxergar tanto de um país que não era o seu, a ponto de traduzi-lo para os próprios brasileiros? Assim, o biógrafo perscruta a mente e a atuação eloquente de Lina – conhecida, sobretudo, por projetos como o complexo cultural Sesc Pompeia, em São Paulo, e o Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Lina Bo Bardi - O que eu queria era ter história
Zeuler L. Lima

Companhia das Letras
2021, 456 páginas
R$ 60,79/ R$ 39,90 (e-book)

Lina: Uma biografia
Francesco Perrotta-Bosch

Todavia
2021, 866 páginas
R$ 71,91/ R$ 31,41 (e-book)

Hannah Arendt: entre o amor e o mal

Entre a ascensão do regime nazista e as crises causadas pela Guerra Fria: foi no interstício desses dois grandes acontecimentos que a filósofa alemã Hannah Arendt (1906-1975) viveu e se afirmou como uma das vozes mais importantes do século XX. A contribuição da intelectual se destacou sobretudo pelo singular modo de relacionar acontecimentos históricos com apontamentos filosóficos, enfatizando a questão da liberdade.

Em “Arendt, entre o amor e o mal: Uma biografia” – escrita pela sueca Ann Heberlein e publicada pela Companhia das Letras – o público fica sabendo de alguns dos principais momentos de sua trajetória. Com habilidade, Heberlein costura desde o nascimento de Hannah numa família judaica alemã até a vivência dela no exílio, quando teve de fugir da perseguição nazista – estabelecendo-se na França e, depois, nos Estados Unidos, onde permaneceu até a morte.

Além de todos os detalhes referentes ao perfil biográfico, a edição ainda conta com um posfácio de Heloisa Murgel Starling, que analisa como os escritos da filósofa auxiliam na compreensão do presente – sobretudo quando este acena, impiedoso, para tantas modos de truculência e tentativas de silenciamento, no Brasil e no mundo.

Arendt, entre o amor e o mal: Uma biografia
Ann Heberlein
Tradução de Kristin Lie Garrubo 

Companhia das Letras
2021, 256 páginas
R$ 39,94/ R$ 27,96

Jeff Bezos e Amazon

Neste volume – intitulado “Amazon sem limites: Jeff Bezos e a invenção de um império global” – duas trajetórias correm em paralelo: a do empresário americano Jeff Bezos, criador de um dos maiores empreendimentos comerciais do mundo, a Amazon; e a desse próprio negócio idealizado por ele, cada dia mais influente em escala planetária.

Publicado no Brasil pela editora Intrínseca, o livro do jornalista Brad Stone – que cobriu o Vale do Silício por mais de duas décadas – apresenta o retrato de como uma novata no varejo se tornou uma das potências na economia. A partir da visão de funcionários, executivos, integrantes de órgãos reguladores e críticos, o autor mostra como mudanças profundas na empresa durante os últimos dez anos levaram a inovações drásticas.

Ao mesmo tempo, Stone igualmente investiga a caminhada do próprio Bezos, um tecnólogo geek que se transforma em um bilionário com ambições globais. O afastamento gradual do empresário do dia a dia da companhia para focar em seus muitos outros interesses, bem no momento em que seu império se expande, também são alvo da lupa precisa do jornalista.

Amazon sem limites: Jeff Bezos e a invenção de um império global
Brad Stone
Tradução de Isabella Pacheco, Livia de Almeida e Regina Lyra

Intrínseca
2021, 512 páginas
R$ 69,90/ R$ 46,90

Biografia de Roberto Carlos

Após assinar biografias como a dos cantores e compositores Belchior (1946-2017) e Raul Seixas (1945-1989), o jornalista e crítico musical Jotabê Medeiros volta os holofotes para este que talvez seja o cantor mais popular do Brasil: Roberto Carlos. Já na introdução da obra, o autor explica que, ainda em 2003, se deu conta de que já estava havia 17 anos atrás da música, das histórias e das notícias que estivessem relacionadas ao astro – desde que, por uma contingência profissional, passou a ser uma espécie de setorista do cantor.

Portanto, é com essa visão ampliada e consciente do objeto de estudo e de investigação que Jotabê Medeiros apresenta ao leitor a trajetória do “Rei”. A obra cobre desde a formação musical do artista – quando deu os primeiros passos em Cachoeira de Itapemirim (ES) – atravessando as descobertas e parcerias profissionais, até a fama como autor e intérprete de hits que embalaram e continuam a embalar a audiência, dentro e fora do Brasil.

Também adentra nos diferentes contextos históricos em que se deu a atuação de Roberto, aprofundando a mudança da fisionomia das rádios e dos programas de televisão, bem como focando nas amizades turbulentas que o cantor travou com Tim Maia (1942-1988) e Erasmo Carlos, por exemplo. Ao término, “Roberto Carlos: Por isso essa voz tamanha”, publicada pela editora Todavia, ainda traz a discografia completa do artista, seguida das fontes e referências bibliográficas consultadas para a obra.

Roberto Carlos: Por isso essa voz tamanha
Jotabê Medeiros

Todavia
2021, 512 páginas
R$ 60,90/ R$ 44,91

A vida de Sueli Carneiro

A foto na capa de “Continuo preta - A vida de Sueli Carneiro” traduz, de modo pungente, o tom da biografia, publicada pela Companhia das Letras, da filósofa, escritora e ativista do movimento social negro no Brasil. Na imagem, no que parece ser um ambiente escolar ou universitário, uma jovem negra ocupa a primeira fila de cadeiras enquanto é rodeada apenas de estudantes brancos.

A partir daí, a jornalista e escritora Bianca Santana atravessa, com Sueli, os meandros de uma vida dedicada a quatro décadas de ativismo, e seguindo. Por meio de uma precisa escavação de documentos, relatos e memórias, inclusive pertinentes a contextos bem mais remotos – tocando nos antepassados das pessoas negras no Brasil – a autora apresenta como a trajetória da filósofa se confunde com a militância negra nacional, responsável por tornar o racismo crime inafiançável e garantir o direito de propriedade às comunidades remanescentes de quilombos na Constituição de 1988.

O livro ainda conta com registros de diferentes momentos da vida de Sueli e aprofunda o modo como ela atuou diante de inúmeros desafios – vivenciou, por exemplo, os anos de chumbo da ditadura militar brasileira – inspirando pela perseverança e sede de transformação. Não à toa, a frase que intitula a obra deve permanecer por muito tempo na mente do público: “Entre a esquerda e a direita, sei que continuo preta”.

Continuo preta: A vida de Sueli Carneiro
Bianca Santana

Companhia das Letras
2021, 296 páginas
R$ 47,92/ R$ 33,54 (e-book)

Sobre Annie Ernaux

Novíssima no mercado – gestada na pandemia de Covid-19 – a Fósforo Editora lança “Os anos”, descrita como a autobiografia impessoal da escritora e professora francesa Annie Ernaux, um dos principais nomes da literatura da França na contemporaneidade. A autora pertence a uma geração que veio ao mundo tarde demais para se lembrar da guerra, mas que foi receptora imediata das recordações e mitologias familiares daquele tempo.

Por meio da magnética prosa de Ernaux, vemos passar seis décadas de acontecimentos, entre eles a Guerra da Argélia, a revolução dos costumes, o nascimento da sociedade de consumo, as principais eleições presidenciais francesas, a virada do milênio, o 11 de Setembro e as inovações tecnológicas. 

Considerado por muitos o principal livro de Annie Ernaux, “Os anos” – com tradução de Marília Garcia na edição nacional – foi finalista do International Booker Prize e vencedor dos prêmios Renaudot na França e Strega na Itália, além de figurar na lista dos livros preferidos da escritora italiana Elena Ferrante escritos por mulheres.

Os anos
Annie Arneaux
Tradução de Marília Garcia

Fósforo Editora
2021, 224 páginas
R$ 64,90/ R$ 44,90

Memórias de Samantha Power

De uma biografia impessoal para outra calcada frontalmente em si. Vencedora do Prêmio Pulitzer por “Genocídio”, a ex-embaixadora dos Estados Unidos para as Nações Unidas, Samantha Power, agora empreende uma viagem pelo próprio eu em “A educação de uma idealista: Memórias”, publicada pela Companhia das Letras. 

Colocando-se em primeira pessoa, a autora inicia a descrição de sua trajetória por meio da frase “Que direito tem essa mulher de ser tão instruída?”. A expressão foi direcionada à sua mãe, Vera Delaney –  uma irlandesa que, naquele momento, apresentava os motivos pelos quais deveria ter permissão para levar Samantha e o irmão para os Estados Unidos – e parece ter acompanhado a própria Samantha durante toda a vida.

Essa reconstituição aproximada dos fatos que ela própria vivenciou talvez seja o principal motivo para que a obra ganhe tons confessionais bastante profundos. O relato de Power é um testamento vivo das dificuldades e dos momentos decisivos de uma mulher que, se por um lado, mantinha a rotina de criar dois filhos pequenos, por outro projetava reflexões sobre aspectos da política e da geopolítica mundial, demonstrando como cada cidadã e cidadão também podem ter um papel ativo na preservação da dignidade humana.

A educação de uma idealista: Memórias
Samantha Power
Tradução de Pedro Maia Soares

Companhia das Letras
2021, 868 páginas
R$ 111,89/ R$ 44,90 (e-book)

Faces de Guignard

Fluminense dedicado a vários aspectos da pintura, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) consolidou-se como um dos mais renomados pintores do modernismo brasileiro do século XX, tornando-se influência para outros artistas no País. A vida e a obra do artista são retomadas em duas biografias recém-lançadas:  “Balões, vida e tempo de Guignard – Novos caminhos para a arte em Minas e no Brasil”, publicada pela mineira Autêntica; e “Guignard: Anjo Mutilado”, pela Companhia das Letras.

O primeiro volume – escrito pelo jornalista, pesquisador, escritor e editor independente João Perdigão – se debruça sobre as peculiaridades do artista, buscando entender sua inocência, estilo, aprendizes, imitadores e paixões, conforme destacado no texto de introdução do livro. Ao mesmo tempo, a obra também rememora, com afeto e humor, o primeiro contato de João com a obra de Guignard, caminhando, por entre todas as páginas, nessas fronteiras entre aspectos pessoais e o próprio objeto de pesquisa.

“Guignard: Anjo Mutilado”, por sua vez, de autoria do jornalista e pesquisador Marcelo Bortoloti, segue o rastro da instabilidade e da solidão que pautaram a vida do pintor – lembrado principalmente pela retratação das paisagens de Minas Gerais, as reais e as imaginárias. Guignard era portador de uma deformidade no rosto que afetou suas relações sociais desde a mais tenra idade, e Bortoloti se vale disso não apenas para construir as diversas narrativas que envolvem o artista, como também intitular o livro, valendo-se da alcunha dada pelo poeta Manuel Bandeira a Guignard.

Balões, vida e tempo de Guignard – Novos caminhos para a arte em Minas e no Brasil
João Perdigão

Autêntica
2021, 368 páginas
R$ 45,70/ R$ 43,41 (e-book)

Guignard: Anjo Mutilado
Marcelo Bortoloti

Companhia das Letras
2021, 488 páginas
R$ 109,90/ R$ 44,90 (e-book)

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