Ex-assessor diz que Trump pediu à China ajuda para sua reeleição

John Bolton alega que a política externa de Trump estava orientada pelos esforços do presidente para obter um segundo mandato

Escrito por AFP ,
Legenda: John Bolton foi demitido do governo Trump em setembro de 2019 por estar "fortemente" em desacordo com muitas das posições do mandatário estadunidense
Foto: AFP

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pediu ajuda ao dirigente chinês, Xi Jinping, para ser reeleito em novembro, de acordo com trechos de um livro explosivo de John Bolton, seu ex-conselheiro de Segurança Nacional, divulgados na quarta-feira (17).

Bolton alega que a política externa de Trump estava orientada pelos esforços do presidente para obter um segundo mandato.

Relata ainda que os principais assessores menosprezaram o líder republicano por sua ignorância sobre eventos geopolíticos básicos, críticas devastadoras que levaram a Casa Branca a apresentar uma nova ação judicial para impedir a publicação do livro. 

Em um tuíte incendiário, Trump chamou Bolton de "maluco" e afirmou que o livro era uma mistura de "mentiras e histórias falsas".

Segundo trechos, publicados pelos jornais "The Washington Post", "The New York Times" e "The Wall Street Journal", Bolton afirma que, durante a cúpula do G-20 em Osaka, em junho de 2019, Trump "surpreendentemente iniciou uma conversa (com Xi) sobre a eleição presidencial dos Estados Unidos".

O autor acrescentou que o dirigente republicano citou "a capacidade econômica da China de afetar as campanhas em andamento, implorando a Xi para garantir sua vitória" nas eleições de 3 de novembro.

Na conversa, Trump ressaltou a importância dos agricultores estadunidenses e "como um aumento nas exportações chinesas de soja e trigo" poderia afetar o resultado das eleições.

Além disso, de acordo com Bolton, Trump mostrou repetidamente sua disposição em ignorar os abusos dos direitos dos chineses e o mais surpreendente foi dizer a Xi que as prisões em massa de muçulmanos uigures era "exatamente a coisa certa".

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Consultado sobre as afirmações, o Ministério chinês das Relações Exteriores destacou seu "princípio de não interferência em assuntos internos".

"Não temos a intenção de interferir, nem o faremos, na política interna e nas eleições dos Estados Unidos", disse o porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian.

Obstáculos à publicação 
O Departamento de Justiça apresentou na quarta-feira (17) uma ordem de emergência para bloquear a publicação das memórias de Bolton, na segunda tentativa em dois dias do governo de Donald Trump para barrar a obra.

Na terça-feira (16), a Casa Branca apresentou uma demanda judicial ao tribunal federal do Distrito de Columbia, em Washington.

O governo alega que Bolton seguiu adiante com a publicação do livro antes de ter sido feita uma revisão do texto relacionado com a segurança nacional e garante que o livro "planeja difundir informação confidencial, a sua conveniência, para obter lucro". 

"Publicaria as palavras exatas de Trump, mas o processo de revisão de pré-publicação do governo decidiu de outra forma", disse Bolton, referindo-se à exigência meses atrás para enviar seu manuscrito para revisão pelas agências de segurança dos Estados Unidos.

"Infringiu a lei ao divulgar informações muito confidenciais", disse Trump ao canal conservador Fox News.

Especialistas constitucionais disseram à AFP que é pouco provável que a Justiça bloqueie a publicação.

"Obstrução da justiça" 
"É difícil para mim identificar quaisquer decisões importantes de Trump durante o meu serviço na Casa Branca que não tenham sido motivadas pelos cálculos de reeleição", escreveu Bolton sobre o magnata do ramo imobiliário que se tornou presidente e escapou de um impeachment em dezembro acusado de tentar prejudicar seu adversário democrata, Joe Biden, com a ajuda do governo ucraniano.

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O ex-conselheiro de Segurança Nacional também descreve vários episódios do comportamento de Trump. Entre eles, sua intervenção em casos envolvendo grandes empresas na China e na Turquia, nos quais ele parecia "fazer, de fato, favores pessoais aos ditadores de que ele gostava", de acordo com os trechos.

"O padrão parecia ser uma obstrução da justiça como um modo de vida, que não poderíamos aceitar", escreve Bolton, que afirma ter relatado suas preocupações ao procurador-geral, William Barr. 

Intitulado "The Room Where It Happened" (ainda sem tradução para o português), o livro será lançado na próxima terça-feira (23), em meio à campanha de Trump para a reeleição.

Segundo o candidato democrata, o livro de Bolton revela que "Trump vendeu os estadunidenses para proteger seu futuro político".

"Se essas palavras são comprovadamente verdadeiras, não é apenas moralmente repugnante, mas também uma violação do dever sagrado de Donald Trump para com os estadunidenses", acrescentou Biden em comunicado.

Figura polêmica 
Polêmico por suas opiniões sobre Irã, Rússia e Venezuela, entre outras questões, Bolton esteve à frente do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca (NSC) entre abril de 2018 e setembro de 2019.

Ele saiu depois de discordar da aproximação diplomática de Trump com alguns adversários, notadamente a Coreia do Norte e os talibãs no Afeganistão, e o relacionamento entre os dois se tornou especialmente hostil. 

Depois de dizer que testemunharia perante o Senado, se convocado, Bolton finalmente não compareceu ao fracassado processo de impeachment contra Trump, o que enfureceu os democratas. 

A raiva ressurgiu na quarta-feira, quando foram publicados trechos do livro. 

Em vez de testemunhar sob juramento sobre o que viu, "ele guardou para um livro", escreveu no Twitter o presidente democrata do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes, Adam Schiff. 

"Bolton pode ser um autor, mas ele não é um patriota", concluiu.