Mudança de data de concurso para candidatos por motivo de religião é alvo de julgamento no STF

Os dois relatores dos recursos a serem julgados com repercussão geral fizeram avaliações divergentes. Enquanto Toffoli acredita que as mudanças prejudicam o princípio da isonomia, Fachin defende que as diferenciações asseguram a liberdade de crença

Legenda: O julgamento levanta discussões jurídicas sobre a liberdade de crença e a isonomia
Foto: Shutterstock

Os fiés de religiões sabatistas, ou seja, que preveem a guarda do sábado como dia sagrado, caso da Igreja Adventista, têm direito a uma data diversa de outros candidatos para realizar um concurso público marcado para esse dia da semana? A questão levanta discussões jurídicas sobre a liberdade de crença e a isonomia, direitos assegurados pela constituição, e é alvo de dois recursos com repercussão geral no Supremo Tribunal Federal (STF).

O julgamento iniciou na quarta-feira e teve prosseguimento nesta quinta-feira (19). Até o momento, há dois votos divergentes. Enquanto o ministro Dias Toffoli acredita que as mudanças prejudicam o princípio da isonomia, Edson Fachin defende que as diferenciações asseguram a liberdade de crença. Autoridades públicas, juristas e associações se manifestaram a favor da possibilidade de datas diferentes para religiosos.

União questiona se adventista pode fazer concurso em data diversa

Em um dos recursos, a União questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que entendeu que um candidato adventista poderia realizar a avaliação em data, horário e local diverso do estabelecido no calendário do concurso público, desde que não houvesse mudança no cronograma do certame nem prejuízo à atividade administrativa.

No outro,  foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que manteve sentença em mandado de segurança impetrado por uma professora adventista reprovada no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade, ao não trabalhar entre o por do sol de sexta-feira e o de sábado.

Veja também

Limitação do direito de crença

Em seu voto, Toffoli destacou, inicialmente, que o Estado deve assegurar a liberdade dos indivíduos de crerem que o sábado (ou qualquer outro dia da semana) deva ser resguardado às atividades religiosas, ainda que se trate de grupo minoritário. No entanto, não decorre desse fato o direito de exigir do Estado ou de particulares a modificação da forma de cumprimento de faculdades ou obrigações espontaneamente assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada.

Para o ministro, embora proteja a liberdade de crença e de consciência e o princípio do livre exercício dos cultos religiosos, a Constituição Federal não prescreve, em nenhum momento, o dever estatal de promover condições para o exercício ou o acesso às determinações de cada instituição religiosa. A seu ver, a possível limitação da prática religiosa em razão de previsão do edital de concursos, a depender das circunstâncias do caso concreto, não representa restrição intolerável à liberdade de crença. “Não se pode considerar violação do exercício do direito de culto, por si só, a realização de prova de concurso para ingresso em cargo público em data coincidente com o ‘período de guarda’, já que o dia selecionado previamente pela banca examinadora deve ser respeitado por todos os candidatos, indistintamente”, afirmou.

Igualdade

A imposição de definição de data alternativa para os praticantes de crença religiosa, no entendimento do relator, também não condiz com o princípio da isonomia, e a previsão de regras específicas para atender exclusivamente a determinado grupo religioso configura distinção injustificada. “Admitir a criação de condições especiais ao exercício de faculdades legais embasada na crença religiosa significaria estabelecer privilégio não extensível aos que têm outras crenças ou simplesmente não creem”.

Para Toffoli, impor a todas as esferas da administração pública (municipal, estadual e federal) a obrigação de designar dia alternativo para a realização de provas de concursos públicos poderia sobrecarregar demasiadamente o poder público, que arcaria com os custos adicionais da operação para adequar a modalidade do concurso aos interesses do grupo religioso.

Modulação dos efeitos

Toffoli votou pelo provimento do recurso extraordinário para reconhecer a inexistência de direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos dos determinados previamente por comissão organizadora de certame público ou vestibular por força de crença religiosa, sem prejuízo, no entanto, de a administração pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público, como “solução harmônica e consentânea com a garantia constitucional de proteção à liberdade religiosa”. O relator propôs ainda a modulação da decisão para assegurar a validade das provas realizadas no caso concreto.

Interferência estatal

Para o ministro Edson Fachin, possibilitar alternativas a candidatos de certames não se trata de criar privilégio ou de estipular diferenciações para o provimento de cargos públicos, mas de permitir o exercício da liberdade de crença sem indevida interferência estatal. Fachin divergiu do voto do ministro Dias Toffoli, por entender que admitir a fixação de data alternativa para a realização de etapa de certame público ou de estágio probatório em razão de convicção religiosa não viola o direito à igualdade. Para ele, a implementação de prestações positivas que assegurem a plena vivência da liberdade religiosa é não apenas compatível, mas recomendada pelo texto constitucional (artigo 5º, inciso VII, e artigo 210, parágrafo 1º).

Critérios

A resposta para o caso, segundo Fachin, deve considerar três critérios: a existência ou não de ofensa a um direito fundamental, de consenso em relação ao tema e, por fim, de risco efetivo para o direito de outras pessoas. No caso, a seu ver, é evidente o conflito entre o direito à igualdade e o direito à liberdade de crença. Também não há dúvida acerca do consenso social em torno do tema. O ministro lembrou a experiência bem-sucedida da gestão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que, em 2009 passou a permitir aos sabatistas que prestassem o exame em horário alternativo e, posteriormente, passou a aplicar as provas apenas aos domingos.

Quanto ao último critério, para o ministro, não há risco efetivo ao direito de outras pessoas nem ofensa ao princípio da isonomia. O princípio da laicidade, segundo Fachin, determina o tratamento igualitário e respeitoso que deve ser dispensado pelo Estado às minorias religiosas.

O ministro rejeitou também os argumentos de que o acolhimento desses direitos imporia ao Estado custos adicionais, pois, a seu ver, cabe ao Estado propiciar condições materiais para viabilizar o pleno exercício dos direitos fundamentais de crença e culto.

Objeção de consciência

Para Fachin, a fixação de datas ou horários alternativos deve ser permitida, dentro de limites de adaptação razoável, após manifestação prévia e fundamentada de objeção de consciência por motivos religiosos. Em igual sentido, o administrador deve oferecer obrigações alternativas, para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório.

 

Com informações da assessoria de comunicação do STF