Como qualquer brasileiro angustiado pelos acontecimentos recentes do País, tentei aplacar a tristeza recorrendo à arte. Escolhi um suspense daqueles. Esquema "filme B". Preto e branco. Assisti "Dead Man's Eyes" (1944), estrelado por Lon Chaney Jr. (1906–1973).
O ator, imortalizado pelo papel da fera em "O Lobisomem" (1941) interpreta um talentoso pintor. "Tanto no pessoal como no profissional", o artista testemunha o melhor momento. No entanto, tudo desmorona quando um acidente o deixa cego. Que dilema!
Coisa de poucos dias aconteceu uma coincidência. Das melhores, diga-se. Falo de "O Som do Silêncio". A produção da Amazon Prime foi indicada a seis categorias no Oscar 2021. Incluindo "Melhor Filme" e "Ator". A lista completa está aqui. O trailer apresenta um pouco do conceito em torno do elogiado trabalho.
O baterista Ruben (Riz Ahmed) segue a vida ao lado da namorada e parceira de banda, Lou (Olivia Cooke). Em meio a uma turnê, explode o desespero. O músico perde a audição. Um pesadelo inimaginável. Como lidar com esta rasteira? Vale ressaltar, o perigo da perda auditiva entre os profissionais da música é real.
Tanto "Dead Man's Eyes" como "O Som do Silêncio" centralizam estes dramas na perspectiva de artistas. As semelhanças param por aí. A fita do Lon Chaney Jr. é outra experiência. Arriscaria categorizar como um saboroso "terrir" (termo criado pelo cineasta brasileiro Ivan Cardoso) involuntário.
O baterista de Riz Ahmed
A missão de "O Som do Silêncio" é outra. A obra de Darius Marder marca sua estreia na direção de longas ficcionais. E o cineasta chegou com o pé direito e muita competência. A trama desenvolve e nos coloca à par de toda a dor e angústia de Ruben. É tocante ver alguém perder aquilo que dava sentido à vida e a interpretação de Riz Ahmed é cirúrgica.
Darius Marder ilumina o difícil processo de aceitação que consome o protagonista. Sabemos que o baterista já enfrentou outras barras pesadas. Mas, nada equiparado a deixar de ouvir. A música é o elemento de equilíbrio na rotina de Ruben. Da arte, o músico retira o combustível necessário para lidar com os perrengues.
O som da reflexão
"O Som do Silêncio" acerta ao propor a reflexão. Não apela a respostas fáceis ou soluções fantasiosas para contar a agonia de Ruben. Não romantiza ou vende uma ideia superficial de "superação".
A queda do músico lhe trouxe luto, frustração e medo. Isso é narrado nos detalhes, a partir de imagens contemplativas e delicadas. Melancolia e desesperança estão em cenas da estrada, em quartos apertados.
"Seguir em frente" requer curar feridas anteriores.
O resultado positivo também explica a existência de um elenco afiado. Joe, vivido pelo ator Paul Raci, é o farol que tenta guiar Ruben nessa tempestade. Sua participação é comovente e brilha no correr da obra.
"O Som do Silêncio" é daqueles filmes que te deixa calado por horas. Um belo exemplo do quanto a arte é salvadora, pelo fato de nos tirar da zona de conforto. Nada mais excepcional.
Nos próximos dias, quero ver "O Lobisomem". Valeu, Lon Chaney Jr.