Procuradoria adverte Incra a voltar a realizar desapropriação de terras para reforma agrária

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão apontou que as resoluções anteriores do Incra "afetam, na grande maioria dos casos, situações há muito tempo consolidadas e geram insegurança jurídica para milhares de famílias no campo"

Escrito por Folhapress ,
Legenda: O Incra foi advertido a parar de decidir por "desistências de desapropriação, cancelamentos de títulos de dívida agrária ou arquivamento de processos administrativos"
Foto: Agência Brasil

O Ministério Público Federal advertiu o Incra a cancelar resoluções que o órgão tem publicado pelas quais desiste de desapropriar terras para a reforma agrária no país. O órgão tem dez dias, a contar desta sexta-feira (23), para alterar as medidas que, segundo o MPF, "podem caracterizar improbidade administrativa".

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), hoje vinculado ao Ministério da Agricultura, foi advertido a parar de decidir por "desistências de desapropriação, cancelamentos de títulos de dívida agrária ou arquivamento de processos administrativos". A recomendação foi emitida pela PFDC (Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão) da PGR (Procuradoria-Geral da República) e subscrita pela procuradora federal dos direitos do cidadão, Deborah Duprat, e mais oito procuradores da República.

A PFDC cita como exemplos casos ocorridos em julho e agosto. No dia 12, o Conselho Diretor do Incra desistiu da desapropriação da Fazenda das Cabras, no município de Figueirópolis (TO), de 2,4 mil hectares, sob o argumento de que há "demora na solução da demanda" e também "alto custo da obtenção".

Segundo a Procuradoria, no entanto, não houve "qualquer análise aprofundada do processo administrativo de desapropriação e consideração acerca da concretização do direito fundamental". A decisão estaria ainda "em dissonância com Comitê de Decisão Regional" do órgão. A fazenda foi declarada de interesse social para fins de reforma agrária em 2010.

Em 13 de agosto, o Conselho Diretor do Incra também emitiu uma resolução pela qual arquivou o processo de desapropriação da Fazenda Macaé, localizada em Andradina (SP), ocupada por trabalhadores rurais sem-terra em 2017, sob o argumento de "reconhecimento da indisponibilidade orçamentária e financeira para disponibilização dos valores correspondentes à indenização".

Segundo os procuradores da República, "outras resoluções do gênero vêm sendo publicadas ou gestadas, sem fundamentação técnica ou atenção às etapas já realizadas, ignorando os recursos dispendidos e a realidade dos potenciais beneficiários da reforma agrária e limitando-se a afirmar genericamente a indisponibilidade orçamentária ou a demora na solução da demanda".

A PFDC apontou que as resoluções "afetam, na grande maioria dos casos, situações há muito tempo consolidadas e geram insegurança jurídica para milhares de famílias no campo".

"Há, no caso, uma violação do princípio da proteção da confiança, uma vez que, transcorridas as etapas da desapropriação, os potenciais beneficiários da reforma agrária nutrem expectativas legítimas de que serão atendidos pela política pública. [...] As medidas administrativas devem levar em consideração os impactos que acarretarão sobre cada grupo de pessoas, com especial atenção sobre a população vulnerável que será beneficiada pela política", diz a recomendação da PFDC.

A PFDC também mencionou os problemas financeiros gerados pelas desistências, que desfazem uma série de atos já praticados pela União. "A paralisação do processo de reforma agrária nesta etapa, após o dispêndio de recursos para a sua efetivação, pode também consistir em ato de improbidade administrativa", afirma a recomendação.

Além da paralisação das desistências, a PFDC adverte o Incra a fazer: "análise dos custos já despendidos para a realização da reforma agrária em cada imóvel, discriminando os gastos e estipulando metas para a concretização dos processos; análise global da política de reforma agrária e da previsão orçamentária, com a realização de planejamento para atendimento pleno dos casos em curso; audiência pública com os potenciais beneficiários envolvidos, de forma a conferir transparência às medidas que pretende adotar; estabelecimento de soluções para o atendimento dos beneficiários da política, em atenção à proteção da confiança". Procurado pela Folha de S.Paulo nesta segunda-feira (26), o Incra não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.