Burnout entre artistas: casos de Wesley Safadão e Taty Girl expõem realidade do setor; veja cuidados

Psicóloga destaca importância de não abrir mão de uma rotina de suporte, composta por hábitos saudáveis, aliada à rotina de demandas

Foi uma surpresa quando, no início de setembro, Wesley Safadão anunciou pausa na carreira para cuidar da saúde. O cantor relatou sofrer de transtorno de ansiedade e fez isso após, no próprio show, abrir o coração. “Já faz uns dois, três dias que eu não consigo dormir direito. A vontade é de ficar um pouco mais [no show], mas tenho que aprender a me respeitar”.

No último dia 11 de outubro, foi a vez de Taty Girl. Durante apresentação em São Paulo, revelou ter tido uma crise de ansiedade enquanto cantava. “Ninguém percebeu. Do nada, uma crise de ansiedade, uma vontade de chorar e sair correndo. Fechei meus olhos e pedi a Deus para me sustentar ali. Que coisa ruim. Só sabe quem tem”, publicou.

Os casos expuseram uma realidade até então pouco comentada no setor artístico: o burnout. Termo cada vez mais difundido, pode ser descrito como resultado de intensa dedicação a determinado projeto, associado à frustração em não alcançar os objetivos propostos e consequente estado de esgotamento. Quem descreve é Raquel Rodrigues.

A psicóloga clínica situa que o diagnóstico preciso da síndrome deve ser feito com avaliação médica especializada. No entanto, é possível perceber sinais: dor de cabeça frequente; sentimento de fracasso, derrota ou incompetência; cansaço excessivo mental, físico e emocional; busca por isolamento; insônia e dificuldade de concentração são os principais.

“No geral, os mais claros são irritabilidade, intolerância, fadiga mental e física, além das oscilações repentinas e frequentes de humor sem antecedente aparente – pelo menos três vezes na semana e tendo duração igual ou maior de um mês”, complementa. 

E entre artistas?

Segundo Raquel, casos de burnout entre artistas têm sido mais comuns após a pandemia de Covid-19, quando passaram a ter maiores oportunidades de trabalho e, consequentemente, aumento considerável de demandas. Coube a decisão por vivenciar esse momento e, em paralelo, lidar com a dificuldade de manter uma rotina social e pessoal.

Diante de um retorno bastante esperado de atividades culturais, muitos se viram com agendas lotadas frente a públicos ansiosos por vivenciar novamente tudo o que foi reprimido. Nessa ascensão, artistas em geral passaram a trabalhar mais e mais. 

“Além disso, ocorreu um crescimento das agendas para além de shows, envolvendo também uma rotina de compromissos sociais em decorrência do uso frequente das redes virtuais e toda a pressão/cobrança associada a essa intensa exposição da imagem”, percebe a psicóloga.

Somam-se a Wesley Safadão e Taty Girl, nomes como Tatá Werneck, já internada na Unidade de Terapia Intensiva devido a uma forte crise de ansiedade; Giovanna Ewbank, atormentada por esgotamento no trabalho; e Mel Maia, com crises de insônia. Entre as celebridades internacionais, estão o cantor Justin Bieber e a atriz Bonnie Wright.

Durante o adoecimento e em alguns estágios da síndrome, a vítima do burnout percebe extrema dificuldade em desempenhar atividades em virtude da própria sintomatologia da doença. Logo, é preciso, como parte do tratamento, um afastamento para que a pessoa retorne gradualmente após redução de sintomas. Foi o que ocorreu com Safadão e Taty Girl.

Raquel ainda mensura os impactos do transtorno entre artistas a curto, médio e longo prazo. No primeiro estágio, é notável o cansaço físico, emocional e mental, às vezes dores de cabeça ou no corpo. Por sua vez, a médio prazo, outros sintomas começam a surgir com maior frequência e intensidade. 

De forma permanente, o caso pode se agravar ao ponto de a pessoa ter crises de ansiedade, dificuldades para dormir, trabalhar e se socializar, sendo, assim, um escalonamento no bloqueio mental, emocional e físico quanto ao desempenho na vida em geral. 

Sensação de paralisia

Atriz do grupo cearense Bagaceira de Teatro, Tatiana Amorim, 44, vivenciou na pele esse desmoronamento do próprio “eu” devido ao burnout. Após a pandemia, no fim de 2021, ela caiu de cabeça no trabalho para tentar “esquecer” as crises diárias de ansiedade que a acompanhavam por meses. 

Bastou o ano virar para ficar acamada por cinco dias sem reagir a nada: estava exausta. Não conseguia se alimentar nem fazer atividades básicas “Procurei ajuda terapêutica, e foi então que ouvi a palavra burnout. Até então não sabia nada sobre. O terapeuta pediu para eu ler em voz alta o que era burnout e me identifiquei com cada linha”, relata.

O curioso é que, no trabalho, a síndrome não a atrapalhava – em contraponto à ansiedade, cuja reação era a paralisia. Pelo contrário: o excesso de energia causado pelo burnout a ajudava a executar os milhares de compromissos. Em casa, porém, a irritabilidade aflorava, bem como insônia, falta de apetite, taquicardia e sentimento de fracasso. 

“Foram seis meses convivendo com isso. Impactou diretamente na minha participação em um projeto cinematográfico que o Bagaceira e a Marrevolto estavam fazendo na época. Me sentia deslocada e sem vontade de estar lá. No início de 2021, precisei diminuir o ritmo de trabalho para poder me restabelecer”.

Hoje, Tatiana consegue separar bem a rotina de trabalho da rotina de vida. Voltou a fazer atividades físicas e aprendeu a nadar. Em suma: abre espaço na agenda para cuidar de si, com tempo para lazer ou simplesmente para não fazer nada. 

E quando percebe que está entrando novamente em “modo sobrevivência”, freia o cotidiano e faz programas cujo resultado seja puramente o bem-estar. “Também converso muito sobre o que estou sentindo com pessoas próximas”. 

Como se cuidar

O termo burnout surgiu em meados dos anos 1970, mas se popularizou sobretudo após a pandemia em virtude do aumento de casos associado ao contexto de trabalho na modalidade home office.

Traduzida, a expressão tem como referência o que deixou de funcionar por exaustão, uma vez que, na tradução literal, a junção das palavras “burn” e “out” significa, respectivamente, queimar e fora ou queimar por completo. 

A fim de evitar essa condição, é importante não abrir mão de uma rotina de suporte e combiná-la à rotina de demandas, conforme defende Raquel Rodrigues. “Ter um sono regular e de qualidade, praticar atividade física, cultivar momentos de descanso ou relaxamento e limitar o tempo de trabalho. Além disso, também é fundamental realizar psicoterapia como intervenção direcionada aos sintomas e uma especializada no quadro clínico”.

Questionada se, na contemporaneidade, é possível alguém sair ileso ao burnout, a estudiosa não titubeia: sim, muito embora estejamos vivenciando um aumento considerável nos casos de pessoas diagnosticadas com a síndrome. 

“Para isso é de extrema relevância construir limites saudáveis sobre as áreas da vida, de modo que nenhuma delas, principalmente a profissional, se sobrecarregue e leve a pessoa a desenvolver o quadro de exaustão extrema física, emocional e mental”.

Tatiana Amorim, na outra ponta, avalia: “Se essa pessoa que não sofre bornout existe, quero ser amiga dela. Temos 24 horas diárias e, se pudéssemos, produziríamos durante todas elas – tem gente que faz isso e adoece. Os jovens de hoje até conseguem, mas quem já passou dos 40 que nem eu, não tem mais esse pique”, avalia.

“Quem quebra essa barreira paga com a vida. Eu quase paguei quando tive um AVC isquêmico aos 32 anos... Foi o meu burnout da época. E, mesmo sabendo dos riscos, a gente se arrisca, pois precisamos prosperar de alguma forma”.