O Google vai acabar? Entenda o processo antitruste iniciado nos EUA

Neste tipo de disputa judicial, as empresas acusadas de concorrência desleal geralmente transformadas inteiramente, mesmo quando são vencedoras

Legenda: O processo antitruste questiona a dominância do buscador do Google no mercado
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O Departamento de Justiça dos Estados Unidos apresentou nesta semana um processo contra o Google por concorrência desleal. O caso representa o maior desafio legal dos EUA contra uma companhia dominante do setor de tecnologia em duas décadas e tem potencial de abalar o Vale do Silício, abrindo uma sequência de casos judiciais contra as gigantes do setor. 

O processo é baseado na lei antitruste dos EUA, um conjunto de normas, tanto federais quanto estaduais, que regulam corporações com o objetivo de evitar a concorrência desleal. As indústrias de tecnologia foram os principais alvos de investigações de monopólio por parte do governo americano, com três casos. A IBM, em 1969; a AT&T, em 1974; e a Microsoft, em 1998.

Neste tipo de disputa judicial, as empresas acusadas de concorrência desleal geralmente transformadas inteiramente. E isso mesmo nos casos em que saem vencedoras. Isso não significa, contudo, que o Google vai acabar. Mas a expectativa é de que a investigação deve expandir e abordar outros domínios da companhia, o que pode resultar na divisão.

O que pode acontecer com o Google

Na prática, o processo antitruste pode resultar em mudanças obrigatórias nos negócios do Google, a fim de abrir espaço para empresas rivais. O Departamento de Justiça ainda não detalhou quais medidas exatamente estão em jogo.

Por exemplo, o processo não trata do domínio exercido no mercado da publicidade digital, já apontado em um relatório da Câmara dos Deputados americana divulgado no início do mês. O próprio sistema operacional do Google, o Android, é também visto como um meio ilegal de vincular aplicativos à sua sua plataforma, mas não é abordado no caso.

No Brasil, há três processo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Um trata do sistema de buscas, o segundo aborda a suposta conduta anticoncorrencial no Android, e o terceiro investiga a prática de “scraping”, quando o buscador faz o uso não autorizado de um conteúdo.

O sistema operacional do Google, o Android, é também visto como um meio ilegal de vincular aplicativos à sua sua plataforma
Legenda: O sistema operacional do Google, o Android, é também visto como um meio ilegal de vincular aplicativos à sua sua plataforma
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O que o Departamento de Justiça dos Estados Unidos investiga

Buscador

O processo questiona a dominância do buscador do Google no mercado. O Departamento de Justiça alega que o Google mantém condutas anticompetitivas para preservar o monopólio de seus sistemas de busca e anúncios em pesquisas, que constituem a base dos serviços da companhia. Aderiram à ação 11 estados americanos - todos têm procuradores-gerais republicanos.

Pagamento a fabricantes de celulares

O governo americano argumenta também que o Google está mantendo sua posição de domínio do mercado por meio de uma rede ilegal de acordos comerciais exclusivos que excluem os concorrentes. O Departamento de Justiça afirma que a companhia usa bilhões de dólares coletados de anúncios em sua plataforma para pagar fabricantes de celulares, operadoras e navegadores, com o objetivo de manter o Google como seu mecanismo de busca padrão predefinido.

Dentro disso, há a acusação de que o Google proíbe que sistemas de busca concorrentes sejam pré-instalados nos aparelhos com sistema operacional Android. Segundo o processo, a companhia controla atualmente cerca de 80% das buscas nos Estados Unidos.

"A posição do Google é tão dominante que o nome da empresa não identifica apenas a companhia e seu motor de buscas, mas virou um verbo que significa 'buscar na internet'", diz o DoJ (sigla para o Departamento de Justiça dos EUA, em inglês) no texto do processo. O relatório aponta também que "os funcionários do Google foram instruídos nos últimos anos a evitar termos como 'amarrar', 'empacotar', 'esmagar', 'matar', 'afetar' ou 'bloquear' competidores, evitando observar também que o Google tem 'poder de mercado' em qualquer setor".

Empresa alega que processo é 'falho'

Em resposta, o Google afirmou que o processo do Departamento de Justiça é falho. "As pessoas usam o Google porque querem, não porque são forçadas ou porque não conseguem encontrar alternativas", disse Kent Walker, vice-presidente sênior de assuntos globais do Google, em publicação no site da empresa nesta terça. "Um processo como esses não ajudaria os consumidores. Pelo contrário, aumentaria artificialmente alternativas de pesquisa de qualidade inferior, aumentaria os preços dos celulares e tornaria mais difícil para as pessoas obterem os serviços de pesquisa que desejam usar".

A empresa afirma que seus acordos com fabricantes e operadoras de dispositivos não são diferentes dos acordos que outras empresas usam para distribuir software. "Sim, como inúmeras outras empresas, pagamos para promover nossos serviços, assim como uma marca de cereal pode pagar um supermercado para estocar seus produtos no final de uma fileira ou em uma prateleira no nível dos olhos", disse Walker. "Negociamos acordos com muitas dessas empresas (Apple, AT&T, Verizon, Samsung e LG) para espaço nas prateleiras ao nível dos olhos. Mas sejamos claros: nossos concorrentes também estão disponíveis, se você quiser usá-los".

Investigação

A investigação contra o Google ocorre há mais de um ano dentro do Departamento de Justiça, além de investigações em conjunto com os 50 Estados norte-americanos e o Congresso do país. Além disso, a empresa também foi alvo de uma investigação de 15 meses realizada pela Câmara dos Deputados dos EUA, cujos resultados foram apresentados há duas semanas - no relatório, os deputados afirmam que as gigantes (Google, Apple, Amazon e Facebook) abusam de monopólios e tem uma concentração de poder só vista antes na época dos barões do petróleo, fazendo referências a casos clássicos de antitruste como a Standard Oil de Rockfeller.

A Alphabet, dona do Google, é avaliada em mais de US$ 1 trilhão, sendo a quarta maior empresa americana em valor de mercado.

Exemplo na União Europeia

Algumas das acusações apresentadas pelo governo americano refletem casos que o Google está enfrentando na União Europeia. Em 2018, a companhia foi multada em € 4,3 bilhões na região por práticas anticompetitivas relacionadas ao sistema Android. O Google foi acusado de alavancar seu poder de mercado para encorajar as fabricantes de smartphones a já instalarem previamente aplicativos e serviços da empresa em seus dispositivos, como o serviço de e-mail Gmail e a loja de aplicativos Play Store.

Em 2019, a União Europeia multou o Google em € 1,5 bilhão, desta vez por monopólio em publicidade. A autoridade concluiu que a companhia abusou de sua posição dominante no mercado para forçar sites de terceiros a usarem seu serviço de publicidade Google AdSense, que coloca e administra anúncios em páginas na web.

A empresa também foi punida em 2017 devido ao serviço de comparação de preços Google Shopping - a União Europeia acusou a empresa de abusar de sua posição dominante no mercado para favorecer sua ferramenta de compras online.

As três multas, que lideram o ranking das maiores ações antitruste já impostas pela União Europeia, somam o valor de € 8 2 bilhões. O Google está recorrendo das punições.