O entretenimento maior para a família do mestre Espedito Seleiro sempre foi o trabalho. Desde que eram só ele e a esposa, dona Francisca, o ofício já ocupava o lugar de protagonista. "Ele trabalha até demais, mulher", comenta entre risos a companheira, que não esconde a admiração: "Mas é muito gente boa. Eu gosto é de tudo nele", completa, com a mesma certeza do primeiro encontro, ela aos 14 anos de idade e ele aos 21.
Quando vieram os filhos, o processo de assimilação do artesanato em couro foi semelhante ao do próprio Espedito com o pai Raimundo e o avô Gonçalo. "Comecei novinho. Ele trabalhando e eu já tava em cima de uma mesa, mexendo", conta Maninho, aos 42. Wellington, cinco anos mais velho, também desfrutou dessa experiência. "Tô aqui desde que comecei a me entender por gente. De uma maneira ou de outra, ajudando ou dando trabalho, mas sempre lá", recorda.
O processo, como fica perceptível, é gradual na família de seleiros, e as filhas de Wellington, Rayssa, 13 anos, e Mayssa, 4, são provas vivas disso. "A gente começa aos poucos, nos pontinhos, que é mais fácil, depois pega na lâmina, corta o couro, e aí vai desenvolvendo, criando, aprendendo mais, pegando a prática", destaca o pai.
Reverência
O mérito de ter um trabalho que agrega a família de forma harmoniosa é reconhecido por todos. "Nesses 80 anos, acho que isso é um privilégio tanto para ele quanto para nós, que permanecemos unidos", observa Maninho.
E o irmão Wellington complementa, ressaltando a humildade do pai frente a toda a comunidade, mesmo com o sucesso.
Aqui não importa a pessoa, quem chega é bem-vindo. O que eu mais admiro nele é exatamente essa simplicidade. Qualquer um que vier, ele dá a maior atenção. É isso que importa", reconhece.
Inspiração
Mesmo quem não tem o sangue de seleiro correndo nas veias, é tratado como se fosse da família. É o caso de Alan Cordeiro, 18 anos, que atua como guia do Museu do Ciclo do Couro e inspira-se na história do artesão para construir a sua própria. "Os 80 anos dele significam muito crescimento, tanto das pessoas que trabalham com ele como da própria cidade. Toda essa trajetória significa isso, de quanto um homem daqui do interior, do Cariri, humilde, que começou um trabalho simples, torna-se um ícone cultural e econômico", evidencia.
O mestre realmente é referência, seja para quem está começando ou quem tem um caminho traçado, a exemplo do amigo e designer paulista Marcelo Rosenbaum. "Espedito é inspiração para mim em todos os sentidos. Fico muito feliz quando estou ao lado dele, ouvindo causos, conversas cheias de humor; e o acabamento dele é uma loucura mesmo, a criatividade, a noção estética de equilíbrio, de proporção. Ele é um mestre, na dimensão toda do uso, do fazer, da manufatura, da criatividade".