TJA 110 anos - Onde é mesmo que eu estava com a cabeça? - Trajetórias, histórias e lembranças

Segunda crônica da série em comemoração aos 110 anos do Theatro José de Alencar revela as relações afetivas do ator e diretor-geral do TJA, Pedro Domingues, com a casa de espetáculos. Até domingo (21), confira diariamente um novo texto no site do Diário do Nordeste

Não prestei atenção nas pinturas do teto ou nos nomes que batizavam camarotes e nomeavam os rastros do escritor nas memórias. Só lembro de me assustar por reconhecer que aquilo que eu, estudante de arquitetura, havia visto em fotos e julgava serem relevos incrustados no teto, eram pinturas e que me havia iludido na pressa de entender a boca de cena e o céu do Theatro José de Alencar. Constatei isso e mergulhei na cena que assisti da torrinha sem me lembrar, hoje, sequer de qual peça se tratava.

         Tendo chegado à plateia na condição de aluno de teatro e, portanto, sem pagar a bilheteria, restou-nos entrar após o segundo sinal, plateia e camarotes já apagados, ao final do acesso do público pagante, acomodados às pressas na torrinha, para evitar encontros com os que tinham todo o direito econômico, social e político aos lugares de melhor visibilidade. Com isso perdi, na estreia como público, o espetáculo de luz da fachada interna. Desde então, o TJA se revelou aos poucos para mim. Melhor dizendo, aos poucos, minha atenção foi percebendo o lugar que não era somente palco, único lugar para onde insistia em prestar atenção.

         Primeiro porque não estava ao meu alcance, pois em tempos de estudante e catador de trabalhos de sobrevivência não dispus de muitas oportunidades de acesso ao templo e não me dediquei a sonhá-lo. Depois, porque tão logo passei mais de perto, entre 1986 e 1988, inclusive no palco principal como artista, acabei por aventurar-me em mostras da Festa (Federação Estadual de Teatro Amador), em Sobral e em Barbalha, onde vivi a paixão popular, a ver bois, reisados, escolas de samba, quadrilhas e paus de Santo Antônio que mudaram para sempre meu olhar.

         Volto para Fortaleza, em 1992, e meu primeiro trabalho é como produtor e é no Theatro JA. Era outro lugar. O reconheci, mas não era mais o mesmo José de Alencar. Alguns pedaços dele não existiam mais. Os camarins cujas portas abriam direto nas coxias não estavam mais lá. A sala da diretoria também não. Eu não lembrava e, ao mesmo tempo, não esquecia do que não existia mais. Parecia que tudo que agora era TJA, sempre estivera ali. Grande, forte, pulsante. Não parecia mais um prédio coitado que urgia em desejos e saudades de algo que não acontecia para os artistas da cidade. Aquela vontade de ser a casa do teatro cearense começa a ganhar corpo e passo a conhecê-lo como lugar de construção de políticas de desenvolvimento cultural e aí, na casa como aluno do Colégio de Direção Teatral, no Morro do Ouro, na Sala de Teatro, no Porão e no Palco Principal, me formo encenador e conheço a casa como personagem.

         Hoje, acumulando esforços de ator, produtor, diretor e gestor, atendendo, enfim, ao terceiro convite de direção do monumento, começo a conhecer novamente esse lugar, agora mapa de navegação de futuros. Um equipamento que se renova como casa de espetáculo, que ensaia sua vocação de sala de ensino e que se instala no coração cearense como histórias, trajetórias e lembranças vividas. Um patrimônio do Brasil que é, principalmente, um bem do Ceará.