A promessa de um catálogo amplo, diverso e inesgotável foi um dos pontos que ajudou os streamings a se solidificarem no consumo cultural no Brasil. No entanto, casos recentes de retirada de conteúdos de plataformas — de músicas de artistas como Djavan e Gal Costa aos realities “Rio Shore” e “Drag Race Brasil” — fragilizam essa ideia ao lembrar que a série ou música que está em uma delas agora pode não estar amanhã.
No fim de janeiro, músicas de artistas brasileiros como Djavan, Gal Costa, Maria Bethânia e Roberto Carlos ficaram indisponíveis no Spotify, principal plataforma de música no País. Na mesma semana, diversos conteúdos nacionais da Paramount+, do reality “Drag Race Brasil” à série infantil “Marcelo, Marmelo, Martelo”, saíram do acervo do serviço.
Administrador da página Info Drag Race Brasil no Twitter, dedicada à versão brasileira do reality de sucesso global, o brasiliense Leonardo Ferreira, 20 anos, foi um dos fãs surpreendidos pela retirada do programa da Paramount+.
“Eu acordei e primeiro vi a notícia que tinha saído. Daí, fui atrás de ver se era verdade e realmente era. Primeiro, eu fiquei achando que era mentira. Fui buscar se tinha saído do aplicativo, ver com outras pessoas”, diz em entrevista ao Verso.
O compartilhamento e repercussão da retirada entre amigos também aconteceu com o professor Vinícius André, 26 anos, um dos administradores da página Estúdio Djavan no Instagram, quando álbuns do cantor deixaram o Spotify.
“Fiquei sabendo da retirada das canções do streaming pelo WhatsApp, uma amiga me enviou um print do Twitter, onde o assunto repercutiu bastante”, explica. Na ocasião, ele cogitou que o fato teria ocorrido por algum problema com gravadoras. A “teoria”, no entanto, ainda não foi confirmada. “Até agora, não fiquei sabendo de uma explicação, o porquê isso aconteceu”, aponta.
Sem posicionamento oficial
Tanto no caso das músicas quanto no do reality, não houve justificativas ou explicações oficiais sobre as retiradas dos conteúdos na ocasião. O Verso buscou as assessorias do Spotify e da Paramount+ em busca dos posicionamentos das empresas, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
No caso da plataforma musical, os conteúdos já retornaram normalmente. Já na plataforma audiovisual, as séries e filmes foram de fato retirados. Conforme a publicação The Hollywood Reporter, a Paramount+ removeu conteúdos originais internacionais para “gerenciar custos” e “maximizar conteúdo com maior impacto”.
Além disso, as versões internacionais de “Drag Race” que constavam nela — incluindo a brasileira — foram, cinco dias depois do “sumiço”, anunciadas oficialmente como exclusivas da WOW Presents Plus. A plataforma é pertencente a World of Wonder, produtora original da franquia, e irá acolher a segunda temporada de “Drag Race Brasil”.
Impactos do “sumiço”
“Eu só assinava (Paramount+) por causa disso, era a única razão. Agora que eles tiraram, cancelei. Estou achando bom porque é um a menos pra pagar”, aponta Leonardo, que diz já ser assinante da plataforma da WOW Presents Plus. Além de questões de assinatura, há ainda impactos simbólicos.
“As pessoas sentiram muito essa retirada. Por mais que tenha ficado poucos dias fora do ar, na internet tudo parece uma eternidade. Até porque as pessoas têm consumido as canções digitalmente. É muito raro o consumo por CD, por exemplo”
“Entendi muito bem quem é colecionador de vinil. É uma segurança de que se você tem aquele disco, você vai poder ouvir. Na internet, as coisas somem, desaparecem sem uma explicação e isso faz falta”, avança o professor.
O fato, inclusive, chegou a estimulá-lo a pensar em investir em mídias físicas. “Fiquei com vontade de começar a colecionar vinil depois disso (risos). Além de ter um charme a mais — todo o encarte, a ficha técnica, que não é uma coisa que aparece no Spotify, por exemplo. Fiquei com essa vontade aguçada”, compartilha.
O que diz o Direito
Uma vez que um conteúdo “suma” de uma plataforma, o usuário pode agir caso se sinta lesado ou o aceite dos “termos de uso” — muitas vezes nem lidos pelo cliente — livram as plataformas de responsabilidade?
Como explica a advogada Cecilia Rabelo, membro do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult) e pesquisadora na área, há diversas razões que levam a uma retirada de conteúdo — e, dependendo delas, a reação do consumidor é ou não possível.
Entre motivos que podem levar a uma retirada de conteúdo, há tanto problemas técnicos como questões contratuais entre gravadoras, artistas e plataformas, por exemplo. No primeiro caso, há possibilidade de reclamação.
“Problemas de ordem técnica podem ser questionáveis, a partir do Código de Defesa do Consumidor, porque é um direito do consumidor ter um serviço de qualidade”, aponta Cecilia. Já no caso de problemas contratuais, a situação é diferente.
“É realmente uma questão interna (entre as partes) e os termos de uso da plataforma já dizem que é possível que o conteúdo saia do ar por essas questões”, aponta. “Não dá para garantir que, uma vez contratando a plataforma com um determinado rol de artistas, eles vão continuar eternamente nela”, resume a advogada.