Um estudo que analisa o padrão espaçotemporal da Covid-19 no Brasil entre março e outubro de 2020, publicado na revista científica Science nesta quarta-feira (14), descreve o Ceará como um estado 'resiliente' na contenção da doença.
O artigo analisa os principais centros de propagação do coronavírus em 2020, como as capitais Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro e a área compreendida entre Amazonas, Pará e Amapá. O estudo foi realizado por dez cientistas e coordenado pela demógrafa Márcia Castro, professora associada da Universidade de Harvard.
Para comparar a evolução dos casos e óbitos no país, os cientistas analisaram o deslocamento do centro geográfico da epidemia, a progressão ao longo das semanas e o intervalo de tempo para atingir 50 casos e 50 óbitos.
No Ceará, o intervalo até atingir os índices de 50 casos e 50 óbitos foi de 1 dia, o que indica que o vírus estava circulando antes de ser detectado. "Isso foi confirmado no Ceará, onde uma retrospectiva epidemiológica releva que o vírus já estava circulando em janeiro", diz o artigo.
O estudo destaca que, entre junho e agosto, o Ceará e outros oito estados tinham incidência de mortes mais forte que de casos e aponta diferentes índices de interiorização da doença. O artigo cita que o "caos político" do Rio de Janeiro impactou em uma resposta efetiva à doença e compara a resposta do RJ com a do Ceará:
"Em contraste, embora o Ceará também tenha experienciado um quase colapso no sistema hospitalar entre abril e maio, e tenha circulação indetectada do vírus por mais de um mês antes de o primeiro caso ser oficialmente confirmado, foi o 6° na interiorização de casos, mas o antepenúltimo na interiorização de mortes."
"Isso sugere que mesmo com a circulação do vírus, as ações locais foram bem-sucedidas em prevenir mortes", conclui o artigo sobre o estado. Rio de Janeiro e Amazonas foram os estados com o deslocamento de casos e mortes coronavírus para o interior mais rápido, aponta o estudo.
Resposta federal
Segundo o estudo, a resposta do Governo Federal representa uma "perigosa combinação" de inação e incompetência, incluindo a promoção de cloroquina como tratamento a despeito da falta de evidência. Os cientistas ressaltam a falta de estratégia nacional, causa de diferentes respostas de autoridades locais ao vírus.
O grupo aponta cinco fatores que resultaram na rápida disseminação de casos e mortes da Covid-19 no Brasil:
- o país é grande e desigual, com diferenças na quantidade e na qualidade de recursos médicos
- falta da interrupção da rede de conexão entre cidades durante os picos de casos e mortes
- o alinhamento entre governadores e o presidente e a polarização da pandemia tiveram consequências na duração e intensidade de medidas de distanciamento adotadas
- o coronavírus circulou no Brasil sem ser detectado por mais um mês, resultado da falta de estrutura de investigação genômica
- cidades adotaram e relaxaram medidas em diferentes momentos, com base em diferentes critérios, facilitando a propagação
"Nossos resultados se relacionam com essas questões, mas também mostram que alguns estados foram resilientes, como o Ceará, enquanto outros que comparativamente tinham mais recursos falharam em conter a propagação da Covid-19, como o Rio de Janeiro", destacam os pesquisadores.
O estudo analisou os dados até outubro de 2020, mas ressalta que o país enfrenta o pior cenário da pandemia atualmente, com um ritmo lento de vacinação e a propagação da variante surgida em Manaus. Os cientistas citam o colapso testemunhado em Manaus, como a falta de oxigênio para pacientes, e a possibilidade do mesmo ocorrer em outras localidades.
"A falha em evitar a nova onda de propagação vai facilitar a criação de novas variantes de preocupação, isolar o Brasil como ameaça global a segurança de saúde, e levar a uma crise humanitária completamente evitável", finaliza o artigo.