A continuidade da carreira do cearense Marcus Dias, apenas pelo fato em si, já ganha o sentido de uma história peculiar. Poeta, letrista, compositor, a verve criativa do artista permite que ele siga burilando ideias e sentimentos, mesmo diante das limitações físicas e cognitivas provocadas por um acidente vascular cerebral (AVC), sofrido há 2 anos. A força da própria obra impulsiona "Marcão", como ficou conhecido pelos amigos, a seguir o próprio sonho. E a prova disso é que, com um repertório composto ainda antes do acidente, ele agora lança mais um álbum de suas composições, "Lado a Lado", interpretado por diversos parceiros e cantores locais.
O disco traz 12 faixas e está disponível nas plataformas digitais desde a última quinta (17). Além das músicas, um documentário sobre os bastidores do processo está no You Tube, dirigido por Helton Vilar e concebido por Dalwton Moura. Sem tom piegas, o filme dá ênfase à dimensão da obra do compositor, por meio da fala dos artistas envolvidos no álbum e amigos, sem deixar de sugerir o fato da doença como um divisor delicado na trajetória de Marcus.
Parceiros de longa data, como Isaac Cândido e Pantico Rocha, têm presença cativa no disco. E outros mais jovens, como Bruno Perdigão e Thales Catunda (do Bloco Luxo da Aldeia), marcam seu espaço e fazem a devida reverência ao compositor. "Lado a lado" ganha todo um sentido de reconhecimento da obra de Marcus Dias para a música cearense, também com a assinatura de Caio Castelo na direção musical e na feitura dos arranjos, ao lado do pianista Thiago Almeida.
"Estava previsto, no projeto, o Caio fazer todos os arranjos. Mas o Thiago já estava fazendo os arranjos das músicas do novo CD do Isaac Cândido, que também tem algumas letras do Marcus. Daí ele resolveu deixar as músicas que são em parceria com o Isaac nas mãos do Thiago", situa Ângela Serpa, esposa do compositor.
Das 11 faixas do disco (mais uma faixa-bônus), 7 foram feitas em parceria. Marcão observa que a disposição em dividir a criação da obra parte de um ideal de buscar "o casamento perfeito entre letra e música". "Daí conhecer o compositor é fundamental para saber que tipo de letra se encaixa melhor com o estilo de melodia de cada parceiro", complementa.
Até chegar a este disco, o sétimo da carreira, Marcus Dias teve três álbuns gravados em parceria com Isaac Cândido e outros três ao lado de Pantico Rocha. "Lado a Lado" registra, no entanto, o compositor inteiro em todo o processo, da seleção do repertório à aprovação do projeto gráfico (assinado pelo artista plástico Eduardo Freire). A imagem da capa traz as mãos unidas por ele, sua esposa Ângela, e os filhos Pedro e João.
Marcus lembra que, desde a composição de "Os bêbados", reconhecida no cenário da música autoral cearense, não parou mais de escrever. "Foi minha primeira música completa, tanto a letra como a música, composta aos 18 anos. Escrever era o que me dava sentido", reflete.
Impressões
Como espectador do documentário sobre o próprio disco, o compositor agradeceu pelo resultado do filme. E sentiu o cuidado com que foi feito todo o trabalho. "As etapas, as conversas com os parceiros, intérpretes, arranjadores. O entendimento da parte deles sobre como eu gostaria que ficassem todas as músicas foi essencial e me deixou completamente satisfeito. O documentário me emocionou, ao ver todo o processo", conta.
Para dar vazão a novas ideias, pela frente, o artista ainda precisa seguir se restabelecendo. "Ainda não consegui voltar a escrever como gostaria, tenho muitas ideias. Mas não consigo expressá-las como estão na minha cabeça. Não consigo organizar em palavras os poemas e letras que estão presos na minha cabeça. As ideias ainda estão se reorganizando", observa.