Entenda o projeto de quebra de patentes de vacinas contra a Covid-19
Proposta, que visa a aumentar produção de vacinas, foi apoiada pelos Estados Unidos nessa quarta (5)
A suspensão da proteção das patentes das vacinas contra a Covid-19 ganhou força nessa quarta-feira (5) após a embaixadora do Comércio dos EUA, Katherine Tai, anunciar que os Estados Unidos apoiarão proposta de suspensão de direitos de propriedade intelectual sobre os imunizantes.
Assim, empresas de todo o planeta poderiam produzir vacinas desenvolvidas por laboratórios como Pfizer e Moderna, aumentando a oferta de doses a nível mundial e facilitando o acesso de países pobres às vacinas.
O apoio dos EUA ao projeto de suspensão pela Organização Mundial do Comércio (OMC), foi saudado por seus defensores como um "momento histórico".
No entanto, até que se chegue a um consenso, haverá muitos meses de negociações. Além disso, a indústria farmacêutica — visivelmente contrária à ideia — seguirá lutando para limitar seu alcance.
No Brasil, esse processo é conhecido legalmente pelo nome de licença compulsória, ocorrendo quando o Estado autoriza que terceiros explorem e comercializem um produto desenvolvido por outros grupos.
Proposta de quebra de patente
Apresentada em 2 de outubro pela África do Sul e pela Índia, a proposta recebeu o apoio de uma centena de países e ONGs atuantes na defesa dos Direitos Humanos e na luta contra a pobreza. Isso porque o projeto tem o objetivo de aumentar a produção de vacinas contra o coronavírus.
O texto inicial propõe acordar uma revogação temporária a certas obrigações decorrentes do Acordo sobre os Direitos de Propriedade Intelectual que Afetam o Comércio (Adpic). Assim, qualquer país poderia produzir vacinas sem se preocupar com patentes, além de medicamentos e outros insumos médicos.
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A revogação duraria até que houvesse "a implementação global de uma vacinação amplamente estendida" e a imunização da maioria da população mundial.
Antes do anúncio de Washington, o Conselho Geral da OMC debateu a questão ainda na quarta-feira. Conforme a OMC, Índia e África do Sul prometeram apresentar rapidamente um texto emendado que inclui "compromissos".
Três reuniões dedicadas ao tema serão realizadas antes do fim deste mês e, em seguida, nos dias 8 e 9 de junho.
Posições a favor da proposta
Os países partidários da iniciativa, apoiados por ONGs como Médicos sem Fronteiras e Observatório dos Direitos Humanos (Human Rights Watch), além da Organização Mundial da Saúde (OMS), consideram que o acesso seria facilitado a produtos médicos, e a preços acessíveis para os países mais desfavorecidos.
Marrocos, Egito, Indonésia e Paquistão, por exemplo, indicaram que possuem "capacidade de produção" da vacina caso as patentes sejam suspensas.
"O governo [Biden] acredita fortemente nas proteções à propriedade intelectual, mas, para acabar com essa pandemia, apoia a suspensão das proteções para as vacinas contra a Covid-19", declarou a representante comercial dos EUA, Katherine Tai, em comunicado.
Posições contra a proposta
O presidente da Federação Internacional da Indústria Farmacêutica (Ifpma),Thomas Cueni, considera que a abolição de patentes ou suspensão delas não produzirá uma única dose de vacina a mais.
Os opositores ao projeto citam o esforço financeiro dos laboratórios — milhões, em parte com recursos públicos — e o freio a investimentos futuros que ocorreriam caso não houvesse obtenção de lucros.
As empresas farmacêuticas destacam a assinatura de 275 acordos de associação, incluindo transferência de tecnologia, para que a produção seja aumentada o mais rápido possível e 10 bilhões de doses sejam produzidas em 2021.
Muitos representantes da indústria dizem que o problema não é tanto a propriedade intelectual, mas as barreiras alfandegárias ou a escassez de certos insumos, os quais podem paralisar a produção.
Além disso, eles apontam como dificuldade de diversos ingredientes usados na fabricação dos imunizantes — seja porque sua exportação está bloqueada, seja porque demanda é muito alta.
No entanto, o bloco de países opostos ao projeto está rachando após a mudança de postura dos EUA.
Posição da União Europeia
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou, nesta quinta (6), que a União Europeia está disposta a discutir a proposta dos EUA de compartilhar a tecnologia por trás das vacinas para ajudar no combate à pandemia.
Apesar de não ter firmado um compromisso, Von der Leyen disse que o bloco, de 27 nações, está pronto para avaliar como a quebra de patentes pode ajudar a encerrar a crise do coronavírus.
Posição do Brasil
O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto de Franco França, disse, nesta quinta, que o governo brasileiro ainda está tentando entender a mudança de postura dos Estados Unidos em relação à proposta. No entanto, ele indicou que "a posição do governo não mudou".
Conforme França, o Brasil poderá ter mais ganho nessa área por meio de uma terceira via. Nas últimas semanas, contudo, os dirigentes da Fiocruz e do Butantan se manifestaram contra a quebra de patentes.
"Não tenho amor a nenhuma dessas posições [sobre quebra de patentes]. Temos sempre o direito de mudar de opinião", afirmou o ministro em audiência na sessão na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado.
Senado aprovou quebra de patente
No último dia 29, o Senado Federal aprovou Projeto de Lei (PL) que permite a quebra temporária de patente para produção de imunizantes, testes e medicamentos contra a Covid-19 no Brasil.
O texto, que uniu dois PLs: um tem o intuito de dispensar as exigências da OMC sobre propriedade intelectual; o outro prevê a licença compulsória do antiviral remdesivir. A proposta ainda será apreciada e votada pela Câmara dos Deputados.