Falsa enfermeira suspeita de aplicar vacina em imunização clandestina em MG é presa

Suspeita é de que falsa profissional da saúde tenha utilizado soro fisiológico no lugar do imunizante

Escrito por Estadão Conteúdo ,
Vacinação clandestina
Legenda: A enfermeira levada é a mesma que aparece em um vídeo gravado por um vizinho da garagem de ônibus onde a vacinação era realizada às escondidas
Foto: Reprodução

Uma cuidadora de idosos que se passou por enfermeira foi presa na noite dessa terça-feira (30), suspeita de participar de vacinação clandestina em Belo Horizonte (MG). Diligências da Polícia Federal realizadas reforçam a suspeita de que empresários tenham caído em um golpe, no qual uma suposta vacinação contra Covid-19 ocorreu na garagem de uma empresa de transporte na capital mineira.

A suspeita é de que a falsa enfermeira tenha utilizado soro fisiológico no lugar do que afirmou ser imunizante contra o novo coronavírus. Mais de 80 pessoas teriam sido submetidas ao procedimento, embora exista a possibilidade de que o golpe tenha sido aplicado a ainda mais pessoas na cidade. 

Robson Lessa e Rômulo Lessa, ligados à transportadora Saritur, uma das maiores de Minas Gerais, repassaram informações sobre os dias em que a suposta vacinação ocorreu na garagem da empresa e de quem lhes vendeu o que pensavam ser vacinas. Eles prestaram depoimento à Polícia Federal na última segunda-feira (29). A garagem utilizada na suposta vacinação é de uma empresa que pertence ao grupo.

As investigações, no começo, levavam em consideração imagens feitas a partir de pelo menos um imóvel vizinho à garagem, localizada no bairro Caiçara. As gravações mostravam movimentação de carros dentro da empresa. A corporação, a partir do material, trabalhava com a possibilidade de a suposta vacinação ter ocorrido apenas na terça-feira (23).

Os empresários informaram à corporação, porém, que o procedimento ocorreu também na segunda-feira (22). O número de pessoas que teriam sido imunizadas, acima de 80, consta em lista apreendida na empresa, que nas investigações aparece com o nome de "Coordenadas". Um funcionário da subsidiária repassou informação de que no local funciona braço da Saritur.

Descoberta da vacinação ilegal

No dia 24 de março, a revista Piauí mostrou que políticos e empresários de Minas Gerais teriam tomado a primeira de duas doses da vacina Pfizer contra a Covid-19 após comprarem o imunizante por iniciativa própria, driblando o SUS — o que é ilegal.

A compra de vacinas pela iniciativa privada foi liberada, mas a lei prevê que haja doação à rede pública enquanto não for concluída a imunização dos grupos prioritários. Conforme o Ministério da Saúde, a primeira remessa do imunizante da Pfizer para o Governo Federal ainda não chegou ao Brasil. A empresa negou que tenha comercializado o imunizante em território brasileiro.

Denúncia de esquema de imunização

Vídeos obtidos pelo Estadão mostram veículos e seus motoristas dentro de uma empresa no bairro Caiçara, na terça-feira (23). Uma mulher com jaleco branco faz movimentos semelhantes aos adotados para vacinação de pessoas próximo à janela de um dos carros. A mulher seria a responsável pela venda do que seriam os imunizantes e a aplicação deles.

De acordo com a Piauí, o ex-presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade, e o deputado estadual Alencar da Silveira Júnior (PDT), estariam entre as pessoas que teriam recebido o imunizante. Andrade chegou, conforme a revista, a confirmar que teria sido imunizado. Em seguida, no entanto, negou que recebeu a dose. Já Silveira Júnior negou ter sido vacinado.

A possibilidade de que mais pessoas tenham passado pelo procedimento não é descartada pela Polícia Federal, especificamente na garagem da Coordenadas. Os nomes de Clésio Andrade e de Alencar da Silveira Júnior não constam na lista de 80 pessoas.

Operação cumpriu mandados

A Polícia Federal deflagrou, na sexta-feira (26), a Operação Camarote para investigar a denúncia de vacinação irregular pelos empresários. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos na empresa que aparece nos vídeos aos quais os Estadão teve acesso, além da casa dos empresários. A lista com os mais de 80 nomes que teriam passado pelo procedimento foi encontrada durante a operação.

Nas diligências dessa terça-feira (30), a PF encontrou ampolas de soro fisiológico na residência da falsa enfermeira, as quais passarão por perícia. "Tudo indica, no entanto, que era esse o material utilizado, dizendo ser vacina da covid-19", indica fonte próxima às investigações. A falsa enfermeira, durante depoimento à PF, permaneceu calada e não quis contar aos investigadores de que maneira convenceu os empresários de que tinha vacina contra a Covid-19 em mãos.

A PF segue apurando se outras pessoas participaram do que pode se confirmar como golpe. A Corporação vinha trabalhando com a possibilidade de que o produto utilizado na garagem da empresa fosse realmente uma vacina contra a doença, a qual poderia ter sido desviada de algum ponto da rede pública de saúde ou até mesmo importada ilegalmente — duas possibilidades que perderam força após as diligências.

O tipo de crime no qual os empresários poderão ser enquadrados ainda não está fechado. "Isso vai depender do resultado final da investigação. Talvez haja alguma responsabilização por culpa, uma vez que foram eles quem organizaram a vacinação, permitindo que fosse aplicada a várias outras pessoas. É prematuro dizer", afirma um servidor da PF que participou das diligências.

Em nota, A PF afirma ter cumprido mandados de busca e apreensão na residência da suposta enfermeira e de seu filho, e também de uma clínica. "Os dois são suspeitos de comercializar e aplicar vacinas contra covid-19 de origem ilícita. A Polícia Civil trabalha com três linhas investigativas: as vacinas terem sido importadas ilegalmente, desviadas do Ministério da saúde ou de serem falsificadas".

Enfermeira com passagens pela Polícia

Segundo a nota da PF, a enfermeira tem passagem por furto e teria vendido o que oferecia como vacina contra a Covid-19 a outras pessoas. Além da mãe e filho, um homem também estaria envolvido no esquema. Todos foram ouvidos na sede da PF em Belo Horizonte.

A falsa enfermeira foi enquadrada no Artigo 273 do Código Penal, que pune quem "falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais" com período de 10 a 15 anos de prisão.

A falsa enfermeira foi encaminhada para a Penitenciária Estevão Pinto, na capital mineira. "As investigações continuam, com oitiva das pessoas que teriam sido vacinadas pela mulher e demais pessoas que a teriam indicado para terceiros", diz outra nota da PF, divulgada nesta quarta-feira (31). Conforme a PF, outras duas pessoas que prestaram depoimento e foram liberadas voltarão a ser ouvidas.

A reportagem não conseguiu contato com a Saritur nem com a defesa da mulher presa pela PF nas diligências dessa terça-feira.

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