Apenas 3% das vagas de trabalho para presos e egressos estão ocupadas no Ceará; TRT intervém

Lei estadual criou cota de vagas, mas há, pelo menos, 1,8 mil postos de trabalho disponíveis e apenas 55 preenchidos. Comitiva de magistrados visitou nesta quarta (13) complexo penitenciário de Itaitinga para conhecer sistema e definir atuação do órgão

Legenda: Por lei, as empresas terceirizadas do Governo do Ceará são obrigadas a destinar de 3% a 10% das vagas a presos e egressos do sistema penitenciário estadual.
Foto: Carlos Barbosa (TRT-CE)

O Ceará tem uma lei (nº 15.854) que destina vagas de empregos a pessoas em privação de liberdade e egressos do sistema prisional. Mas, apesar da obrigação legal, apenas 55 egressos estão contratados em empresas de terceirização de mão-de-obra e de obras públicas. Isso quando há 1,8 mil vagas disponíveis, segundo a Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso do Ceará (Cispe). 

A norma, sancionada em 2015 pelo governador Camilo Santana (PT), especifica que as vagas devem ser em empresas com contratos com o Estado — terceirizadas — e incluir, ainda, jovens assistidos pelo sistema socioeducativo.

Diante desse cenário, o Tribunal Regional do Trabalho no Ceará (TRT-CE) tem tentado se articular com empresas, secretarias estaduais e órgãos de fiscalização para fazer valer a lei. “Vamos iniciar o chamamento das empresas que tenham essa cota a preencher”, garante o desembargador Antonio Parente, coordenador do Centro de Conciliações do tribunal.

Nesta quarta-feira (13), a convite do secretário de Administração Penitenciária do Ceará (SAP), Mauro Albuquerque, uma comitiva de magistrados do TRT-CE, incluindo o desembargador Parente, visitou as unidades do complexo prisional do Estado em Itaitinga. O grupo pretende conhecer a realidade do sistema para definir melhor o plano de mediação.

Da esq. para a dir., os desembargadores Paulo Régis Botelho e Antonio Parente, o secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, e a coordenadora de Inclusão Social do Preso e do Egresso, Cristiane Gadelha. O grupo visitou nesta quarta (13) o complexo penitenciário de Itaitinga.
Legenda: Da esq. para a dir., os desembargadores Paulo Régis Botelho e Antonio Parente, o secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, e a coordenadora de Inclusão Social do Preso e do Egresso, Cristiane Gadelha. O grupo visitou nesta quarta (13) o complexo penitenciário de Itaitinga.
Foto: Carlos Barbosa (TRT-CE)

Obstáculos para cumprir a lei

Parente acredita que o fato de a legislação ser “recente” e de não haver órgão que obrigue o cumprimento dela é o que mais dificulta a efetivação. Além disso, ele compreende se tratar de uma questão trabalhista e estrutural, que demanda atuação do TRT-CE e de instituições como o Ministério Público do Trabalho (MPT-CE) e a Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

Há, ainda, de se trabalhar o preconceito sobre a mão-de-obra do sistema penitenciário. “O preconceito vem do temor, de achar que a pessoa vai reincidir [no crime] ou não se comportar da forma esperada”, analisa o desembargador, que cita, também, a dificuldade em avaliar perfis dos trabalhadores e distribuí-los conforme a atividade que são capacitados para exercer.

Perfil

Policial penal e coordenador-adjunto da Cispe, Alexandre Pirajá alega que algumas demandas das empresas não contemplam os perfis dos presos e egressos. “Chegou [recentemente] uma solicitação de fisioterapeuta, mas não temos esse perfil. A questão é termos a pessoa”, diz.

Normalmente, de acordo com Pirajá, os perfis disponíveis no sistema prisional para preenchimento de vagas nas empresas são de pessoas com ensino fundamental incompleto, que eram ou se tornam pedreiros, prestadores de serviços gerais, recepcionistas, dentre outros ofícios que não exigem grau de instrução maior.

Primeira mediação

Em dezembro do ano passado, o TRT-CE conduziu a primeira audiência de mediação para preencher vagas nas empresas terceirizadas pelo Governo. A empresa escolhida para dar início ao processo foi a Criart. Conforme a lei estadual, a reserva de vagas deve ser de 3% a 10% das necessárias à execução do serviço. Nos contratos cuja execução necessite de seis a 49 trabalhadores, por exemplo, pelo menos uma deverá ser destinada às cotas.

Um dos principais obstáculos para efetivar a lei, segundo o TRT-CE e a Cispe, é encaixar o perfil do trabalhador com o perfil demandado pelas empresas.
Legenda: Um dos principais obstáculos para efetivar a lei, segundo o TRT-CE e a Cispe, é encaixar o perfil do trabalhador com o perfil demandado pelas empresas.
Foto: Carlos Barbosa (TRT-CE)

No caso da Criart, a empresa tem, segundo o TRT-CE, 87 vagas disponíveis para a cota prevista. No entanto, o representante da empresa, Paulo Lira, informou que há dificuldade em efetivar a contratação de egressos devido ao cronograma de substituições de empregados

“A empresa não coloca obstáculos e deseja cumprir a legislação por acreditar na ressocialização dessas pessoas. A dificuldade é efetivar a contratação em face da substituição de empregados que já laboram pelo contrato”, afirmou Lira ao tribunal.

Ação de vanguarda

Segundo o procurador do trabalho e secretário jurídico do Gabinete do Procurador-Geral do Trabalho, Afonso de Paula Pinheiro Rocha, essa categoria de mediação é vanguardista.

“Porque identifica empresas que estariam sujeitas a cumprir as cotas legais, realiza o dimensionamento dos contratos e dos postos de trabalho, convida essas empresas para ouvi-las e, de forma consensual, extrajudicial e sem ação civil pública, encontramos uma solução para o efetivo cumprimento da cota”, justifica o magistrado. 

O que diz a lei estadual?

  • Empresas contratadas pelo Governo do Ceará para a construção de obras públicas, bem como para a prestação de serviços, deverão reservar no mínimo 3% e no máximo de 10% das vagas necessárias à execução do contrato para egressos e presos em regime semiaberto, aberto ou em livramento condicional;
  • As empresas podem destinar as vagas das cotas a trabalhadores em geral desde que justifiquem o não cumprimento da lei — e isso seja acatado pelo Governo — ou que a Cispe não disponha de pessoa com as características profissionais e psicossociais compatíveis com as atividades a serem desenvolvidas pela empresa contratada;
  • Adolescentes egressos do sistema socioeducativo com idade entre 14 e 16 anos devem prestar os serviços na condição de “aprendiz”;
  • O trabalho deve ser remunerado, não podendo ser abaixo de um salário mínimo.

Fonte: Lei nº 15.854 de 2015.