Divisão de verba entre negros e brancos em 2020 é viável mas pode ser barrada

O ministro do STF Ricardo Lewandowski determinou que a aplicação de incentivos às candidaturas de pessoas negras deve valer já nas eleições deste ano

Legenda: Ministro Ricardo Lewandowski, do STF, decide que aplicação de incentivos às candidaturas de pessoas negras deve valer já nas eleições de 2020.
Foto: Carlos Humberto/STF

O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a aplicação de incentivos às candidaturas de pessoas negras deve valer já nas eleições de 2020. Com isso, o ministro altera decisão tomada em agosto pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia decidido que as novas regras eleitorais — incluindo a divisão proporcional de verba de campanha entre candidaturas de pessoas brancas e negras — valeriam apenas a partir do pleito de 2022. Especialistas ouvidos pelo Seu Direito analisam a determinação e discutem viabilidade.

Professora de direito eleitoral da Universidade Federal do Ceará (UFC), Raquel Machado diz que, apesar de a determinação ser viável, é possível, ainda, ser barrada. “Temos três ministros no STF que integram o TSE e, na consulta (de agosto), ficou decidido que (a aplicação de incentivos) não ia se aplicar agora. Então, já existe esse posicionamento. E algumas pessoas sustentam que pode haver insegurança jurídica”, explicou a advogada.

Para Machado, a viabilidade se justifica no fato de que a decisão trata da divisão do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e não da reserva de vagas às candidaturas de pessoas negras. “A questão é saber se os partidos têm candidatos negros. Como é relacionado à distribuição das verbas e essas verbas ainda vão ser utilizadas, dá tempo. Claro que os partidos vão ter que ter muito mais agilidade decisória, mas é viável”, compreende.

O ideal para os partidos políticos e para as candidaturas teria sido tomar essa decisão ao fim do ano passado ou início deste, diz André Costa, advogado, presidente do Instituto Cearense de Direito Eleitoral e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). 

“Entretanto”, observa Costa, “devemos trabalhar com a realidade. E, nessa perspectiva, a viabilidade da aplicação é respondida pelo próprio ministro Lewandowski, ao registrar em sua decisão que ‘ainda se está no período das convenções partidárias, qual seja, de 31/8 a 16/9, em que as legendas escolhem os candidatos, cujo registro deve ser feito até o dia 26/9’”.

Na decisão, Lewandowski justifica ainda que “para mim, não há nenhuma dúvida de que políticas públicas tendentes a incentivar a apresentação de candidaturas de pessoas negras aos cargos eletivos, nas disputas eleitorais que se travam em nosso País, prestam homenagem aos valores constitucionais da cidadania e da dignidade humana”.

Princípio da anterioridade

Costa e Machado acreditam que os contrários à decisão do ministro Lewandowski podem apelar para o “princípio da anterioridade”, com base na norma do artigo 16 da Constituição Federal, que diz que “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

“O fundamento do ministro é que estamos tendo convenções e os partidos vão ter tempo de se organizar. Vários advogados de partido ficaram muito insatisfeitos, mas partidos têm habilidade para muitas ações. Fazer política não é fácil”, analisa a professora Raquel Machado.

Costa, por sua vez, ressalta que, “na própria decisão liminar, esse argumento é replicado com jurisprudência do próprio STF. O ministro (Lewandowski) entende que não haverá qualquer alteração nas ‘regras do jogo’ em vigor, mas tão somente uma explicitação”, comenta.

Representatividade

A distribuição proporcional de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), bem como do tempo de propaganda eleitoral, “é uma decisão necessária, adequada e justa”, segundo André Costa. 

“É o começo da reparação da desigualdade racial na democracia representativa, pois suas instituições refletem o racismo estrutural existente na sociedade. Nos partidos políticos não é diferente, mesmo naqueles que se declaram progressistas. Raramente existem mecanismos internos para assegurar a participação igualitária de pessoas negras em seus órgãos deliberativos e nos espaços de representação política e de poder”, observa o advogado.

Sendo assim, a decisão do ministro Lewandowski seria um pontapé para começar a reduzir e, posteriormente, eliminar a sub representação de pessoas negras nas Casas Legislativas.

“O financiamento é o primeiro passo pro aumento da representatividade, porque não tem como aumentar representatividade se não tem suporte financeiro pras campanhas”, conclui a professora Raquel Machado.

Calendário eleitoral

  • 31/8 a 16/9: período para a realização de convenções destinadas a deliberar sobre coligações e a escolher candidatos a prefeito,vice-prefeito e vereador.
  • 26/9: último dia para os partidos políticos e as coligações apresentarem à Justiça Eleitoral, até 19 horas, o requerimento de registro de seus candidatos.
  • 27/9: data a partir da qual será permitida a propaganda eleitoral, inclusive na Internet.