Bibliotecas comunitárias desenvolvem atividades virtuais para amenizar impactos da pandemia

A partir da reabertura da biblioteca comunitária Livro Livre Curió, na terça-feira (4), para empréstimo presencial de obras, o Verso faz um apanhado da situação de outras casas comunitárias do livro em Fortaleza neste difícil momento

Nada do que é essencial parou totalmente com a pandemia do novo coronavírus. Que o digam as leituras e o árduo trabalho das bibliotecas comunitárias de Fortaleza. Ainda que diante de um contexto bastante turbulento, esses espaços de refúgio e potência criativa continuam a tecer movimentos em direção à valorização da cultura e do saber.

Um dos idealizadores da Livro Livre Curió, Talles Azigon afirma que, a exemplo das outras casas comunitárias do livro na cidade, a que está sob sua tutela não parou as atividades de um todo, investindo no recebimento e organização de doações e redistribuição dos itens na localidade em que está sediada.

“Além disso, dialogamos para que as pessoas seguissem as medidas sanitárias recomendadas. A pandemia nas comunidades foi muito diferente nos bairros de pessoas com mais recursos. Aqui, existem muitas variantes entre a fome e a morte, o vírus e a falta histórica e estrutural de informação e conhecimento”, contextualiza.

Obedecendo às recomendações públicas, os organizadores da Livro Livre primeiramente aguardaram a sociedade se movimentar para, então, pensar em uma reabertura da biblioteca para empréstimo de obras. A partir do anúncio do retorno da Biblioteca da Universidade Federal do Ceará, no dia 29 de julho, eles sentiram que era o momento para também voltarem à ativa no que toca a essa atividade. Ontem (4), a casa, com todos os cuidados, tornou-se presencialmente frequentada de novo.

“Estamos priorizando o uso de máscara, o distanciamento espacial e a higienização das mãos. Inclusive, o uso de máscara no Curió teve um apoio muito grande da biblioteca; quando ninguém estava aderindo, distribuímos cerca de 150 delas com a ajuda de apoiadoras”, conta Talles.

Forças e fragilidades

Extremamente fragilizada devido ao nebuloso panorama, a casa se mobiliza de várias formas para não esmorecer. Um dos exemplos tem sido o apoio recebido por professores de instituições de ensino básico e superior e também de editoras, como a Moinhos (MG) – tocada pelo cearense Nathan Matos – e a Dantes (RJ).

Em paralelo aos auxílios, constantemente estão sendo realizadas ações que possam fomentar a dinâmica já conhecida da biblioteca. Uma delas foi a criação de um projeto chamado Percursos Formativos, realizado virtualmente, cujo um dos enfoques se deu sobre Literatura Marginal e com parte do público pagante; a criação da revista digital Coletiva, vendida a R$ 10 e com colaboração de várias escritoras e escritores cearenses; e a produção de um site oficial do espaço.

“Seria mais fácil fechar pra sempre nossas bibliotecas, haveria uma ‘preocupação a menos’. Mas isso não aconteceu porque elas dão sentido às nossas vidas e aos lugares onde elas estão”, destaca Talles. “A pandemia mostrou o óbvio: que a leitura pauta a sociedade e que quem pode exercê-la realiza aquilo que alguns chamam de cidadania. Logo, toda dificuldade que atravessamos é ainda por conta do entendimento de que o mundo seria bem mais precário sem as bibliotecas comunitárias. Isso é uma certeza nossa. Se o Estado não reconhece, nossa missão é fazer a sociedade civil reconhecer e conquistar o máximo de pessoas para a causa desses espaços, que são causa de sobrevivência”.

Falta

A biblioteca comunitária Sorriso da Criança, no bairro Presidente Kennedy, também está se adaptando aos efeitos da pandemia. De acordo com Janaína Gomes, mediadora de leitura, e Alilian Gradela, coordenadora da biblioteca, os desafios são constantes por vários motivos, sobretudo devido às dificuldades de acesso à internet por muitas famílias.

Ainda assim, é nas possibilidades que o meio digital oferece que elas encontram alternativas para driblar os entraves. “As atividades estão acontecendo por meio do grupo do WhatsApp que nós temos. Por ele, enviamos mediações de leitura, contação de histórias, livros de literatura em PDF, dicas de filmes e brincadeiras também. Algumas crianças enviam um retorno, relatando sobre o que entenderam da história e contando como está sendo o cotidiano nesses dias de distanciamento social”, situam.

Ambas acreditam que o desejo de o público frequentador do espaço não parar deve-se, especialmente, à presença constante da biblioteca na rotina de cada um. “Intensificamos as postagens nas redes sociais e tem sido um retorno muito positivo”, dizem as responsáveis pela casa.

“Estamos adequando a biblioteca para aumentar a ventilação e luminosidade, e possuir equipamentos de proteção individual. Nossa intenção é um retorno parcial, duas vezes por semana, para empréstimos de livros. As demais atividades continuarão de forma remota, por enquanto”.

Sob outro espectro, Janaína e Alilian também situam dificuldades quanto à manutenção do espaço. Para superá-las, estão conseguindo permanecer com a equipe de mediadores e auxiliares e contam com o apoio da associação do bairro. “Mas cada dia está mais difícil. Estamos aguardando a liberação de recursos da Lei Aldir Blanc, que terá um eixo de manutenção dos espaços culturais”.

“Além disso, buscamos parceiros e estamos contribuindo com doações de cestas, material de limpeza e higiene e também kits de materiais pedagógicos para a realização de atividades. Na semana passada, iniciamos a entrega do kit Meu Diário na Quarentena. Assim, as crianças terão maiores condições de desenvolver o que propomos”, sublinham.

Fomento

No bairro Jardim Iracema, a biblioteca comunitária Mundo Jovem até de um arraiá literário virtual participou como forma de continuar despertando no público o gosto pelo saber. “No evento, ensinávamos a fazer comidas típicas, passos de danças juninas, música, artesanato e mediação de leitura”, enumera Kaciane Silva, profissional do livro atuante no espaço.

Ela diz que, nas plataformas digitais da biblioteca, são inseridas informações sobre a Covid-19 a partir da indicação de obras, leituras e autores. Transmissões ao vivo sobre temáticas voltadas para a literatura também estão entre as ações realizadas, e os organizadores da casa passaram a se encontrar semanalmente em reuniões on-line para traçar estratégias e compartilhar conteúdos. 

“Outra atividade são as gravações das mediações de leitura. Esse material é enviado individualmente para os leitores e eles sempre devolvem com feedbacks sobre a história que foi contada”, conta Kaciane. “O bairro no qual a biblioteca está inserido foi muito atingido pela pandemia, o que deixou a comunidade bem tensa. Dentre os frequentadores que conseguimos manter contato, identificamos vários que estão sendo impactados”, conta a mediadora de leitura.

A rede Jangada Literária, na qual a biblioteca faz parte, tem fortalecido iniciativas da casa e de outras 11 dedicadas à leitura na cidade por meio de campanhas. “Neste começo de semestre, estamos traçando pontos estratégicos para a retomada das atividades parcialmente, como os empréstimos de livros, sempre tomando os cuidados necessários”, afirma. 

“A maior lição que tirei desse momento é a importância da biblioteca para a comunidade. Muitas famílias falaram da dificuldade do acesso ao livro neste tempo, já que o único meio para isso era a biblioteca. Somos também ferramenta de auxílio para as pessoas que desenvolveram ou já tinham transtornos psicológicos. Muitas afirmaram que a leitura diminui os sintomas e ajuda a enfrentar esse complicado tempo”, conclui.

Serviço
Empréstimo presencial de livros na biblioteca comunitária Livro Livre Curió
Diariamente, das 9h às 20h. Capacidade máxima: 7 pessoas. Rua George Sosa, 109, e Rua Leonice Aguiar, 330, Lagoa Redonda. Contato: (85) 3212-5336.
Acesse também as redes sociais das bibliotecas comunitárias Sorriso da Criança (@bibliotecasorriso) e Mundo Jovem (@bibmundojovem)