Assim como as relações sociais se modificaram com o tempo, a comunicação, especificamente a publicitária, vive seus momentos de transformação. Empresários e publicitários, que deveriam estar do mesmo lado, acabam portando-se como inimigos. Enquanto alguns buscam o reconhecimento dos pares com prêmio, outros argumentam que os resultados financeiros é o que importa.
Olhar este embate nos faz retroceder ao tempo de como foram estabelecidos os modelos de remuneração das agência. O cliente procurava a agência com um determinado problema de comunicação, uma verba estabelecida e a agência administrava, de maneira estratégica, a verba do cliente. Aí, naqueles tempos, começaram os problemas de relacionamento entre cliente e agência.
As agências se consolidaram e passaram a ser o ponto mais forte da relação. O mercado publicitário passou a reconhecer - e estabelecer - o que era bom ou ruim em termos de propaganda. Prêmios surgiram, os publicitários alcançaram o posto de celebridades e as agências entenderam que criatividade é o diferencial que torna as marcas desejáveis.
Tudo certo, não começassem a surgir questionamentos entre as empresas e seus contratados em relação à gestão da verba. Resultados que não apareciam, prêmios conquistados sem retorno do investimento e, finalmente, o surgimento da internet que, mais que facilitar o encontro do público de interesse, trouxe uma nova variável para o jogo: a mensuração dos resultados.
Agora passamos a assistir ao começo do fim de um modelo secular: a propaganda como negócio comissionado está chegando ao fim. Calcada em resultados, a nova comunicação transcende a criação - ou construção - de peças on ou offline. A nova comunicação está consolidada no branding e no data driven. Mais que oferecer produtos, ela constrói relações das marcas com os seus stakeholders. Empresas esperam soluções. As novas agências começam a compreender que os dinossauros estão em extinção: ou seja, as grandes corporações de comunicação, com centenas de funcionários fixos e espaços alugados em bairros nobres. Hoje, pequenos mamíferos, com equipes enxutas e absolutamente conectadas ao mundo, movem-se rapidamente entre os meteoros que atacam o solo empresarial. As agências passa a ficar mais próximos dos clientes, montam equipes adequadas a projetos com começo, meio e fim. Resultados planejados, mensurados e, principalmente entregues. Agências e clientes em sintonia máxima por compreender que o mundo é outro, o modelo é outro.
A ciência de dados passa a ser elemento norteador do próprio processo criativo. Não que ela ocupe o lugar do humano, mas permite uma orientação que vai além do insight ou da “sacada”. Estamos entrando na era dos dados como norteadores de tomada de decisão, o processo criativo nada mais é que uma tomada de decisão. Temos a construção de personas, ferramentas como PESTEL, desenvolvimento de namings, apenas para citar alguns dos processos que, hoje, são muito mais efetivos quando trabalhados sob o viés do levantamento de dados.
Onde os alarmistas assistem a crise no negócio da comunicação, aqueles com olhar atento, enxergam o processo de metamorfose. Muita gente vê a ciência de dados como o capeta reencarnado. Besteira. A ciência de dados é uma ferramenta e, quando utilizada com ética, não pode ser demonizada. A ética não é um processo das máquinas, a ética é humana. As decisões são humanas.
A comunicação, atualmente, deve se portar como consultora de negócios. Oferecemos oportunidades para resolver problemas relacionados à imagem, discurso, sociedade e tudo que nos cerca. Transcendemos o mero "compre" e passamos a vender um posicionamento, uma visão de mundo. Não se vende mais sabonetes ou cremes, vende-se autoestima e soluções de identidade. Vende-se produtos que possam andar ao nosso lado. Marcas que pensem como nós ou traduzam o que pensamos.
O mundo mudou. A comunicação mudou e assenhorou-se de outros campos. Deixou de lado cisões entre jornalistas, publicitário e RPs e passa a habitar um universo holístico profissional para construção de marcas. O consumidor, de passivo, passou a ser gerador de conteúdo. Passou de alvo a arco. Nele, consumidor, reside a compreensão das decisões que devem ser tomadas pelas empresas.
O mundo mudou. Fora a visão obtusa dos negacionistas proprietários de agências, estamos no ponto de inflexão. É o momento de repensar, inclusive, o universo da formação dos publicitários. Deixaremos de ser técnicos para sermos pensadores. Vamos passar de Táticos a Estrategistas. Objetivos e verbas mais claramente compartilhados, trabalhos com começo, meio e fim e não mais a existência de contratos do tipo “até que a morte nos separe.”. Objetivos traçados, mecanismos de mensuração, grandes volumes de dados, I.A., aprendizado de máquina, linguagem natural e outras expressões que passaram a habitar nosso espaço profissional.
As relações entre agências tradicionais e empresas sem visão estratégica estão perto de um ponto de mutação. O que mais nos anima é perceber que, como tudo no universo, o movimento é o que caracteriza a matéria. No dia que estivermos estagnados, no dia que o universo parar de se expandir, viveremos o big crunch. Então, viva a transformação e o movimento.
Carlos Bittencourt
Especialista em Marketing e mestrando em Marketing e Gestão Comercial Professor do curso de Jornalismo, Coordenador do Núcleo Integrado de Comunicação e compõe o Núcleo de Estudos e Pesquisa em Comunicação Empresarial (NEPCE) na Universidade de Fortaleza.