Amapaenses se refugiam em ilha no Pará para fugir de efeitos do apagão

Em apenas três dias, Afuá, ilha vizinha no Pará, recebeu dez lanchas e balsas e dois navios com mais de mil macapaenses. O porto, a rede hoteleira e os bares da cidade, que possui pouco mais de 32 mil habitantes, ficaram lotados

Do dia para a noite, Afuá, pequena ilha paraense do arquipélago do Marajó, se viu lotada de "turistas". Após uma explosão seguida de incêndio na principal subestação de fornecimento de energia do Amapá na última terça-feira (3), 14 dos 16 municípios do estado ficaram sem luz e água. A solução: fugir para Afuá, a cidade mais próxima da capital Macapá.

Por causa do apagão, cirurgias eletivas (não urgentes) foram canceladas em Macapá. Moradores fizeram filas em caixas eletrônicos, postos de combustíveis e mercados. Alguns chegaram a cavar poço em casa por causa da falta de energia para bombear água na rede de abastecimento. Nas redes sociais, políticos, famosos e anônimos se mobilizaram para ajudar a amenizar a situação de caos no Amapá.

Em apenas três dias, Afuá, ilha vizinha no Pará, recebeu dez lanchas e balsas e dois navios com mais de mil macapaenses. O porto, a rede hoteleira e os bares da cidade, que possui pouco mais de 32 mil habitantes, ficaram lotados.

A relação entre as cidades sempre foi próxima, já que os afuaenses olham para Macapá como capital, por estar a 78 quilômetros de lá, enquanto a distância até Belém é de 256 quilômetros. A analista judiciária Laura Rauda nunca pensou que iria presenciar algo parecido.

"Em nenhum cenário imaginei que Afuá seria a cidade que acolheria e serviria de refúgio para quem vem de Macapá. Sempre imaginei o contrário. Vejo que está sendo um alívio para quem consegue chegar aqui", relata ela, que mora há dois anos na ilha, após ser aprovada em um concurso público.

Laura observa que a cidade já estava iniciando um relaxamento das medidas contra o coronavírus, mas admite estar assustada com o grande fluxo de visitantes.

"As pessoas vieram de Macapá, uma cidade grande, e ainda por cima em lanchas e navios lotados, sem distanciamento, e já tem macapaense curtindo nos bares. Hoje até foi tranquilo, pois choveu. Mas amanhã...", previa ela sobre o domingo (8). O tribunal onde a analista trabalha reduziu o horário de atendimento para garantir a segurança dos funcionários.

Celine Vaz foi uma das amapaenses que teve a ideia de se refugiar em Afuá, onde a avó mora. Ela tinha esperanças de que a energia voltaria rápido, mas ainda na quarta-feira (4), desistiu.

"Eu moro sozinha lá, em Marabaixo [bairro de Macapá] e fiquei isolada. Quem mora no centro teve mais facilidade de comunicação. Então fui com meu primo para o porto e já tinham dois barcos lotados, prontos para sair, com filas imensas", conta ela, ao lembrar que quem chegou depois só garantiu passagem para o dia seguinte.

"Estavam todos desesperados, e o pior: aglomerados. Foi horrível", lamenta a estudante de 22 anos. Ao longo dos últimos dias, quem queria recarregar o celular no Amapá, como Celine, precisou ir para o aeroporto ou para o shopping center.

Neste domingo (8), 76% da energia elétrica já havia sido restabelecida no estado em sistema de rodízio, segundo o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia.

Diferentemente de Laura Rauda, a cozinheira Ariédina Seixas afirma que sim, já viu a cidade lotada desse jeito antes.

"Tanta gente assim, só no Festival do Camarão", conta. É a principal festa da cidade, quando os comerciantes faturam alto com o turismo.

O Festival ocorre sempre em julho, mas foi cancelado em 2020 por conta da pandemia, para a tristeza dos empreendimentos locais.

"Como 2020 foi difícil, muitos estão olhando a tragédia do apagão com a mesma visão do festival, acredita? A ganância de dinheiro. É o que explica os barcos e bares cheios de gente. Mas só vamos ver o resultado disso daqui uns dias", avalia ela, que segue em isolamento social. Afuá registrou mais de 2 mil casos do novo coronavírus e 17 óbitos.

O prefeito Mazinho Salomão (PSD) disse compreender a preocupação dos afuaenses, mas considerou inviável qualquer tipo de bloqueio.

"Quando chegou no pico do vírus em Macapá, nós fechamos a ilha. É uma preocupação, claro, mas se optássemos por fechar tudo, poderíamos ficar sem abastecimento de alimentos", avalia, que também considera a cidade muito dependente do Amapá na área da saúde.

Aliviado com o gradual retorno da energia do outro lado do rio Amazonas, o prefeito conta que é nessas horas que se reconhecem os irmãos.

"Somos muitos próximos, unidos pelo rio. Muitos que vieram possuem familiares aqui e alguns são da terra. Fizemos o que deveria ser feito, sendo o povo hospitaleiro que sempre fomos", contou ele. De acordo com a prefeitura, mais de 400 amapaenses já retornaram para casa até a noite de domingo.