“A estética não é o fim, mas uma construção”: entrevista com Paula Dib
A designer conversou com o Verso sobre o processo de consultoria das viagens empreendidas por Ai Weiwei pelo Brasil
No texto de apresentação do website alimentado com os trabalhos da designer Paula Dib, consta que a profissional “revela belezas de onde menos se espera”. De fato, o ofício desenvolvido por ela é minucioso, cirúrgico, sem deixar de contemplar dois dos principais pilares da produção artística: sensibilidade e reinvenção.
Vencedora do prêmio internacional Young Design Entrepreneurs of The Year de 2006, Paula é destaque no segmento que atua por também se dedicar a registrar algumas das histórias que conheceu em suas andanças. Foi assim com os trabalhos desenvolvidos no Ceará, em países do continente africano e em Londres, por exemplo, todos reveladores de um singular olhar sobre o mundo, a arte e as pessoas.
Em entrevista ao Verso, ela conta detalhes sobre a empreitada realizada com o artista plástico chinês Ai Weiwei pelo Brasil para a exposição “Ai Weiwei Raiz” – em cartaz até 20 de janeiro de 2019 no edifício da Oca, Parque Ibirapuera, em São Paulo – além de pormenores sobre os projetos que empreende. Leia na íntegra:
> Artesanato cearense é presença em São Paulo
> Artista plástico Ai Weiwei é descobridor dos Brasis
> O artesanato de Beto Soares
> Severino Souza e o simbolismo da arte
> Natan Alves e a valorização do ofício manual
> A curiosa estrada artística de Nil Morais
Verso: Quando aconteceu efetivamente a imersão de Ai Weiwei pelo Brasil? E qual a motivação dele para isso?
Paula: O Marcello Dantas (curador da mostra) entrou em contato com o Weiwei se não me engano em 2013. E, devido a uma série de acontecimentos, a vinda dele para o Brasil só pôde se efetivar em agosto do ano passado. Logo nessa primeira vinda dele, ele declara que chega “vazio”, “pronto pra receber”. E sem nenhuma expectativa, sem nada, realmente limpo, uma página em branco. Nessa primeira viagem, ele teria chance de andar por São Paulo, Rio de Janeiro e por Paraty, onde teve o contato com a mata e foi percebendo a abundância de nosso país. Acredito que um dos fatores que fez com o que Weiwei aceitasse vir para a América do Sul tem relação com o pai dele, um grande poeta chinês, o Aì Qīng, que teve a chance de vir para a América do Sul. Na ocasião, ele até conheceu o Pablo Neruda, virou um amigo dele, e esteve de passagem pelo Brasil… Então, de uma certa forma, esse convite foi para refazer esses caminhos que o pai – uma figura importantíssima na vida dele – fez algum dia
Verso: Você atuou como consultora dessa “expedição” dele pelo País. Efetivamente, qual foi sua tarefa junto a ele?
Paula: Meu papel nessa empreitada veio a convite do Marcello Dantas com a ideia de que eu pudesse apresentar mesmo o Brasil ao Weiwei. Isso porque eu venho trabalhando efetivamente há 20 anos com os diversos Brasis, com muitas comunidades produtivas. E como a ideia do Weiwei desde o início era desenvolver aqui os trabalhos e de, a partir disso, se encontrar com a cultura brasileira, isso era um prato cheio. E o Marcello me convidou mesmo para ser essa ponte, entre ele e o Brasil. Seria maravilhoso levar o Weiwei para uma grande viagem, mas não foi isso que aconteceu. Então, eu tive um papel de pesquisa muito grande, de apresentar para ele essas várias camadas onde as comunidades produtivas se localizavam. Eu sempre trouxe um aspecto social, político e ambiental relacionados com o entorno de onde certas coisas eram produzidas. Procurei também trazer uma gama de opções, de possibilidades, que cobrissem mesmo o território brasileiro. Tivemos coisas, então, do Sul até a Amazônia, passando pelo Ceará, claro, e entre outros lugares. E desenvolvemos todo um processo, testamos várias possibilidades, e ao final foi afunilando porque nem todas as coisas eram possíveis e viáveis dentro do tempo que a gente tinha ou até mesmo das condições técnicas que a gente tinha.
Nesse movimento, uma vez que a gente elegia uma matéria-prima – como, por exemplo, o arumã, na Amazônia – procurávamos entender: qual é a sazonalidade dessa matéria-prima? Quais são os processos para a colheita? Quais são os impactos ambientais dessa colheita? E por aí vai. Em alguns casos a gente desistiu porque o processo não coincidia com a sazonalidade daquele material dentro do nosso tempo de trabalho. Enfim, foram vários fatores que foram fazendo a gente escolher isso ou aquilo. Mas, quando a exposição fica pronta, a gente percebe que ele foi criando mesmo um mapa que orientou essas escolhas.
Verso: Em ordem cronológica, por quais lugares ele passou?
Paula: Ao todo, foram apresentadas para ele 16 comunidades – das mais variadas, como eu falei – e ele não percorreu todas elas. A base principal do trabalho foi em Trancoso, na Bahia, onde a gente trabalhou com as raízes e com a grande árvore, que foi moldada ao longo de cinco meses de trabalho envolvendo muitas pessoas. Ela, sim, foi o grande símbolo desse encontro entre Weiwei e Brasil.
Verso: Especificamente sobre o contato do Weiwei com os artesãos de Juazeiro do Norte, aqui no Ceará. Como ele manifestou interesse em utilizar os ex-votos feitos pelos artistas? Como foi esse contato com eles?
Paula: A gente teve com ele aqui, em São Paulo, no Museu Afro Brasil, e esse espaço tem uma coletânea enorme de ex-votos. E isso o impressionou, aquela parede. Ele ficou muito intrigado com isso – com a questão da religiosidade também – e várias coisas que diziam da nossa cultura através dessas obras. Então, ele me perguntou sobre isso e eu já conhecia os artesãos ali de Juazeiro do Norte de outras empreitadas e foi aí que tudo começou: entrei em contato com eles e foi uma demanda diferente das outras que partiram. Foi uma oferta minha. A questão dos ex-votos ele se interessou desde a primeira vez que ele viu.
A partir desse momento, eu realmente virei uma ponte entre eles e os artesãos. E, enfim, por trabalhar com os artesãos há muitos anos, eu construí um processo com eles de forma que a gente conseguisse transmitir o que o Weiwei buscava, desejava, mas que eles mantivessem todo o imaginário e a leitura que eles tinham das obras. Não era uma encomenda estática, mas, sim, algo que eles tinham liberdade para construir junto com o artista.
Na região do Cariri, eu trabalhei principalmente com os mestres do couro, com os mestres sapateiros, e fiz um filme sobre o Espedito Celeiro. Mas meu conhecimento da região vem de antes disso. Lá por 2004 eu já estava por lá e conheci, desde então, os artesãos do Mestre Noza, em contato com todo esse caldo cultural que é tão forte na região do Cariri.
Com os mestres sapateiros, a gente desenvolveu um projeto grande de resgate e de redirecionamento. Do resgate do saber fazer dos sapatos, principalmente, e da revalorização disso. Isso aconteceu entre 2011 e 2013.
Verso: Do que o Weiwei comentou sobre esse processo de imersão pelo Brasil? O que ficou mais forte para ele, na sua visão?
Paula: Eu sinto que foi um processo muito intenso. Eu comentei da grande árvore, que resolvemos moldar lá no sul da Bahia, e essa grande árvore na verdade foi um marco do processo como um todo porque foi ali que ele realmente viveu todas as esferas do nosso país. Desde a burocracia dos portos para receber o silicone, os trâmites na própria cidade, ou o modo de trabalho do brasileiro. Ali foi o processo onde ele pôde se encontrar com todo o nosso arcabouço. Ele viveu mesmo intensamente a cultura brasileira para poder realizar esse trabalho. Com relação às outras frentes que foram feitas, foram processos que foram vividos à distância e ele se surpreendeu demais quando ele viu. Na abertura das caixas, conforme ele ia vendo os ex-votos, ele ia se emocionando mesmo, porque ele percebia a beleza dessa, de como, na visão dos artesãos, eles enxergavam e representavam o trabalho dele. Foi um momento muito bonito do processo, uma coroação desse processo. Foi super bonito.
Verso: Qual a relevância de atitudes como essa do artista, de não se conformar apenas com um recorte específico de trabalho artístico, mas envolver vários em um só, construindo uma estética plural?
Paula: Eu acredito que a estética no trabalho do Weiwei está num lugar muito diferente. A estética não é o fim, na verdade é uma construção. A estética é o processo. O processo é estético, é cuidado em todos os aspectos de forma muito precisa, muito rigorosa, cuidadosa, amorosa… Sabe? Então, o processo é a estética. O resultado é apenas o fim. Mas acho que o que ele conduz com o trabalho que executa é muito mais amplo, diz de muitas coisas. Diz da humanidade como um todo e da nossa humanidade, como a gente vive e percebe o mundo, de como a gente está no mundo. É um trabalho absolutamente político e importante. Acredito que é por isso que o resultado final seja tão diverso – as plataformas, as escolhas, os caminhos – porque a unidade não está aí. Acho que a unidade está no questionamento, na visão política dele, que questiona mesmo e que põe a gente pra pensar.